Lampião e Maria Bonita, c. 1936/1937.
Fotógrafo: Benjamin Abrahão Botto
"O bandido social é, em geral, membro de uma sociedade rural e, por razões várias, encarado como proscrito ou criminoso pelo Estado e pelos grandes proprietários. Apesar disso, continua a fazer parte da sociedade camponesa de que é originário e é considerado herói por sua gente, seja ele um justiceiro, um vingador ou alguém que rouba dos ricos".
(Carlos Alberto Dória)
Anúncio de jornal do governo da Bahia oferecendo recompensa pela captura de Lampião, 1930.
[O cangaço] O cangaço é o
fenômeno de formação de bandos de sertanejos que assolaram o sertão nordestino
e viveram escondidos pela caatinga, roubando, matando e fugindo. Alguns desses
bandos tornaram-se tão organizados e poderosos que chegaram a assustar não só
os ricos da região como também o governo (...)
Cangaceiros, Carybé
(...) Os bandos de cangaceiros começaram a se destacar ainda no Império, durante o governo de D. Pedro II (1840-1889), quando os conflitos entre as famílias pertencentes a partidos políticos que disputavam o poder se transformaram em longas lutas. Essas lutas entre famílias, chamadas de vendetas, estavam diretamente relacionadas à posse das terras, pois disputavam-se os melhores pastos e os terrenos que tivessem água, fundamental nesta zona de seca. Um grande proprietário era aquele que possuía não apenas maior quantidade de terra, mas, principalmente, terras de melhor qualidade, irrigadas naturalmente, pois para esta sociedade a terra significava poder.
Contudo, foi somente no inicio do século XX, quando as lutas das famílias pelo poder continuavam e a situação política nacional favorecia essas disputas locais, que se observou a formação dos bandos mais importantes e organizados, como os de Antônio Silvino e Lampião. Percebe-se, nesse momento, o aumento dos conflitos, na tentativa de fazer crescer a autoridade de cada chefe local, os “coronéis”, que eram um dos grupos característicos dessa sociedade sertaneja na virada do século XIX para o XX (...). ROITMAN, Valter. Cangaceiros – Crime e aventura no sertão. São Paulo: FTD, 1997.
Indumentária dos cangaceiros
[Os cangaceiros] Virgulino Ferreira da Silva, Lampião, foi chefe do mais famoso e duradouro bando de cangaceiros. [...]
Muitos ingressavam no cangaço por estar desempregados ou mesmo passando fome. Faziam dele um meio de vida. Outros, por não se submeter mais aos trabalhos penosos das fazendas, passaram a viver de assaltos aos senhores de terras, pilhagens de armazéns, sequestros de pessoas ricas e opressoras. Rebelavam-se contra uma ordem social injusta e opressiva, buscando a justiça pelas próprias mãos.
Na literatura de cordel, o povo cantava as histórias do cangaço, depositando nele suas esperanças de um mundo melhor.
"Pra havê paz no sertão
E a gente pudê drumi
Cumê, bebê e vesti
Pulas festa vadiá
Sem nunca se atrapaiá
É perciso Lampião
Fazê do seu bataião
a Polícia Militá."
O cangaço era um movimento independente. Consciente ou não, o cangaceiro rebelava-se contra os latifundiários, os poderosos. Diferia dos capangas - os jagunços - que eram assalariados do crime, lutando a serviço dos coronéis que pagassem mais.
O tamanho dos bandos variava de acordo com a época (aumentando nos períodos de seca e de fome) ou segundo o prestígio do líder. O bando de Lampião, o Rei do Cangaço, foi o maior de todos, chegando a ter, em algumas épocas, 100 homens. Durante 20 anos, 1918 a 1938, ele percorreu todo o Nordeste. Atacava de preferência os grandes proprietários, dos quais exigia dinheiro, alimentos e às vezes abrigo contra a polícia. Em troca, prometia que o latifundiário não seria molestado, nem mesmo por outros bandos.
Entre os líderes do cangaço, contam-se ainda Antônio Silvino, que dominou o sertão nordestino de 1896 a 1914, Calango, Moçoró e Corisco, sendo que os dois últimos aderiram ao bando de Lampião.
Em quase todos os bandos, as mulheres participavam em pé de igualdade com os homens: Maria Bonita, mulher de Lampião; Enedina, que morreu em combate ao lado de Maria Bonita; Inacinha, companheira de Gato; Sebastiana, mulher de Moita Brava; Dadá, companheira de Corisco.
Dadá e Corisco, 1938.
Fotógrafo: Benjamin Abrahão Botto
Como fenômeno social, o cangaço foi uma manifestação da revolta não-organizada em termos políticos dos oprimidos contra os opressores. Por isso, conquistava a simpatia da população pobre.
"Pra havê paz no sertão
E as moças pudê prosá
E os rapaz pudê casá
E o povo pudê se ri
E os menino diverti
É preciso uma inleição
Pra fazê de Lampião
Gunvernador do Brasil."
ALENCAR, Chico et al. História da sociedade brasileira. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1994.
Cangaceiros, Carybé
[O cangaço na literatura de cordel] A literatura de cordel — tipo de literatura popular presente no mundo inteiro, através de cantorias, improvisos, desafios: os poetas populares dizem suas mágoas, alegrias, esperanças e desespero de cada dia — cantou inúmeras vezes os feitos de Lampião, o Rei do Cangaço, pois seu bando era apenas um dos que perambulavam pelo sertão. Leia o que se cantou e contou sobre Lampião.
"Canção do cangaceiro"
Adeus, adeus, minha mãe
Me dê sua benção.
Vou acertá minha vida
No grupo de Lampião.
[...]
Querendo andá no cangaço,
Inté sou bom cangaceiro,
Que isso de matá gente
É o serviço mais maneiro.
[...]
Se o cabra não tem corage,
Que mude de profissão,
Vai prô cabo da enxada
Aprantá fava e argudão.
ROCHA, Melquíades da. Bandoleiros das caatingas. In: Coletânea de documentos históricos para o 1º grau. São Paulo: SE/Cenp, 1980.
O bando de Lampião, ca. 1936/1937.
Fotógrafo: Benjamin Abrahão Botto
"Os cabras de Lampião"
O Clementino Furtado,
fazendeiro do sertão,
sentou praça na polícia
para pegar Lampião
recebeu logo as divisas
de sargento, o valentão.
O sargento um certo dia
deitou a mão num coiteiro
ameaçando matá-lo
na boca do granadeiro
para que ele revelasse
onde estava o cangaceiro.
[...]
O sargento fez o cerco,
preparou os seus soldados,
depois mandou chover balas,
quase por todos os lados,
os cabras surpreendidos
acordaram atordoados.
[...]
O fuzil de Lampião
na luta não tinha falha,
da boca saía fogo
parecendo uma fornalha
ou uma metralhadora
descarregando a metralha.
[...]
Durava já duas horas
essa luta sem cessar,
Lampião foi dar um salto
mas no pulo deu azar
pois recebeu uma bala
no esquerdo calcanhar.
[...]
Alguns meses Lampião
tratando o seu calcanhar,
na serra de Baixa Verde,
com o grupo a descansar
perto da Vila de Patos
pôde se recuperar.
Corria até a notícia
que ele havia morrido
enquanto isso saía
com um grupo decidido
a atacar, encontrando
o povo desprevenido.
Manoel D’Almeida Filho
Referências:
ALENCAR, Chico et al. História da sociedade brasileira. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1994.
MEYER, Marlyse. Autores de cordel: literatura comentada. São Paulo: Abril, 1980.
ROCHA, Melquíades da. Bandoleiros das caatingas. In: Coletânea de documentos históricos para o 1º grau. São Paulo: SE/Cenp, 1980.
ROITMAN, Valter. Cangaceiros – Crime e aventura no sertão. São Paulo: FTD, 1997.
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