* Mandioca. Dentre as plantas alimentícias a que mais impressionou os europeus pela utilidade e por suas características curiosas foi a mandioca. Planta arbustiva, suas diversas variedades produziam raízes de tamanho e grossura variáveis, chegando até cinco ou seis palmos de comprimento e uns dois de circunferência.
Raízes e planta da mandioca, Zacharias Wagener
Alimento vegetal básico dos índios, foi adotado pelos colonos e usado também para alimentar animais domésticos. O seu preparo, entretanto, exigia cuidados especiais, pois a mandioca só podia ser consumida depois de descascada, ralada e espremida, operações que retiravam o perigoso veneno de seu sumo. Esse veneno era utilizado pelos índios para matar seus desafetos; os animais domésticos morriam se tivessem contato com esse líquido.
A farinha era consumida sozinha ou com carne, caldos ou legumes, podendo ser transformada em pão, bolo e biscoito. Outra variedade de farinha, mais fina e delicada - a carimã - era obtida das raízes fermentadas. Seu mingau era bom para doentes e crianças.
Léry descreve pitorescamente o modo como a farinha seca era consumida pelos índios sem o uso de colheres ou garfos.
Os tupinambás, tanto os homens como as mulheres, acostumados desde a infância a comê-la seca em lugar do pão, tomam-na com os quatro dedos na vasilha de barro ou em qualquer outro recipiente e a atiram, mesmo de longe, com tal destreza na boca que não perdem um só farelo. E se nós franceses os quiséssemos imitar, n]ao estando com eles acostumados, sujaríamos o rosto, ventas, bochechas e barbas.
Esse hábito prático e curioso foi incorporado pelos nossos caipiras e ainda é conhecido em muitos lugares do Brasil como "comer de arremesso".
Da mistura da mandioca ralada e espremida com alguns punhados de carimã e torrada em panelas fazia-se a "farinha de guerra" que os índios usavam em suas viagens e expedições guerreiras. Ela se tornou a principal provisão das bandeiras e foi usada pelos portugueses no campo, na cidade e nas longas viagens marítimas.
Outros alimentos nativos como o aipim, o milho, os feijões, as batatas e os carás completavam a dieta básica dos brasileiros.
* Amendoins e pimentas. O primeiro impacto do amendoim era a estranheza da planta cujos frutos encontrados nas pontas das raízes dentro de cascas duras com três ou quatro grãos dentro.
Os grãos muito saborosos eram comidos depois de cozidos, assados com a casca ou torrados sem elas. As mulheres portuguesas em pouco tempo passaram a aproveitar o amendoim em doces ou confeitos que substituíam nozes e castanhas europeias.
Com os índios, os colonos aprenderam a usar diversas qualidades de pimenta que misturavam com o sal nos legumes, nos pescados, nas carnes e nos caldos, dando início à tradição da culinária baiana.
* Cajus, bananas e abacaxis. No capítulo da incontável variedade de frutas saborosas e estranhas - como a jabuticaba e a jaca -, destacam-se o caju, o ananás (ou abacaxi) e a banana.
Cajus, Zacharias Wagener
O caju já era muito apreciado pelos índios, que até estabeleciam a própria idade relacionando-a com as épocas de sua floração ou colheita e logo tornou-se indispensável aos colonos. Muito fresca e digestiva essa fruta era recomendada no combate às febres, dando ainda bom hálito a quem o consumisse pela manhã.
Gabriel Soares de Souza, em suas minuciosas e até científicas descrições dos produtos brasileiros, comenta:
Fazem-se estes cajus de conserva, que é muito suave, e para se comerem logo cozidos no açúcar, cobertos de canela não têm preço. Do sumo dessa fruta faz o gentio vinho com que se embebeda, que é de bom cheiro e saboroso.
Aproveita-se também a deliciosa castanha, apesar das precauções necessárias para retirar a casca dura que queimava e empolava a pele.
As pacobas dos índios, que ficaram mais conhecidas pelo nome africano de bananas, encantavam o olhar europeu pela beleza plástica do cacho de frutos amarelos que pendia de uma árvore de folhas largas e verdes. Até hoje a banana, o coco, o abacaxi e o mamão são os símbolos universalmente mais conhecidos e divulgados do esplendor sensual dos trópicos.
Como alimento básico, a banana sempre complementou a dieta de colonos e escravos. Assada em lugar da maçã, era boa para doentes e, como guloseima, era transformada em marmelada, geléia ou seca ao sol.
Muitos localizaram no miolo da banana (escurecido parecendo uma cruz), "um sinal do favor divino". Gabriel Soares de Souza nos conta: "quem cortar atravessadas as pacobas ou bananas, ver-lhes-á no meio uma feição de crucifixo, sobre o que contemplativos têm muito a dizer".
No esforço de identificar todos os sinais da localização do Jardim do Éden, o padre Simão de Vasconcelos desenvolve extensa argumentação que envolve as qualidades do céu, do ar, do clima, dos animais e das plantas, que a seu ver comprovam o caráter maravilhoso da terra. Entre as plantas - afirma - a maior das maravilhas é "a que os portugueses chamam de erva da Paixão, os índios maracujá... a flor é o mistério único das flores. Tem o tamanho de uma grande rosa; e neste breve campo formou a natureza como um teatro dos mistérios da Redenção do mundo". Descrevendo as diversas partes da flor, demonstrava que ali se encontravam todos os símbolos da morte de Cristo e concluía: "a esta flor por isso chamam flor da Paixão, porque mostra aos homens os principais instrumentos dela, quais são coroa, coluna, açoites, cravos, chagas".
Maracuja, Georg Marcgraf
O rei das frutas era sem contestação de nenhum cronista o ananás, ou abacaxi. O sabor e perfume delicados e irresistíveis, contrastando com a aspereza da casca e da planta, não cansavam de maravilhar a todos. Assim como o caju, prestava-se à preparação de doces, vinhos e refrescos e à recuperação de doentes.
Somados aos mamões, laranjas, limões e a frutas menos conhecidas como o ombu, a colônia oferecia um grande número de alimentos ricos em vitaminas e sais minerais. Seu efeito curativo sobre doenças como beribéri e o escorbuto - decorrentes, como se sabe hoje, de dietas deficientes em vitaminas B e C -, que dizimavam os viajantes de longas travessias, tornavam-nas desejadas por todos que passavam pelos portos.
A ambivalência de plantas alimentícias como a mandioca, o caju, o ananás e outras em que uma aparência hostil ocultava sabor suavíssimo, em que um caldo venenoso antecedia uma farinha comestível e manchava a pele, criava uma impressão agridoce da nova terra. Era um mistério a ser decifrado, em que a aparência inocente ocultava perigo, violência, morte ou costumes bestiais - como acontecia com as plantas e os índios - ou o aspecto grosseiro e agressivo encobria as delícias do paraíso.
É de se lamentar que as primeiras tentativas literárias em poesia ou prosa sobre os sentimentos inspirados pela vida cotidiana na colônia tenham sido tardios e raros com algumas manifestações somente nos séculos XVII e XVIII.
A introspecção e a reflexão não atraíram homens empenhados em conquistar, enriquecer, reproduzir-se, enfim: sobreviver. Viver parecia mais interessante e absorvente do que pensar, escrever ou divagar.
* O tabaco e o vício do fumo. Conhecido na época como perfume ou erva-santa, o tabaco usado pelos índios foi adotado pelos colonos e levado para a Europa. Era considerado remédio eficiente para a cura de feridas e bicheiras de homens e animas. Seu uso como fumo causava polêmica.
Gabriel Soares de Souza assim descreve o estranho hábito:
A folha dessa erva, como é seca e curada, é muito estimada dos índios, mamelucos e dos portugueses, que bebem o fumo dela, ajuntando muitas folhas destas torcidas umas às outras, e metidas num canudo de folha de palma, e põe-se-lhe o fogo por uma banda, e como faz brasa metem este canudo pela outra banda na boca, e sorvem-lhe o fumo para dentro até que sai pelas ventas fora.
O vício de "beber fumo" propagou-se rapidamente entre os colonos e, chegando à Europa, foi objeto de condenação papal. No Brasil, o ato de fumar também parecia a muitos coisa diabólica a ponto de justificar certa vez a denúncia o infeliz donatário da capitania do Espírito Santo à Inquisição.
O mundo vegetal oferecia ainda muita coisa "mágica" como os cipós (que substituíam as cordas), ervas medicinais e venenosas e sobretudo árvores de todo tipo, tamanho e dureza, que foram empregadas em madeiramento de casas, maquinário de engenho, construção de barcos e navios. Grande admiração causava o tamanho e grossura de certas árvores que tinham troncos de trinta, quarenta e até cem palmos de largura, chegando a fornecer, individualmente, taboado suficiente para uma casa ou uma igreja.
Derrubada de uma floresta, Rugendas
Os prejuízos causados pelo corte desenfreado de madeiras nobres não passaram despercebidas e, já no século XVII, uma carta régia procurava regulamentar e preservar o seu uso.
No entanto, a carta foi desobedecida e grande parte das espécies descritas por escritores da época estão extintas.
MESGRAVIS, Laima; PINSKY, Carla Bassanezi. O Brasil que os europeus encontraram. São Paulo: Contexto, 2000. p. 14-20.
NOTA: O texto "A natureza encontrada pelos europeus: as plantas" não representa, necessariamente, o pensamento deste blog. Foi publicado com o objetivo de refletirmos sobre a construção do conhecimento antropológico.
Nenhum comentário:
Postar um comentário