"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos
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quarta-feira, 6 de novembro de 2013

O Islamismo

O Islamismo, a mais moderna das religiões universais, surgiu na Arábia no século VII em circunstâncias mal conhecidas. Maomé nascera em Meca ao redor do ano 570 de nossa era e havia pregado um monoteísmo, em muitos aspectos, próximo do judaísmo e do cristianismo – que eram conhecidos em seu meio – enfrentando o politeísmo de seu próprio povo. Órfão desde pequeno, foi criado pelo tio Abu Talib que se dedicava ao comércio de caravanas, tendo viajado com ele até 25 anos de idade, quando casou-se com Khadidja, uma viúva rica de 40 anos. Foi ao redor de 611, em meio a uma vida tranqüila e feliz que, uma noite, apareceu-lhe o arcanjo Gabriel e lhe disse: “Lê”. Ele respondeu que não sabia ler e o anjo insistiu: “Lê em nome do criador”, e lhe anunciou que havia sido escolhido para ser o mensageiro de Deus. Sua esposa foi a primeira a converter-se, ao mesmo tempo que seu primo Ali, que casou-se com Fátima, filha de Maomé. Os habitantes de Meca inquietaram-se com esta nova fé monoteísta, que ameaçava as peregrinações aos santuários locais, tornando a situação perigosa para o profeta que, em 16 de julho de 622, fugiu para instalar-se em Medina. Esta viagem, a hégira, é o acontecimento que marca o início da era muçulmana. Foi, então que Muhammad se converteu em um profeta armado e dedicou-se à expansão do Islamismo pela Arábia, até sua morte no ano 632 (ano 10 da hégira).

Alcorão de Al-Andalus (século XIII)

Se, inicialmente, Maomé estava próximo aos judeus que viviam na Arábia, separou-se gradualmente deles, que haviam se aliado com seus inimigos, ao mesmo tempo que se apropriava de suas origens. Abraão foi considerado o fundador de um monoteísmo que havia estabelecido um santuário em Meca (a Ka’Ba, construída por Adão, destruída pelo dilúvio e restabelecida por Abraão) sendo que Jesus era visto como um grande profeta, filho de mãe virgem.

O grande problema do Islamismo, ao morrer Maomé, foi sua sucessão. Muitos eram partidários de que lhe sucedesse Ali, seu primo e genro. Outros queriam que o sucessor, ou califa fosse eleito. Um acordo entre as partes levou à nomeação, como primeiro sucessor, de Abu Bekr, velho companheiro e um de seus sogros (depois da morte de Khadidja, em 619, Maomé chegou a ter 10 mulheres).

O califa já não era um profeta, mas simplesmente um conservador da mensagem de Maomé e o encarregado de expandi-la pelo mundo. Abu Bekr criou um exército e prosseguiu a expansão. Seu sucessor, Omar (634-644), outro sogro de Maomé, conquistou a Síria e concluiu a conquista do Egito. Nos países que conquistavam, os muçulmanos apropriavam-se das terras do Estado e daqueles que não reconheciam a sua autoridade, permitindo, porém, que cristãos, judeus e zoroastrianos continuassem conservando seus bens, sempre que pagassem tributo e não fizessem proselitismo religioso.

Omar foi assassinado por um escravo cristão e um conselho de sábios escolheu, então, como seu sucessor, Othaman (644-656), que fora casado com duas filhas de Maomé e que realizou a compilação do Corão, recolhendo as recordações e testemunhos de todos os companheiros do profeta. Após doze anos de reinado, Othaman morreu, também assassinado. E o quarto califa, e último dos “califas patriarcais”, foi Ali, o mais próximo dos parentes de Maomé (os shariffs ou descendentes do profeta procedem de seus dois filhos) que morreria, por sua vez, assassinado pelo homem que o substituiria, Moaviá, que deu início ao califado hereditário, instalado em Damasco e criou um estado de estilo novo, que já era de um povo em armas, mas que contava com uma administração e um exército profissional.

Enquanto isso, as reivindicações da família de Ali, que se considerava perseguida, iniciaram a divisão do mundo islâmico entre “sunitas” e “xiitas”, que eram os que não aceitavam o califado hereditário e sustentavam a legitimidade da sucessão de Ali através de uma série de imanes (sacerdotes) ou chefes religiosos ocultos. Os xiitas promoveram diversas insurreições e deram lugar a ramos extremistas, como os ismaelitas.

No Islamismo atual, o grupo mais numeroso é o dos “sunitas” ortodoxos, cujo nome procede de sunnah ou costume, representando mais de 85% dos muçulmanos. Há quatro escolas de pensamento sunita que dominam em diversas zonas do mundo islâmico, reconhecendo-se todas entre si, porém, como ortodoxas. Opostas a elas, estão os “xiitas”, correspondendo a 10% dos muçulmanos (entre eles os do Irã e boa parte do Iraque) que se dividem em três escolas – a dos doze sacerdotes (imanes), a dos cinco imanes e a dos ismaelitas ou dos sete imanes – que divergem na estimativa de quem são os imanes herdeiros secretos e legítimos de Ali. Uma das diferenças mais evidentes entre xiitas e sunitas é que os primeiros admitem a autoridade religiosa de um clero, os mujtabids, cujos membros mais importantes são chamados de aiatolás.

Além destes dois, há outros grupos menores no Islamismo. Os coraixitas são uma seita puritana que descende dos que, na disputa sucessória, não estavam nem como Moaviá nem com os descendentes de Ali, porque pensavam que o califado deveria ser eletivo. Há, também, diversas seitas saídas do xiismo que seguem os ensinamentos de profetas próprios, como os bahai, que têm seiscentos mil seguidores, ou a seita ortodoxa de Ahmadiya, na Índia, que afirma que Jesus Cristo morreu na cruz aos 120 anos, na Índia. O fundador deste grupo, que morreu em 1908, proclamava que ele era o mahdhi, o imã esperado, ao mesmo tempo que era, também, o segundo retorno de Jesus Cristo. Uma das duas correntes em que este grupo se dividiu imita os procedimentos das missões cristãs (ainda que seja violentamente hostil ao cristianismo) e tem meio milhão de seguidores, principalmente na África ocidental: na Nigéria (onde contribuiu para a islamização das tribos yoruba), Guana e Burkina Faso.

Há também dois fenômenos associados, que são demasiado complexos para serem sintetizados brevemente. O “sufismo” é uma forma de misticismo que vai além da simples observação da lei islâmica (a “shariah” ou caminho largo) para buscar a união com Deus através do ascetismo, da prece e da meditação, tendo em Ibn Arabi um dos seus maiores representantes, autor de uma imensa obra escrita, que nasceu em Murcia, em 1165, e percorreu todo o mundo islâmico. As confrarias (turuk) seguem as doutrinas de um líder sufi, de um marabut, que ensinam o “modo de aquiescer a Deus, através de determinados ritos, práticas, exercícios e conhecimentos esotéricos”; reúnem-se junto às tumbas dos santos, fazem jejum e vigílias, praticam a dança (como os “derviches girantes”), recitam “recordações” e alguns consomem haxixe ou ópio para facilitar a chegada ao êxtase. Proibidas na Arábia, as confrarias se expandem por todo o mundo islâmico, incluindo Bósnia e Kosovo, e entre os imigrantes muçulmanos da Europa ocidental.

Os sunitas, o grupo majoritário dos muçulmanos, não têm Igreja nem clero. O fiel tem contato direto com Deus, já que o imane (sacerdote) não faz outra coisa do que dirigir a oração coletiva, não sendo um intermediário entre a divindade e o crente. O Corão é a mensagem de Deus através do qual o arcanjo Gabriel, recordado de memória pelos contemporâneos do profeta e escrito em diversas etapas em um texto de 114 surates ou capítulos, compostos de um número variável de versículos. Não é um texto apenas religioso, mas contém, também, normas jurídicas, morais, políticas ou sociais.

A suna (tradição ou costume) é a segunda fonte de lei e se compõe principalmente dos hadits, os dizeres do profeta quando respondia a perguntas sobre a interprestação de seus ensinamentos, transmitidos oralmente por seus companheiros às gerações seguintes. No século IX, foram compilados e discutidos, atribuindo-se-lhes um grau de veracidade. Há seis recompilações fundamentais dos hadits que são fonte do conhecimento ao lado do Corão.

Os princípios do Islamismo são cinco. A profissão de fé: só Deus é Deus e Muhammad é seu enviado. Esta profissão, dita com sinceridade ante testemunhas, basta para que seja considerado muçulmano. A oração (pregaria) que se faz cinco vezes ao dia, só ou acompanhado, sob a direção de um imane ou sacerdote e na direção de Meca, é um ato supremo e purificador. O zakat o imposto-esmola é obrigatório e se destina a atender aos necessitados. O quarto princípio é o jejum de Ramadan e o quinto, o hadj ou peregrinação a Meca.

O califado fragmentou-se como poder político, porém o grande paradoxo foi que, ao romper-se sua unidade, a homogeneidade cultural do mundo islâmico cresceu (é necessário recordar que a comunidade dos muçulmanos, a umma, não reconhece diferenças de tribo, nação, nem de raça) e sua capacidade de expansão e de integração se multiplicou. Os censos religiosos são sempre discutíveis, mas calcula-se que seu número cresce com rapidez, não só porque os países muçulmanos têm, em geral, natalidades elevadas, mas porque sua religião se expande fortemente no mundo subdesenvolvido.


FONTANA, Josep. Introdução ao estudo da história geral. Bauru: Edusp, 2000. p. 309-314.