"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

Passado Presente: a herança cultural das antigas civilizações

Teu Cristo é judeu; teu carro, japonês; tua pizza, italiana; tua democracia, grega; teu café, brasileiro; tuas férias são turcas; teus números, árabes; teu alfabeto é latino. E teu vizinho é tão somente estrangeiro?
[De um outdoor afixado no centro da cidade de Frankfurt, na Alemanha, no início dos anos 90, denunciando o racismo e a discriminação contra os estrangeiros naquele país]


O processo civilizatório consiste na acumulação de experiências transmitidas geração após geração e são continuamente enriquecidas através de interações e intercâmbios culturais. Muitas das experiências dos povos antigos sofreram tantas modificações que nem percebemos a sua gênese.

Do Egito faraônico chegaram técnicas de irrigação, princípios científicos de medicina, princípios de arquitetura, sistema de numeração decimal, calendário, relógio de sol, escrita, papel (papiro), pão com fermento, forno de assar, maquiagem, cadeira de quatro pés, vidro, cereais como o trigo, a fabricação da cerveja e do vinho, jogos de tabuleiro e obras como a Canção do harpista e o Discurso do camponês eloquente.

Do Oriente Próximo vieram princípios de Direito (Código de Hamurábi), sistema de pesos e medidas, horóscopo, sistema de numeração sexagesimal, princípios de Astronomia, roda (Mesopotâmia); princípios de organização administrativa, aperfeiçoamento da cavalaria como arma de guerra, organização de um sistema de correio (Pérsia); monoteísmo, Judaísmo (Israel); invenção do alfabeto, técnicas de navegação, técnicas comerciais, pintura de tecidos, técnica de produção do vidro transparente (Fenícia); cunhagem de moedas (Lídia); carros de guerra puxados por cavalos (Hicsos).

Herdamos das civilizações milenares da Ásia Oriental o Budismo, o Hinduísmo, os algarismos “arábicos”, a  extração da raiz quadrada e cúbica, epopeias como o Mahabarata e o Ramayana, a invenção do zero, especiarias (Índia); a fabricação do papel, a seda, o relógio hidráulico, o tubo de mira para observação do céu, a fabricação da pólvora, o carrinho de mão, o guarda-sol, o vaso sanitário, o pincel, cereais como o arroz, o Confucionismo, o Taoísmo (China).

Os gregos transmitiram à posteridade um riquíssimo legado: a Filosofia (Platão, Aristóteles), o Teatro (Sófocles, Eurípides), a Democracia, a História (Heródoto, Tucídides), o Humanismo, a Poesia lírica (Safo, Alceu), os Jogos Olímpicos, a Mitologia, epopeias como a Ilíada e a Odisseia (Homero); os cretenses nos deixaram o gosto pelo conforto, o individualismo, o amor pelos divertimentos.

O Latim, língua oficial do Império Romano, deu origem a inúmeros idiomas atuais (Português, Espanhol, Francês, Italiano) e influenciou notavelmente o Inglês. Os algarismos romanos, o Direito, instituições políticas e administrativas, obras como a Eneida (Virgílio) e o Cristianismo foram contribuições importantíssimas que os romanos transmitiram à posteridade.

A Europa medieval nos brindou com a roupa de baixo, as calças compridas, o relógio mecânico, o garfo e a colher, os óculos, as universidades, os bancos, o relógio de parede, a camisa com botões, o cinto com fivela, o espelho de vidro, a sidra, cereais como o centeio, o carnaval, os estilos românico e gótico, os vitrais em janelas, as iluminuras, o aperfeiçoamento de técnicas (atrelagem de animais, moinho de vento, leme), o baralho, o tarô, o xadrez; os Vikings nos deixaram a literatura das Sagas.

Da fusão de elementos culturais greco-romanos e orientais, Bizâncio criou uma civilização cuja influência se projetou sobre a Europa medieval. Bizâncio preservou, nas bibliotecas de seus palácios e mosteiros, numerosos manuscritos da Antiguidade Clássica, possibilitando sua transmissão para a Itália renascentista.  Bizâncio também teve uma influência considerável sobre a Europa oriental de religião ortodoxa.

Os árabes - intermediários entre o Oriente e o Ocidente - propagaram mercadorias, culturas e técnicas por todo o mundo conhecido da época: os algarismos arábicos (hindus), a pólvora, a bússola, a arte de fabricar papel, tijolo, o astrolábio, processos químicos, plantas (pêssego, ameixas de Damasco, alface, salsa, berinjela, cana-de-açúcar) e contos como As mil e uma noites.

A América indígena deu ao mundo novos aromas e sabores com uma riquíssima variedade de plantas, como a batata, o amendoim, o milho, a abóbora, o pimentão, o feijão, a mandioca, o  abacaxi, o mamão, o caju, o tomate, o cacau, a baunilha, a borracha, a quinina, o tabaco; a rede de dormir; a canoa; técnicas de irrigação; técnica da coivara; cultura em terraços; manifestações folclóricas; a literatura maia do Livro de Chilán Balám.

A África negra forneceu o ouro para a Europa medieval, a africanização do Islamismo, cereais como o sorgo, os fósseis, a pintura rupestre, as tradições orais transmitidas pelos griots, a sociedade sem Estado,  os candomblés, a capoeira, instrumentos musicais (agogô, atabaque, tamborim) e ritmos da música contemporânea dos afro-americanos para o mundo (o samba, a salsa, a rumba, o calipso, o blues, o jazz).

O riquíssimo legado das civilizações antigas e medievais da África, Ásia, Europa  e América tem conexões com o nosso cotidiano. São permanências e tradições vivas num mundo globalizado.


MAURER JUNIOR, Orides. Ecos do tempo: uma viagem pela história. Joinville: Letradágua, 2015. p. 29-31.

Orides Maurer Jr. é historiador e autor do blog ϟ●• História e Sociedade •●ϟ

© 2015 by Orides Maurer Jr.

Nenhum comentário:

Postar um comentário