Ambos os amigos já tinham passado dos vinte anos, o que,
segundo os costumes gregos, extinguia a licença para brincar com o mesmo sexo.
Estava na hora de assentar e procurar esposa. Alexandre, para ganhar tempo,
ligou-se a uma amante persa chamada Bactrina. Heféstion passou discretamente a
segundo plano não só na alcova do amigo, mas também pelas inócuas tarefas
diplomáticas que este lhe atribuiu para o manter afastado.
Alguns autores registram um eventual ressentimento de
Heféstion por essa indiferença do seu chefe e amante, que o teria levado a
protagonizar um acto suspeito de deslealdade. O seu erro consistiu em receber
um enviado de Demóstenes quando Alexandre se encontrava no Egipto. O político
ateniense, entre outros assuntos, era um declarado inimigo de Alexandre e forte
crítico do imperialismo macedônio, que provavelmente estava ao corrente do
afastamento de Heféstion. A sua intenção não podia ser outra senão convencê-lo
a revoltar-se contra Alexandre, obedecendo a um plano que Demóstenes urdia com
outros chefes descontentes. Pelo menos foi o que disse mais tarde o mensageiro,
embora não exista qualquer registro de que Heféstion tivesse aceitado juntar-se
à conspiração, nem de que Demóstenes estivesse envolvido com a verdadeira
conspiração que aconteceu em 330
a .C.
Nesse ano, um grupo de oficiais revoltou-se, mas foi
rapidamente reprimido pelos chefes leais a Alexandre. Contudo, dois chefes das
falanges da infantaria, Crátero e Ceno, acusaram Filotas, comandante-geral da
cavalaria, de conhecer as intenções dos rebeldes e de não o ter revelado ao
imperador. Numa primeira fase, Alexandre não deu importância ao assunto, mas
Heféstion uniu-se aos denunciantes para exigir que o acusado fosse interrogado
sob tortura. E Alexandre, que não quis infligir nova humilhação ao seu velho
amigo, aceitou contrariado essa exigência. O tal Filotas, filho de outro
brilhante general macedônio chamado Parmênion, era o comandante mais aguerrido
e a sua cavalaria tivera um papel decisivo nos combates que proporcionaram a
glória e o poder a Alexandre. Não era de estranhar, por isso, que os dois
comandantes de infantaria e um amante desprezado o quisessem ver humilhado,
torturado e, se possível, condenado à morte.
Os cronistas não descrevem o tipo de tortura a que foi
submetido Filotas, mas o pobre homem acabou por confessar que ele e o seu pai
tinham organizado a revolta para ocupar o trono e o comando supremo, no lugar
do imperador. O tribunal militar montado por Alexandre sentenciou a execução
imediata do réu e Parmênion foi também assassinado após a sua captura pelos
homens enviados para o perseguir. Independentemente da verdade desta história,
o imperador decidiu que era melhor não alimentar as ambições dos seus
subordinados com demasiado poder. E, por via das dúvidas, dividiu a prestigiosa
cavalaria em duas partes. Uma ficou sobre o comando do eficiente general Clito
e entregou a outra como prêmio a Heféstion, totalmente inexperiente no comando
deste tipo de tropa.
Durante os três anos seguintes, batalhou-se pela conquista
da Bactriana e da Sogdiana, onde os cavaleiros desempenharam um papel
fundamental. Os correspondentes de guerra da época elogiam Clito repetidamente,
mas não citam Heféstion uma única vez. Segundo parece, porque Alexandre, que
nunca confiou nas aptidões guerreiras do seu amigo, entregou a outro chefe o
comando efectivo dos combatentes cavaleiros. E, por fim, a sorte favoreceu
Heféstion, porque durante um festim o imperador matou Clito sem qualquer motivo
numa discussão de bêbados e ele acabou por comandar a cavalaria.
TOURNIER, Paul. Os Gays na História. Lisboa: Estampa, 2006.
p. 47-8.
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