"Os indivíduos chegaram nus ao mundo, mas a humanidade não. Ela trouxe consigo do passado tudo o que a constitui".
J. M. Roberts
Na
aurora da humanidade os grupos humanos organizavam-se em pequenos bandos,
com poucos intercâmbios entre si. O modo de vida
estava baseado na caça, na pesca e na coleta de frutos e raízes; os objetos eram poucos, pois eram nômades na luta pela sobrevivência.
Essas
comunidades primitivas deram espaço para a fabricação de cerâmicas de uso
cotidiano e cerimoniais, de inscrições e pinturas rupestres, práticas agrícolas
e de criação de animais. Práticas essas que não ocorreram simultaneamente em
todas as regiões. Aldeias, vilas, cidades, reinos, civilizações e impérios é
tudo muito recente na longa trajetória dos homens.
A
noção de que antes da “invenção da escrita” o que existiu foi uma “pré-história”,
e não “história”, está ligada a falsa ideia de que a história não pode ser
reconstruída sem documentos escritos. Isso constitui uma forma eurocêntrica de
entender a história da humanidade.
Atualmente,
entretanto, os cientistas sociais reconheceram a importância dos registros não-escritos (pinturas, esculturas, relatos orais, vestígios materiais...) como
fontes históricas. Além disso, deve-se destacar que sistemas de registros
escritos não surgiram ao mesmo tempo em todos os lugares, e há alguns grupos que
vivem no presente sem sistemas de escrita. Portanto, essa divisão entre "pré-história" e "história" não tem lógica.
O
termo “pré-história” aplica-se mais a um "estágio" na trajetória civilizatória do que a um determinado período de tempo. Nesse longo período ocorreram conquistas tecnológicas importantíssimas, como,
por exemplo, o domínio do fogo, que possibilitou aos seres humanos cozinhar seus alimentos, iluminar as cavernas, aquecer-se nas noites frias, afugentar animais selvagens, fundir metais...
Considerar, por exemplo, que o primeiro registro sobre as sociedades indígenas brasileiras foi a Carta de Caminha é desconsiderar como fontes históricas os sambaquis, as inscrições rupestres, as urnas funerárias... produzidos antes da “invasão” portuguesa. Ainda para os eurocêntricos, a noção de uma "pré-história", contempla a noção de "progresso", isto é, a humanidade estaria dando seus primeiros passos – "estágios primitivos" – para "estágios complexos" - civilizatórios.
Considerar, por exemplo, que o primeiro registro sobre as sociedades indígenas brasileiras foi a Carta de Caminha é desconsiderar como fontes históricas os sambaquis, as inscrições rupestres, as urnas funerárias... produzidos antes da “invasão” portuguesa. Ainda para os eurocêntricos, a noção de uma "pré-história", contempla a noção de "progresso", isto é, a humanidade estaria dando seus primeiros passos – "estágios primitivos" – para "estágios complexos" - civilizatórios.
Adotar
o critério da invenção da "escrita" é dividir a humanidade entre “civilizados” e
“não-civilizados”, é classificar os povos em “atrasados” e “desenvolvidos”. E
foi com essa mentalidade que os europeus no século XVI conquistaram e
subjugaram inúmeros povos, culturas, impérios e civilizações na América
(astecas, maias, incas) e na África. Essas conquistas e colonizações foram
acompanhadas de violência, incluindo extermínio físico/cultural e escravização.
Estava presente a ideia de superioridade cultural. Isso tudo deixou uma pesada herança que se faz presente nas sociedades contemporâneas americanas (como a prática do
racismo) e africanas (como a miséria).
Embora
vivendo o tempo cronológico do século XXI “globalizado”, de tecnologia de
ponta, isso não significa que todos os grupos humanos vivam da mesma forma. Existem,
nas partes mais distantes dos grandes centros urbanos, pessoas que vivem com
pouca ou nenhuma tecnologia atual e de acordo com as permanências e/ou
recriações dos costumes, hábitos e crenças de seus ancestrais. É o caso dos aborígenes
australianos, dos esquimós do Ártico e de algumas tribos indígenas no Brasil.
Além disso, as populações dos grandes centros urbanos, como Nova York, São
Paulo, Londres... são formadas por pessoas de diferentes origens étnicas e
referências culturais. Não existe uma única cultura, mas sim culturas plurais.
Alfredo Bosi faz uma importante reflexão sobre essa temática: “O que estaria errado na ‘religião do progresso’ não é, evidentemente, a justa aspiração que todos os homens nutrem de viver melhor, mas os hábitos de dominação que esse desejo foi gerando por via de uma tecnologia destrutiva e de uma política de violência. Em outras palavras: a seqüência dos tempos não produz necessária e automaticamente uma evolução do inferior para o superior”. BOSI, Alfredo. O tempo e os tempos. In: NOVAES, Adauto (Org.). Tempo e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p. 22.
As
sociedades ditas “não-civilizadas” ou “primitivas” foram capazes de produzir e
preparar tudo o que necessitavam para viver com os recursos que a natureza lhes
oferecia. A relação do homem com a natureza se fez de forma harmônica e toda a
vida social integrava e incorporava o tempo da natureza.
Em tempos de destruição avassaladora do meio ambiente, do consumismo desenfreado, da propagação da fome e dos bolsões de miséria, é salutar repensarmos nossos valores culturais. “Civilização” não é um estágio "superior" e nem “primitivo” é sinônimo de "atrasado". Não há melhor nem pior. Apenas existem respostas diferentes das sociedades a seus respectivos problemas.
Em tempos de destruição avassaladora do meio ambiente, do consumismo desenfreado, da propagação da fome e dos bolsões de miséria, é salutar repensarmos nossos valores culturais. “Civilização” não é um estágio "superior" e nem “primitivo” é sinônimo de "atrasado". Não há melhor nem pior. Apenas existem respostas diferentes das sociedades a seus respectivos problemas.
MAURER JUNIOR, Orides. Ecos do
tempo: uma viagem pela história. Joinville: Letradágua, 2015. p. 33-35.
© 2015 by Orides Maurer Jr.
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