Parte 2: A rainha dissoluta e o seu marido gay
Retrato do rei Francisco de Bourbon, rei consorte de Espanha por seu matrimônio com a rainha Isabel II de Espanha. Artista desconhecido
A cerimônia nupcial celebrou-se com grande pompa e
circunstância no dia 10 de Outubro de 1846, com Francisco de Assis adornado e
enfeitado com as suas melhores vestes e a rainha resplandecendo, vaidosa, nos
seus corpulentos dezasseis anos acabados de completar, ambos com um ar de
resignação no olhar húmido. O povo de Madrid celebrou como convinha o primeiro
casamento de uma rainha desde o de Isabel com Fernando, em 1496, que, para
cúmulo, se tinha celebrado em
segredo. Nessa noite, depois de terminados os festejos,
ouvia-se pelas ruas uma cantoria desafinada e jocosa que descrevia assim o
casal real: "Isabelona, tão frescalhona e dom Paquito, tão
'mariquito'".
Dentro do palácio, os protagonistas confirmavam a cançoneta.
Francisco de Assis apresentou-se na alcova real com uma camisa tão carregada de
bordados e rendas, que provocou o sarcástico comentário que abre a Parte 1. A noite não deu para muito
mais e, na manhã seguinte, saíram ambos com forçados sorrisos de circunstância.
O passar das semanas, que se transformou em meses, não trouxe qualquer novidade
ao ventre da rainha e pela corte começou a correr o rumor que Francisco, para
além das suas particulares tendências, também era impotente. Uma criada de
quarto ventilou a confidência de o real esposo não ter força no seu... e que o
tinha visto a urinar sentado na sanita. O engenho popular não tardou a inventar
uma nova rima a esse respeito:
"Paquito adocicado,
De creme parece ser;
Até urina sentado
Tal como uma mulher..."
Apesar de continuar a enfeitar-se, Francisco de Assis tentou
manter uma atitude prudente e formal no desempenho do papel de marido real.
Também é provável que, de vez em quando, tentasse uma cópula, cujo fruto teria
contentado a corte, o povo e talvez a própria interessada. Mas Isabel não tinha
nascido para piloto de ensaios e as suas hormonas, em pleno desenvolvimento,
pediam-lhe outro tipo de guerra. Lançou-se numa vida cada vez mais libertina,
oferecendo o seu corpo adolescente e robusto às alegrias que não encontrava com
Francisco. Talvez ele tivesse suportado com alívio esta situação se a rainha
tivesse mantido a compostura em público. Contudo , Isabel não só não dissimulava a
sua conduta adúltera, como também se permitia censurar o marido, gozando com os
seus cornos, a sua impotência e os seus gostos afectados.
Alguns meses depois do casamento, Isabel II tomou por amante
o general Francisco Serrano, duque da Torre, ministro da Guerra e herói da
guerra carlista. Numa recepção do palácio, Serrano soltou um comentário
ofensivo sobre a situação conjugal de Francisco, que não perdoou a Isabel tê-lo
aplaudido ruidosamente. A partir deste incidente, quebrou-se a trégua entre
ambos, que passaram a ocupar quartos separados. A rainha aproveitou a ocasião
para aumentar escandalosamente a lista de amantes, incluindo o seu professor de
canto, o compositor de zarzuelas Emilio Arrieta; o sedutor profissional Emilio
Marfiori, a quem nomeou conselheiro do reino e ministro do Ultramar; o
aristocrático duque de Bedmar e, entre muitos outros, o oficial de engenharia
catalão Puig i Moltó, presumível pai de Afonso XII.
A conduta libertina de Isabel trouxe-lhe inevitavelmente
problemas com o Vaticano, que chegou a ameaçá-la veladamente com a excomunhão.
O assunto sanou-se graças aos bons ofícios do padre Antonio María Claret,
confessor da rainha e futuro santo, que utilizou toda a sua influência junto de
Pio IX. Isabel prometeu emendar-se e
devolveu à Igreja uma série de propriedades e prerrogativas perdidas com os
governos liberais. A Santa Sé estabeleceu uma concordata com Espanha, em 1851,
e diz-se que, quando um cardeal recordou ao pontífice a fama da rainha, este
concordou sorridente e suspirou enquanto assinava. "Si, puttana; má
pia".
TOURNIER, Paul. Os Gays na História. Lisboa: Estampa, 2006.
p. 208-9.
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