A pérola do mercador, Alfredo Valenzuela Puelma
Em uma sociedade na qual a origem étnica tinha pouco
significado (a diversidade das origens das mulheres o comprovava), na qual o
nascimento se desvanecia diante do mérito (os sultões preferiam as escravas às
princesas), o harém funcionava como um instrumento de promoção social. Chamar a
atenção do senhor, compartilhar seu leito e dar-lhe um herdeiro garantia à
feliz eleita um destino excepcional. Assim, não era surpreendente que, por
vezes, as famílias oferecessem suas filhas ao grão-turco, na esperança de que
elas vivessem "entre diamantes e esplendores", como era a ideia
corrente no Cáucaso. Apesar da abolição da escravatura, proclamada no Império
Otomano na segunda metade do século XIX, caucasianas continuaram a ingressar
por sua própria vontade no harém.
O ponto mais alto dessa pirâmide, apoiada sobre a multidão
anônima de escravos do sexo feminino, era ocupado pela sultana valide, a mãe do
sultão reinante, título ambicionado entre todos. Ela era a verdadeira senhora
do harém. Ela administrava com a ajuda dos eunucos negros, cuidava de suas
finanças, organizava festas e cerimônias, enfim, ordenava toda a vida social da
instituição.
Suntuosamente sustentada por seu filho, ela possuía um
patrimônio considerável, que não parava de crescer graças aos presentes
oferecidos pelo alto pessoal político do império e também pelos embaixadores
estrangeiros. O primeiro ritual que acompanhava a ascensão ao poder do novo
sultão consistia em acolher a sua mãe no pátio do palácio e em saudá-la
respeitosamente. Tal cerimônia evidenciava a importância da sua posição. Mais
ainda, enquanto durasse o reinado de seu filho, a sultana valide via-se tentada
a fazer crescer sua autoridade ao se atribuir um importante papel político.
Lugar de prazeres e centro de uma vida cortesã refinada, o
harém podia ser também, de acordo com a personalidade ou a idade do monarca, um
ninho de intrigas e de tráfico de influência e até mesmo o cenário de dramas
sangrentos. A concorrência era brutal entre as mulheres que disputavam os
últimos favores do senhor. [...]
A pouca idade ou a mediocridade dos sultões autorizaram as
sultanas mães a controlar os assuntos do Estado, à imagem de Kösen Valide, que
exerceu o poder de fato durante 30 anos, sob os reinados de seus dois filhos e
de seu neto, antes de, por sua vez, vitimada pelas intrigas palacianas, ser
estrangulada em 1651 [...]. Clientelismo, luta de clãs, disputas entre os
grão-vizires, traições e assassinatos foram algumas das ignomínias que
apimentaram a vida no harém,
Por muito tempo esse foi um mundo fechado. Contudo. no
início do século XIX, durante o reinado do sultão reformador Mahmud II
(1784-1839), concubinas e favoritas obtiveram a autorização de passear pela
cidade ou pelos campos próximos para se distrair, desde que devidamente
cobertas e acompanhadas por eunucos vigilantes.
Enquanto a evolução dos costumes dificultava a poligamia
entre as elites otomanas - apenas uma ínfima minoria dos homens casados de
Istambul tinha mais de uma esposa - o harém imperial contava ainda com 370
mulheres reunidas em torno do último grande sultão, Abdulhamid II (1842-1909),
em seu novo palácio de Yildiz, às margens do Bósforo.
A revolução dos Jovens Turcos, que eclodiu em 1909,
assinalou o fim do harém e a dispersão de suas pensionistas. Algumas ficaram
encantadas de imediato com a liberdade reencontrada, enquanto outras,
aterrorizadas pelo mundo exterior, do qual haviam estado separadas por tanto
tempo, guardaram a nostalgia de um universo protegido.
Jean-François Solnon. Harém, a vida entre prazeres e
intrigas. In: Revista História Viva. Ano XI / Nº 123 / p. 49-51.
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