"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

domingo, 9 de março de 2014

A máscara de flandres

Confeccionada em metal flexível - zinco ou folha de flandres - a máscara cobria todo o rosto à exceção do nariz e dos olhos que eram liberados por pequenos furos. Seu objetivo era impedir a ingestão de alimentos ou bebidas por parte do escravo. Na zona aurífera foram constatados casos de colocação da máscara em negros para impedir que engolissem alguma pedra preciosa ou pepita de ouro que depois, por meios naturais, pudessem recuperar e vender por conta própria.

Castigo de escravo - máscara de flandres, Jacques Etienne Arago

Além do incômodo e da dor, a máscara era fonte de ridículo para os infelizes que a ela eram submetidos, razão pela qual era utilizada quando se queria humilhar alguém.

O pretexto que os senhores usavam para aplicar a máscara aos escravos quase sempre era a bebida. De fato, o consumo de cachaça entre a escravaria - como, aliás, entre os livres e os próprios senhores - era generalizado e independia de sexo e idade. [...] a pinga funcionava quase como complementação alimentar, graças a seu alto índice de calorias. Sabemos ainda que o hábito da bebida funcionava duplamente, como forma de o escravo tentar esquecer sua sorte e como forma de o senhor ver o escravo prostrado fora do horário de serviço, de forma a não lhe criar maiores problemas. O que não podia era embebedar-se a ponto de atrapalhar a produção, a carpa, o plantio ou a colheita. Aí o escravo era castigado e, no limite, vendido.

Escravo com máscara de flandres, Jean-Baptiste Debret

José Alípio Goulart nos recorda uma quadrinha popular que, com certo humor e alguma ironia, retrata a preocupação acima descrita:

Todo branco, quando morre
Jesus Cristo é quem levou.
Mas o negro quando morre
Foi a cachaça que matou...

Mais uma vez a condição a que o negro foi submetido e os hábitos adquiridos a partir disso aparecem como vícios inatos ou característicos da raça.

PINSKY, Jaime. A escravidão no Brasil. São Paulo: Contexto, 2009. p. 74.

NOTA: O texto "A máscara de flandres" não representa, necessariamente, o pensamento deste blog. Foi publicado com o objetivo de refletirmos sobre a construção do conhecimento histórico.

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