Nenhum destes episódios, nem outros que se sucederam durante
os onze anos que durou a epopeia de Alexandre, conseguiram separar aqueles dois
homens que tinham crescido e brincado juntos no palácio real da Macedônia.
Heféstion continuou sempre a acompanhar o seu amigo, foi padrinho do casamento
com Roxana, aconselhou-o o melhor que pôde e participou nas gloriosas batalhas,
mas sempre vigiado por um chefe mais capaz. Esta posição de privilégio provocou
muitas vezes a inveja e o ressentimento de pessoas próximas de Alexandre, como
era o caso do excelente general Crátero, com quem Heféstion partilhou funções
sem nunca chegarem ao entendimento. De acordo com algumas fontes, a diferença
consistia em que Crátero
era um philobasileus, ou seja, amante do rei e Heféstion um philoalexandrus, ou
seja, amante de Alexandre.
Pouco depois, Alexandre nomeou o seu amigo como vizir, alto
cargo dos reinos persas que equivalia a algo como primeiro-ministro. Seguindo a
tradição da corte aquemênida, Heféstion passou a usar, a partir daquele dia, o
báculo engastado de pedras preciosas para admiração da soldadesca e inveja do
secretário imperial, Êumenes, cuja birra de zelo teve de ser firmemente
reprimida por Magno.
Heféstion e Alexandre cavalgaram juntos, pela última vez, no
Verão de 324, num passeio pacífico pelo Elão e pelo Sul da Babilônia para
explorar os grandes rios da Mesopotâmia. O itinerário terminou em Ecbátana,
capital da satrapia de Média. O sátrapa Atropates ofereceu aos ilustres
visitantes um colossal banquete de boas-vindas, em consequência do qual
Heféstion ficou gravemente doente. O vizir das argolas de ouro morreu em
Outubro desse ano, proporcionando a inconsolável imagem de Alexandre e
Dripetis, que choraram abraçados a sua perda. Êumenes, que procurava agradar ao
imperador, propôs que o malogrado herói macedônio fosse homenageado como um
deus (deve-se dizer que os Gregos nunca tiveram muito clara a ténue linha que
separa os homens dos deuses). Comivido, Alexandre aceitou a ideia - quem sabe
também a pensar na sua divinização - e Heféstion recebeu as honras sagradas bum
funeral solene na Babilônia, até ao seu sumptuoso túmulo protegido por um
enorme leão de pedra. O cadáver foi colocado no sarcófago, com o seu precioso
báculo e os seus brincos de ouro e o cargo de vizir jamais voltou a ser ocupado
por ordem de Alexandre.
A morte de Heféstion provocou mudanças no carácter de
Alexandre, acentuando os seus devaneios de melómano e a sua instabilidade
emocional. Comparou-se publicamente a Dioniso e a Héracles e exigiu aos seus
vassalos o reconhecimento de sua divindade. [...]
"Plutarco escreveu que Alexandre tinha declarado uma
vez que, sem Heféstion, nunca teria sido nada, E é verdade. Heféstion era um
guerreiro competente, mas carecia do brilho de outros generais como Parménion
ou Crátero. Apesar de tudo, ele estava mais próximo do coração do rei, o que
tornou a sua vida difícil: todos os oficiais da corte o invejavam, E isso fez
dele um homem solitário e completamente dependente do soberano. Por outro lado,
Alexandre podia confiar totalmente em Heféstion." (Jona Lendering.
Hephastion)
O imperador adoptou a austeridade espartana e nesse mesmo
Inverno dirigiu ferozes expedições de castigo contra os rebeldes das montanhas
de Luristão. Depois exigiu que todos os reinos, cidades e satrapias do seu
império enviassem embaixadores a prestar-lhe vassalagem como divindade.
Continuou a enviar tropas de reconhecimento com o objectivo de continuar a
expandir o seu império até a Índia e a outras regiões do Oriente. Para
estimular os seus generais e cortesãos, em Junho de 323, ofereceu um prolongado
e esplêndido banquete na Babilônia, na sequência do qual ficou muito doente com
um presumível delirium tremens alcoólico. Faleceu no dia 13 daquele mês, depois
de dez dias de agonia profunda, aos trinta e três anos de idade e doze do
glorioso reinado.
É interessante assinalar que, como só sucede em casamentos
duradouros, Alexandre não sobreviveu muito tempo a Heféstion. Morreu oito meses
mais tarde, de uma causa semelhante e em condições muito análogas às do
companheiro de toda a sua vida. E se bem que Heféstion não teria sido ninguém
sem ele, também é provável que, sem o afecto e a lealdade de Heféstion,
Alexandre tivesse sido menos Magno.
TOURNIER, Paul. Os Gays na História. Lisboa: Estampa, 2006.
p. 49-52.
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