"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

O Dragão vermelho do Apocalipse

“A humanidade é uma. As civilizações, muitas”.
(Franz Boas)


A imprensa mundial – e brasileira, em particular – noticia diariamente temáticas relacionadas ao fundamentalismo religioso. Discute-se e demoniza-se os seguidores do Islã. No entanto, não discutimos o fundamentalismo cristão ocidental. Nem o brasileiro, seja ele nas vertentes católica ou evangélica – pentecostal e/ou neopentecostal.

Aqui no Brasil demoniza-se as religiões de matriz afro-indígena, o movimento LGBTT, as festas e tradições culturais populares como o terno de reis, a congada, o maracatu, o bumba-meu-boi e tantas outras manifestações que fazem parte de um rico legado cultural da identidade do povo brasileiro.

Importadas dos Estados Unidos, as igrejas evangélicas, de viés branco, anglo-saxão, acabam tendo seus dogmas “engolidos”, não questionados, interpretados ao pé da letra e de acordo com os interesses de grupos que se colocam como os únicos conhecedores das verdades reveladas, não respeitando outras religiões, particularmente as de matriz afro-indígenas americanas. 

Aqui, em terras tupiniquins, nos deparamos com que o há de mais retrógrado em termos de fundamentalismo religioso atuante não só em numerosas igrejas de denominações evangélicas que se multiplicam assustadoramente a cada dia, quanto na atuação desses líderes em redes de rádio e TV como no âmbito político.

Nas últimas eleições – em todos os níveis – vemos aumentar, paulatinamente, o número de representantes dessas igrejas. A atual composição do Congresso Nacional é extremamente  conservadora e fundamentalista. Pautas retrógradas, medievais, colocam nosso país fora dos eixos civilizatórios da contemporaneidade.

Temas como a redução da menoridade penal, o conceito de família restrito à união de um homem e uma mulher, pena para professores que abordem temáticas de cunho "ideológico", são exemplos de retrocesso cultural. Em primeiro lugar não há discurso sem ideologia. Não falar em ideologia é ser ideológico. E quem propaga ser contra tem ideologia. Ideologia que quer ser preponderante, única, verdadeira, colocada goela abaixo de toda uma sociedade. 

Nosso Estado é, segundo a Constituição de 1988, laico. Portanto, laica devem ser todas as instituições. E os professores de nossas escolas públicas brasileiras não podem ser tolhidos de realizar seu trabalho. Como professores de História, Filosofia e Sociologia, por exemplo, abordariam temáticas relacionadas as suas áreas sem trabalhar conceitos pertinentes à sua ciência? Querer transformar o ensino público em púlpito co-adjuvante de fundamentalismos religiosos intolerantes é colocar o Brasil em retrocesso milenar. É retornar ao período das trevas medievais da inquisição. É trazer de volta às praças públicas as fogueiras onde se queimavam os chamados hereges, as bruxas, os sodomitas, os pagãos, os judeus, os muçulmanos... E é claríssimo o discurso intolerante da chamada bancada evangélica no Parlamento.

Está mais do que na hora de toda a sociedade brasileira instruída a dar um basta a essa intolerância. É hora de todos os profissionais comprometidos com a educação pública de qualidade, compactuantes da democracia e da liberdade de pensamento e expressão irem às ruas e manifestarem seu repúdio ao retrocesso político que estamos vivendo. O Estado laico é a garantia de todas as liberdades, inclusive a religiosa. 

E é somente através de uma educação pluricultural, voltada à diversidade, aos legados das civilizações, ao humanismo, ao respeito por todos os povos e suas culturas que teremos uma sociedade tolerante, pacífica, harmoniosa. O contrário é as trevas. Já temos o exemplo do atual congresso. Oxalá não se repita nas eleições de 2016 – Legislativos e Executivos municipais – a ascensão de falsos profetas fundamentalistas cristãos. Ou seja, o próprio "dragão vermelho do Apocalipse".


MAURER JUNIOR, Orides. Ecos do tempo: uma viagem pela história. Joinville: Letradágua, 2015. p. 63-64.

Orides Maurer Jr. é historiador e autor do blog ϟ●• História e Sociedade •●ϟ

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