Aos migrantes de todos os cantos do globo
“Todos eles têm membros compactos
e firmes, pescoços grossos, e são tão prodigiosamente disformes e feios que os
poderíamos tomar por animais bípedes [...] Tendo porém o aspecto de homens, embora
desagradáveis, são rudes no seu modo de vida, de tal maneira que não têm
necessidade nem de fogo nem de comida saborosa; comem as raízes das plantas
selvagens e a carne semicrua de qualquer espécie de animal que colocam entre as
suas coxas e os dorsos dos cavalos para as aquecer um pouco”.
"Não é o bárbaro que nos ameaça, é a civilização que
nos apavora".
Euclides da Cunha, escritor
(Amiano
Marcelino, historiador romano, século IV, sobre os hunos)
O termo atravessou os séculos e é, ainda hoje – de forma
preconceituosa, estigmatizada - , usado para se referir aos povos chamados
“primitivos”, “selvagens”, da América (indígenas), África (negros), Oceania
(aborígenes), além de incluir os chamados “novos bárbaros”, isto é, povos originários do Norte da África (islamizados) que migram para a Europa
e/ou latino-americanos para os Estados Unidos e/ou brasileiros (nordestinos) para as regiões Sudeste e Sul.
Que buscavam/buscam os “bárbaros”? No passado, os chamados “povos
bárbaros” (germanos, entre outros, que penetraram nas fronteiras do Império Romano) buscavam
preservar sua própria cultura. Foram, literalmente, empurrados para dentro das
fronteiras do Império por outros povos guerreiros oriundos da Ásia Central
(hunos). Mas há outros fatores que explicam as sucessivas migrações: o
crescimento demográfico (e a necessidade de novos espaços para pastoreio, caça,
agricultura); a atração que a civilização romana – urbana – exercia sobre os
jovens; o desejo de fazer parte das legiões romanas... Roma era um ímã que atraía
povos de todas as direções.
Houve medo, resistências. Mas houve, sobretudo, mesclagem. Sexual.
Cultural. Um novo mundo gestava-se. A cultura romanizada não desapareceu. Houve fusões. O
latim continuou sendo a língua oficial. As tradições e os costumes bárbaros
contribuíram de forma significativa para a formação da Europa atual. A mesma
Europa Ocidental que hoje repudia os migrantes oriundos do Norte da África, do Leste europeu, da América Latina e da Ásia, isto é, povos provenientes de regiões afetadas por crises políticas e/ou socioeconômicas.
Os europeus - desde os humanistas italianos - ao construírem o conhecimento histórico, o
fizeram de forma preconceituosa, eurocêntrica, pois colocou as civilizações ditas "clássicas" como referência de mundo, impondo seus valores culturais, políticos,
econômicos e ideológicos aos demais povos. Dessa forma, a tal “pureza étnica”
evocada atualmente por grupos neonazistas nos países europeus e/ou nos EUA é estéril, como o são todas as pseudo teorias
de superioridade racial. A ciência nos mostra que os povos originários de misturas
são os mais fecundos do ponto de vista civilizatório. A mesclagem sexual é
fonte de dinamismo.
No presente, os migrantes buscam – tal como no passado - melhores condições de vida e trabalho.
Fogem - em péssimas condições de travessia - de seus países que durante séculos
foram espoliados pela Europa. A riqueza da Europa fez-se à custa da exploração
das riquezas naturais e minerais e do massacre e da escravidão de milhões de
homens e mulheres dos continentes americano, africano e asiático.
Contudo, em decorrência da crise globalizada que atinge, também, os países mais desenvolvidos, há uma resistência feroz em relação aos migrantes, provocando um renascimento perigoso das forças do mal. Forças essas que levaram à ascensão de regimes xenófobos e racistas ao poder e desencadearam uma das maiores atrocidades do século XX. Perigo esse que vemos crescer não só na "civilizada" Europa e nos Estados Unidos. No Brasil, uma "elite" de mentalidade colonizada prega a ideia de que o “Sul” - considerado rico e civilizado - deve se separar do “Nordeste” - considerado pobre e atrasado. Aqui o alvo são os nordestinos: pobres, negros, mestiços. Esquecemos de nossas formações sociais.
Na representação do "outro", daquele que não sou "eu", projeta-se nossa visão de "bárbaro". Não descrevemos o "outro" em si, mas o que reconhecemos em "nós" - a nossa "barbárie". A incompreensão do que é o "outro", o "diferente" pode chegar ao ódio. "Bárbaro" é sempre o "outro", o "diferente".
Orides Maurer Jr. é historiador e autor do blog ϟ●• História
e Sociedade •●ϟ
© 2015 by Orides Maurer Jr.
Contudo, em decorrência da crise globalizada que atinge, também, os países mais desenvolvidos, há uma resistência feroz em relação aos migrantes, provocando um renascimento perigoso das forças do mal. Forças essas que levaram à ascensão de regimes xenófobos e racistas ao poder e desencadearam uma das maiores atrocidades do século XX. Perigo esse que vemos crescer não só na "civilizada" Europa e nos Estados Unidos. No Brasil, uma "elite" de mentalidade colonizada prega a ideia de que o “Sul” - considerado rico e civilizado - deve se separar do “Nordeste” - considerado pobre e atrasado. Aqui o alvo são os nordestinos: pobres, negros, mestiços. Esquecemos de nossas formações sociais.
Na representação do "outro", daquele que não sou "eu", projeta-se nossa visão de "bárbaro". Não descrevemos o "outro" em si, mas o que reconhecemos em "nós" - a nossa "barbárie". A incompreensão do que é o "outro", o "diferente" pode chegar ao ódio. "Bárbaro" é sempre o "outro", o "diferente".
MAURER JUNIOR, Orides. Ecos do
tempo: uma viagem pela história. Joinville: Letradágua, 2015. p. 37-39.
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