Judeus ultrajam Cristo. Kremsmünster, séc. XIV
Em suas relações com heréticos, pagãos e muçulmanos, os cristãos medievais demonstraram uma atitude hostil e tacanha, que ia de encontro à mensagem evangélica de que todos os seres humanos são filhos de Deus e de que Cristo sofreu por toda a humanidade. Os muçulmanos eram considerados, nas palavras do papa Urbano II, como uma "raça vil", "infiéis" e "inimigos de Deus".
Os cristãos medievais também manifestavam ódio aos judeus - sem dúvida nenhuma um grupo estrangeiro naquela sociedade dominada pela visão de mundo cristã. Em 1096, bandos de cruzados massacraram judeus em cidades da França e Germânia. Em 1290, os judeus foram expulsos da Inglaterra; e em 1306, da França. Entre 1290 e 1293, expulsões, massacres e conversões forçadas quase ocasionaram a extinção da comunidade judaica do sul da Itália, que ali vivia há séculos. Na Germânia, tumultos selvagens levaram, de tempos em tempos, à tortura e assassinato de judeus.
Vários fatores contribuíram para fomentar o anti-semitismo durante a Idade Média. Para os cristãos desse período, a recusa dos judeus em abraçar o cristianismo era um ato perverso, principalmente porque a Igreja ensinava que a vinda de Cristo havia sido profetizada pelo Velho Testamento. Esse preconceito estava relacionado com o relato da crucificação contido nos Evangelhos. Na mente dos cristãos medievais, o crime de deicídio - o assassinato de Deus - maculara para sempre o povo judeu. As chamas do ódio eram atiçadas pela alegação absurda de que os judeus, ao derramarem o sangue de Cristo, haviam se tornado sedentos de sangue, torturando e matando cristãos, sobretudo crianças, a fim de obterem sangue para seus rituais. Essa difamação difundiu-se amplamente e foi a causa de inúmeras violências praticadas contra os judeus, embora os papas considerassem a acusação sem fundamento.
Uma outra razão da animosidade contra os judeus era o fato de que eles emprestavam dinheiro a juros. Cada vez mais excluídos do comércio internacional e da maioria das profissões, impedidos de ingressar nas guildas e, em algumas regiões, de possuir terras, os judeus encontraram nessa atividade um meio de sobrevivência - praticamente proibido aos cristãos, suscitou o ódio de camponeses, clérigos, senhores e reis que recorriam ao dinheiro dos judeus.
A política da Igreja com respeito aos judeus era de que não deveriam ser prejudicados, mas mereciam viver em humilhação - uma punição justa pelo deicídio e por sua persistente recusa em adotar o cristianismo. Assim, o IV Concílio de Latrão proibiu os judeus de ocuparem cargos públicos, exigiu que usassem um distintivo na roupa para serem identificados e ordenou-lhes que não saíssem às ruas durante as festividades cristãs. A arte, literatura e educação religiosa cristãs retratavam os judeus de maneira depreciativa, associando-os com frequência ao Demônio, que para os cristãos medievais era muito real e aterrados. Os judeus não eram considerados dignos de misericórdia e, de fato, nada do que lhes acontecesse era demasiado ruim. Profundamente gravada nas mentes e corações dos cristãos, a imagem distorcida dos judeus como criaturas desprezíveis perdurou na mentalidade europeia até o século XX.
A despeito de sua posição desfavorável, os judeus medievais conservaram sua fé, expandiram sua tradição de erudição bíblica e jurídica e produziram uma prolífica literatura. O trabalho de tradutores, médicos e filósofos judeus contribuiu significativamente para o florescimento cultural no apogeu da Idade Média.
O mais destacado erudito judeu desse período foi Moisés Ben Maimón (1135-1204), chamado pelos gregos de Maimônides. Nasceu em Córdoba, Espanha, sob domínio muçulmano. Depois que sua família deixou a Espanha, Maimônides foi para o Egito, onde se tornou médico do sultão. Durante sua vida, notabilizou-se como filósofo, teólogo, matemático e médico. Foi reconhecido como o mais proeminente sábio judeu da época, e seus escritos eram respeitados inclusive por cristãos e muçulmanos. Maimônides buscou harmonizar a fé com a razão, conciliar as Escrituras hebraicas e o Talmude (comentário bíblico judeu) com a filosofia grega. Suas obras sobre temas éticos revelam piedade, sabedoria e humanidade.
PERRY, Marvin. Civilização Ocidental: uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 181-182.
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