"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Agricultores e pastores

Durante o período Paleolítico, ou Idade da Pedra Lascada, os homens praticavam uma economia coletora de alimentos. À medida que começaram a cultivar plantas e a domesticar animais, tornaram-se produtores de alimentos, ou seja, passaram a ter o controle sobre o abastecimento de sua alimentação. Esse fato representou uma profunda transformação econômica, com importantíssimas consequências para a sobrevivência da espécie: é chamado de Revolução Neolítica ou Revolução Agrícola. Na realidade, não foram evidentemente todos os homens que se tornaram produtores, mas tão-somente algumas comunidades humanas. E tampouco a Revolução Neolítica ou Agrícola deu-se de um dia para outro. Foi o lento processo de desenvolvimento das forças produtivas, verificado em certas comunidades, sob determinadas condições históricas, que fez com que se desse esse salto na economia da sociedade "primitiva".

Não é importante, historicamente, saber se a agricultura precedeu a criação de animais, ou vice-versa. Possivelmente, em algumas comunidades, a caça ensejou a criação de animais; em outras, a agricultura é que teria possibilitado a posterior domesticação dos animais. O que importa reconhecer é que, com a agricultura e a pecuária, aumentou consideravelmente o domínio do Homem sobre a Natureza, embora, durante muito tempo ainda, a caça continuasse completando o abastecimento fornecido pela agricultura.

Na bacia do Mediterrâneo, na Ásia Menor e na Índia, os principais produtos cultivados foram o trigo e a cevada. Mas cultivavam-se também o arroz (Extremo Oriente), o milho (na América) etc. [...]

O início da agricultura implicou a reorganização econômica da sociedade. Conquanto o nível da economia permanecesse de subsistência, já era possível produzirem-se excedentes, embora raros e ocasionais, que eram ou trocados ou consumidos nas festas religiosas, ou ainda armazenados. Numa economia produtora, podem-se fazer previsões da produção - o que diferencia basicamente da economia coletora.

O aumento da população, provocada pela nova economia produtora, foi bastante significativo, como a provam os numerosos esqueletos humanos e túmulos encontrados nas aldeias neolíticas. No entanto, o cultivo da terra não acarretou, de imediato, uma sedentarização da população. O método primitivo de cultivo - cultura de enxada - exauria rapidamente o solo, obrigando a constantes mudanças. Os homens do Neolítico, porém, já se encontravam organizados em tribos, e não mais em bandos, e viviam em aldeias, em cabanas de madeira, barro e tijolo, e não mais em cavernas.

Nos vales aluvionais, os homens dependiam das cheias dos rios, que irrigavam as plantações e revitalizavam o solo, depositando uma camada de húmus fertilizador. Nessas regiões, o agricultor não precisava  ser nômade, podendo cultivar permanentemente a mesma área. Ao que parece, a cultura de enxada ou de horta precedeu a irrigação natural, que teria surgido bem mais tarde.

Dois meninos pastores. Afeganistão. Efren Lopez


Nas aldeias neolíticas predominava uma agricultura mista, ou seja, ao lado do cultivo de cereais havia criação de animais, tais como bois, carneiros, cabras, porcos. A princípio, apenas se utilizavam a carne o o couro desses animais, mais tarde, descobriram-se outras utilidades: o leite, a lã etc. Em algumas comunidades neolíticas de agricultura mista, a economia pastoril era dominante e o cultivo de plantas teve um papel pouco significativo: é o caso dos beduínos da Arábia e dos mongóis da Ásia Central. A agricultura mista teria sido o produto da fusão entre as atividades agrícola e pastoril. De início, a coleta de alimentos - sobretudo a caça - tinha tanta importância quanto o cultivo da terra, complementando a economia.

Dois homens hadza retornando da caçada. Tanzânia, África. Andreas Lederer


O rendimento de uma economia produtora é maior do que o de uma economia coletora, sujeita aos azares da caça. Os homens podem produzir mais do que o necessário ao consumo imediato da comunidade, embora não sejam estimulados a isso. No entanto, a produção de excedentes só foi possível a longo prazo, quando a agricultura se tornou independente e dominante.

A existência de tribos pastoras e agricultoras deu origem às trocas e aos contatos mais frequentes entre esses produtores, devido à possibilidade de acumulação de excedentes.

Da possibilidade de fazer reservas derivou a necessidade de fabricar potes para armazená-las. O artesanato de potes e vasilhas, obra das mulheres, foi uma das características das comunidades neolíticas. Embora a cerâmica pudesse ter surgido antes da economia produtora, somente no Neolítico houve fabricação de potes em grande quantidade. O ofício de ceramista era complexo: o ceramista moldava a argila à sua vontade, dando-lhe forma e volume, e decorando-a.

Além da cerâmica, desenvolveu-se, também por iniciativa da mulher, a fabricação de tecidos, usando-se o linho, a lã e o algodão. Inventou-se o tear, que representou novo avanço nas forças produtivas. As habilidades técnicas para cozer a cerâmica e fiar e tecer só podiam ser adquiridas com a prática: era um trabalho praticado principalmente pelas mulheres. Devido à divisão do trabalho entre os sexos na comunidade primitiva, os homens caçavam, pescavam, cuidavam dos rebanhos, preparavam os campos de cultivo, faziam suas ferramentas, enquanto as mulheres cultivavam as plantas, além de dedicar-se à cerâmica e à fiação e tecelagem. Houve, entretanto, comunidades em que a tecelagem estava a cargo dos homens.

AQUINO, Rubim Santos Leão de et alli. História das sociedades: das comunidades primitivas às sociedades medievais. Rio de Janeiro: Imperial Novo Milênio, 2008. p. 108-110.

Nenhum comentário:

Postar um comentário