"Sabendo como minha mãe se exaltava facilmente e que
seu primeiro impulso era sempre muito violento, temi que ela me desse um tapa
se eu discordasse dela. Sem querer mentir para ela nem ofender o grão-duque,
fiquei calada. Contudo, acabei dizendo a minha mãe que eu não achava que o
grão-duque tinha feito de propósito."
Joana então se voltou contra Catarina.
Quando minha mãe estava com raiva, tinha de achar alguém com
quem brigar. Permaneci em silêncio e depois explodi em lágrimas. A princípio,
meu silêncio enraiveceu a ambos. Então o grão-duque, vendo que toda a raiva de
minha mãe se dirigiu para mim porque eu tinha tomado o partido dele e que eu
estava chorando, acusou minha mãe de ser uma megera arrogante e injusta. Ela
contra-atacou, dizendo que ele era "um menininho mal-educado". Seria
impossível brigar com mais violência sem chegar aos tapas.
A partir de então, o grão-duque tomou grande antipatia por minha
mãe e nunca esqueceu aquela briga. Minha mãe, por sua vez, guardou por ele um
irremediável rancor. Aquele relacionamento tenso se tornou cada vez mais cheio
de amargor e suspeita, passível de azedar a qualquer momento. Nenhum dos dois
conseguia esconder de mim seus sentimentos. E por mais que me esforçasse para
obedecer a uma e agradar ao outro - e de algum modo promover a reconciliação -,
conseguia isso apenas por curtos períodos. Cada um tinha sempre uma farpa de
sarcasmo ou malícia pronta a ser arremessada. Minha posição ficava mais difícil
a cada dia.
Catarina estava angustiada, mas o mau gênio da mãe e a
simpatia de catarina pelo grão-duque surtiram um efeito: "Na verdade,
naquela época, o grão-duque abriu seu coração para mim mais que para qualquer
outra pessoa. Ele via que minha mãe sempre me atacava e me repreendia quando
não conseguia encontrar alguma falta nele. Isso me colocou numa alta posição em
sua estima; ele acreditava poder confiar em mim."
No clímax da peregrinação, a imperatriz e a corte passaram
dez dias em Kiev. catarina teve uma visão inicial panorâmica da magnífica
cidade, com seus domos dourados se erguendo de uma encosta na margem oeste do
rio Dnieper. Elizabeth, Pedro e Catarina entraram a pé na cidade, andando com
uma multidão de padres e monges atrás de uma grande cruz. Em toda parte da mais
sagrada de todas as cidades russas, numa época em que a Igreja era imensamente
rica e o povo devotamente piedoso, a imperatriz foi recebida com uma pompa
extravagante. Na famosa igreja de Assunção no monastério Pecharsky, Catarina
ficou admirada com o fausto das procissões, a beleza das cerimônias religiosas,
o incomparável esplendor das próprias igrejas. "Nunca, em toda a minha
vida", ela escreveu mais tarde, "algo me deixou tão impressionada
quanto a extraordinária magnificência daquela igreja. Todos os ícones eram
recobertos de ouro maciço, prata, pérolas e incrustados de pedras
preciosas."
Embora tão impressionada por esse espetáculo visual, nunca
em sua vida Catarina foi muito devotada à religião. Nem a austera crença
luterana de seu pai, nem a apaixonada fé ortodoxa da imperatriz Elizabeth
jamais tomaram posse de sua mente. O que ela via e admirava na igreja russa era
a majestade da arquitetura, da arte e da música, mescladas numa esplêndida
unidade de inspirada - embora feita pela mão do homem - beleza.
Tão logo Elizabeth e a corte retornassem de Kiev, começou
nova temporada de óperas, festas e bailes de máscaras em Moscou. Cada noite
Catarina aparecia com um vestido novo e lhe diziam que estava muito bonita. Ela
era astuta o bastante para reconhecer que a lisonja era o óleo lubrificante da
vida na corte, e estava também ciente de que algumas pessoas ainda a
desaprovavam. Bestuzhev e seus seguidores, damas ciumentas que invejavam a estrela
em ascensão, parasitas que mantinham minuciosa contabilidade da distribuição de
favores. Catarina tentava de todas as maneiras desarmar seus críticos. "Eu
tinha medo de não ser querida e fazia tudo em meu poder para conquistar aqueles
com quem iria passar minha vida", ela escreveu mais tarde. Acima de tudo,
ela nunca esqueceu a quem devia maior lealdade. "Meu respeito pela
imperatriz e minha gratidão a ela eram extremos", ela disse. "E ela
costumava dizer que me amava tanto ou mais que ao grão-duque."
Um modo certo de agradar a imperatriz era dançar. Para
Catarina era fácil: assim como Elizabeth, ela gostava apaixonadamente de
dançar. Diariamente, às sete horas da manhã, monsieur Lande, o mestre francês
de balé na corte, chegava com seu violino e, durante duas horas, ensinava-lhe
os passos da última moda em
Paris. De quatro a seis da tarde, ele voltava para outra
aula. E assim, à noite, Catarina impressionava a corte com sua dança graciosa.
Alguns desses bailes noturnos eram bizarros. Toda
terça-feira, por decreto da imperatriz, os homens vinham vestidos de mulher e
as mulheres vestidas de homem. Catarina, aos 15 anos, se deliciava com essa
mudança de trajes. "Devo dizer que não havia nada mais horrendo e ao mesmo
tempo mais cômico do que ver quase todos os homens vestidos desse jeito e nada
mais triste do que ver as mulheres em roupas de homem." A grande maioria
da corte detestava profundamente essas noites, mas Elizabeth tinha um motivo
para esse capricho: ela ficava esplêndida em roupas de homem. Embora longe de
ser esguia, sua silhueta de busto farto ficava realçada pelo par de pernas
esbeltas, maravilhosamente bem torneadas. Sua vaidade exigia que aquelas pernas
elegantes não permanecessem escondidas, e a única maneira de exibi-las era em
calças justas masculinas.
Catarina descreveu o perigo com que se defrontou numa dessas
noites:
Monsieur Sievers, muito alto, usando um vestido com ampla
anágua armada que a imperatriz lhe emprestara, estava dançando uma polonaise
comigo. A condessa Hendrikova, que dançava atrás de mim, tropeçou na anágua
armada de monsieur Sievers no momento em que ela dava um rodopio segurando
minha mão. Ao cair, ela esbarrou em mim com tanta força que caí debaixo da
anágua, que tinha saltado como uma mola bem ao meu lado. Sievers, por sua vez,
se embaraçou nas próprias saias longas, que estavam em grande desordem, e
acabamos nós três estatelados no chão, eu inteiramente coberta pela anágua
dele. Eu estava morrendo de rir, tentando me levantar, mas foi preciso que
viessem nos ajudar porque estávamos tão embrulhados na roupa de monsieur
Sievers que nenhum dos três conseguia se levantar sem fazer com que os outros
dois tornassem a cair.
MASSIE, Robert K. Catarina, a grande: retrato de uma mulher.
Rio de Janeiro: Rocco, 2012. p. 84-87.
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