"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

Arqueologia do descaso

La historia tiene la realidad atroz de una pesadilla; 
la grandeza del hombre consiste en hacer obras
hermosas y durables con la substancia real de esa pesadilla.
Octavio Paz: El Laberinto de la Soledad

Oficina lítica na ilha do Campeche, Florianópolis - SC. Foto: Orides Maurer Jr.

Discorrer sobre patrimônio histórico num país sem memória é tarefa espinhosa. Espinhosa porque nesses cinco séculos de história temos destruído não apenas os remanescentes arquitetônicos das cidades e vilas do período colonial como também os sítios arqueológicos, as comunidades indígenas e quilombolas e as festas e tradições populares de origens diversas.

Há uma campanha – não mais velada – de destruição “física” desses patrimônios para dar lugar a modernos e luxuosos condomínios e shoppings centers e “cultural”, por parte de um grupo fundamentalista que instiga seus fiéis dizendo que danças e cantorias folclóricas são de origem demoníaca. Muitas cidades pequenas do litoral e interior do país que mantinham vivas essas tradições culturais as perderam e as gerações mais novas não tiveram a oportunidade de desfrutar desse rico legado. Uma parcela importante de nossa memória foi apagada.

Quanto à educação patrimonial que deveria ser tema obrigatório nos currículos de todas as escolas brasileiras,  raros são os professores que abordam essa temática e/ou desenvolvem algum projeto com seus estudantes, haja vista a resistência por parte dos mesmos e da própria falta de conhecimento dos profissionais da Educação. Visitas aos museus, centros históricos remanescentes e/ ou sítios arqueológicos que poderiam render aprendizagens significativas são mais raras ainda.

Há por parte do poder público  – em todos os níveis – um desleixo de políticas públicas voltadas à questão do patrimônio. Enquanto os países mais desenvolvidos tem uma forte ligação com seu passado histórico, preservando-o e fazendo dele  um  laço que mantêm seus povos unidos em torno de uma identidade cultural e fonte de renda através do turismo, no Brasil há uma preocupação apenas com a instalação de parques industriais, portos, ferrovias, rodovias... para escoar a produção de soja e seus produtos industriais.

E, soma-se a tudo isso, um elevado custo social e ecológico, degradando-se dia a dia nosso patrimônio natural, as paisagens de valor significativo e as comunidades tradicionais, com ocupações desordenadas de manguezais e morros - ocupados por milhares de excluídos de uma sociedade injusta, onde o capital prevalece sobre o ser humano -, destruição dos remanescentes da Mata Atlântica, da ocupação sistemática de áreas pantaneiras (criação de gado), do Cerrado e da Floresta Amazônica (criação de gado,  plantação de soja) e de todo um campo fértil para pesquisas arqueológicas.  O lucro vem em primeiro lugar.

O Brasil urge por políticas mais eficazes em relação às questões ambientais e à preservação de nosso patrimônio paisagístico e artístico. Um país sem memória histórica é um país sem identidade. Que legado deixaremos às novas gerações? Recuperar, restaurar, preservar centros históricos, paisagísticos e arqueológicos abriria frentes de trabalho para inúmeros profissionais, incrementaria o turismo, gerando mais empregos para nossa juventude que hoje não tem perspectivas de um futuro promissor. O Brasil tem sede de cultura e de memória.


MAURER JUNIOR, Orides. Ecos do tempo: uma viagem pela história. Joinville: Letradágua, 2015. p. 47-48.

Orides Maurer Jr. é historiador e autor do blog ϟ●• História e Sociedade •●ϟ

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