"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

"Peabirus": trilhas indígenas pré-colombianas


“Peabiru” - na língua tupi-guarani, “pe”= caminho, “abiru” = gramado amassado -  são antigas trilhas pré-colombianas utilizadas pelos índios da América do Sul, ligando o litoral ao interior. O termo “Caminho do Peabiru” foi utilizado pela primeira vez no século XVIII pelo jesuíta Pedro Lozano.

As diversas civilizações se fizeram pelas rotas de comércio. Foi por elas que se deram os intercâmbios culturais e se conquistaram impérios. No Brasil, o “Peabiru” começava no litoral paulista (São Vicente ou Cananéia) e daí cruzava o atual Estado do Paraná penetrando no Chaco paraguaio, na Bolívia e alcançando o sul do Peru e a costa do Pacífico.

Este era o principal tronco do “Peabiru”, mas havia outros ramais: um cruzava o rio Paranapanema (entre São Paulo e Paraná), descia o sul quase em linha reta; outro ramal dava no litoral de Santa Catarina. O caminho tinha, aproximadamente, 3 mil km de extensão e cerca de 1,40 m de largura e 0,40 cm de profundidade e era forrado com vários tipos de gramíneas para evitar o efeito erosivo das chuvas. Segundo as pesquisas arqueológicas o caminho remontaria entre os séculos IV e VIII de nossa era.

A história do “Peabiru” ainda está envolto em mistérios. Há três teorias conhecidas:

* a mais aceita atualmente no meio acadêmico é que o caminho é a menor rota entre os oceanos Atlântico e Pacífico e que foi aberto pelos índios guaranis em busca da “Terra sem males”; 

* os “Peabirus” testemunham antigas incursões incaicas com o propósito de estender seus domínios imperiais até às margens do Atlântico; segundo essa teoria o Peabiru permitiu a chegada dos índios guaranis na região andina e teria deixado um legado na música (como a flauta de Pã), no armamento (semelhança da macaná - borduna guarani - com a maqana inca), na flora (sara = espiga em guarani, milho em quíchua) e na fauna (jaguar = felino nos dois idiomas); 

* o “Peabiru” teria sido aberto por São Tomé – apóstolo de Cristo; sua passagem pela América é mencionada pelos índios (Sumé), missionários e colonos no século XVI como um homem branco e barbudo que teria chegado ao litoral brasileiro “andando sobre as águas”; em sua peregrinação ao Paraguai, teria aberto o caminho.

Para Rosana Bond, autora do livro “O Caminho de Peabiru”, o caminho possui grande importância histórica, pois serviu para as andanças e as migrações de povos indígenas e, no decorrer do período colonial, para a descoberta de riquezas, criação de missões religiosas, comércio, fundação de vilas e cidades.

Pelo “Peabiru” transitaram diversos povos indígenas, como os Incas e os Guaranis e desbravadores do período colonial como os bandeirantes, os missionários jesuítas, aventureiros, sujeitos que construíram a nossa história: Aleixo Garcia (português que contatou com os Incas em 1524), Pero Lobo (expedição fracassada de um dos capitães de Martim Afonso de Souza em 1531), Cabeza de Vaca (1541), Ulrich Schmidel (1553), os jesuítas Pedro Lozano e Ruiz de Montoya, Raposo Tavares (1628) e outros bandeirantes vicentinos que realizaram ataques devastadores às missões do Guairá. A descoberta das minas de prata de Potosí (Bolívia, século XVI) também se deu através do "Peabiru".

Depois do século XVII, quando os bandeirantes atacaram e destruíram as missões jesuíticas espanholas com o intuito de escravizar índios, o “Peabiru” foi praticamente abandonado. O caminho só foi reativado no século XIX, quando serviu como porta de entrada de uma nova leva de homens brancos, os colonizadores do interior do Paraná. 

Independente das origens incas, guaranis e/ou de outras sociedades indígenas anteriores à chegada dos europeus, o "Peabiru" é um caminho de importância histórica que deve ser pesquisado através da Arqueologia e da leitura de registros escritos do período colonial para preservar a memória dos ancestrais pré-colombianos - apesar dos colonizadores europeus terem utilizado para adentrar nos “sertões” e escravizar os povos indígenas, impor uma outra cultura, criar uma nova civilização nos Trópicos e explorar suas riquezas naturais e minerais. 


MAURER JUNIOR, Orides. Ecos do tempo: uma viagem pela história. Joinville: Letradágua, 2015. p. 45-46.

Orides Maurer Jr. é historiador e autor do blog ϟ●• História e Sociedade •●ϟ

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