A morte do bandeirante, Antônio Parreiras
A capitania de São Vicente, em cujo litoral se fundou a primeira vila brasileira, logo ficou isolada de outras áreas vinculadas à lavoura de exportação. O Engenho do Senhor Governador não tinha condições de concorrer com seus congêneres nordestinos; a lavoura canavieira ali não iria para frente, ao contrário do que indicava o esforço inicial da colonização. Sua prosperidade (que nunca beneficiou os trabalhadores negros e índios) foi efêmera.
O que explica esse declínio? A distância dos mercados consumidores é um fator que não atraía os capitais mercantis. Durante muito tempo, apenas um barco metropolitano por ano aportou no ancoradouro vicentino. A estreiteza da baixada litorânea e a pobreza de seus solos também não estimulavam os esforços agrícolas. Nessas condições e expostos a ataques marítimos de contrabandistas, os vicentinos subiram a serra do Mar.
Essa transferência de parte da população para o planalto, onde se localizavam as vilas de Piratininga e Santo André da Borda do Campo, resultou em maior isolamento e no aguçamento da pobreza. Para os primeiros paulistas, milho, sal e farinha de mandioca constituíam a dieta principal. Poucas trocas, pequeno consumo, economia de subsistência, com a produção de alguns gêneros similares aos europeus e reduzida exportação para o Rio de Janeiro, em certas épocas. Vida monótona, apagada, a lembrar as velhas aldeias portuguesas, assim era Piratininga:
"Coberto de sapé era tudo o mais: a igreja, a cadeia, a casa do Conselho. Esta, em 1580, caiu, passando a Câmara a reunir-se na casa de um outro vereador. Só em 1585 é que se está em via de construção de nova casa, que serviria também para cadeia." (MOTA, Otoniel. Do rancho ao palácio. São Paulo: Nacional, 1941. p. 10)
A essa pobreza correspondia o isolamento político. É ele que determina o episódio curioso da Aclamação de Amador Bueno, em 1641, quando chega à capitania e à vila de São Paulo a notícia da restauração da monarquia portuguesa. Possivelmente insuflados por espanhóis, que frequentavam muito a região, os paulistas decidiram não aceitar a vinculação com a nova dinastia portuguesa de Bragança. E aclamaram Amador I, rei de São Paulo! Realista - e sem querer ser rei -, Amador teve de se refugiar num convento até que a exaltação autonomista dos seus conterrâneos passasse.
Quem passeia hoje pela capital paulista não imagina que os poluídos rios Tietê, Pinheiros e Tamanduateí já representaram a grande esperança dos poucos paulistanos do início do século XVII. Esperança de ganhar o sertão, para encontrar remédio para sua pobreza. A suave inclinação dessas vias fluviais para o interior favorecia isso. Os versos de Guilherme de Almeida, no Monumento aos Bandeirantes, no Ibirapuera, tentam retratar a epopéia:
"Brandindo achas e empurrando quilhas
Vergaram a vertical de Tordesilhas!"
Monumento às bandeiras, Vitor Brecheret
De início, ainda no século XVI, foi o ciclo do ouro de lavagem. Homens como Luís Martins e Brás Cubas (fundador da vila de Santos) descobrem ouro na própria capitania de São Vicente. Realiza-se a exploração do litoral na direção sul e Heliodoro Eobanos separa do cascalho do leito dos rios o metal precioso, a partir de Iguape. Jerônimo Leitão realiza uma entrada e descobre ouro de aluvião na área onde surgiria logo um núcleo de povoamento, Curitiba, só elevada à condição de vila em 1693.
Caçadores de bugres retornando com escravos presos nas matas
de Curitiba, Jean-Baptiste Debret
Essa expansão bandeirante à cata de ouro teve efeitos colonizadores no litoral do Paraná e de Santa Catarina. Seguidores dos primeiros vicentinos prosseguem explorando a região e fundam as vilas de Paranaguá, São Francisco do Sul, Nossa Senhora do Desterro (hoje Florianópolis) e Laguna, a partir da segunda metade do século XVII.
A importância desse ouro aluvionário é atestada pela própria medida administrativa tomada pela metrópole, instalando entre 1608 e 1612 a repartição Sul (separada do Estado do Brasil) e decretando o Código Mineiro, ainda no início do século XVII, pelo qual o governo garantia para si a quinta parte da produção e autorizava a fundição do ouro em barras em casas especiais.
O surgimento desses núcleos coincide com o declínio da atividade do garimpo. A pecuária vai manter a ocupação.
[...] é prática comum das áreas com poucos recursos a escravização do nativo. Em São Vicente isso sempre aconteceu. Os colonos, muitas vezes, estimulavam as malocas - expedições de índios para aprisionar e escravizar índios inimigos. Essa reação acaba virando um grande negócio.
Entre 1617 e 1641 a Holanda monopoliza o fornecimento de escravos ao Brasil. A Companhia das Índias Ocidentais controla as praças de São Jorge da Mina, São Tomé e São Paulo de Luanda, gerando grande escassez de mão-de-obra nas áreas fora do controle flamengo. Quem tem monopólio impõe os preços.
O índios torna-se mercadoria altamente valorizada e mais uma vez os paulistas vão vislumbrar a possibilidade de curar sua pobreza: é o ciclo da caça ao índio. Mais uma vez os choques com os jesuítas vão se acirrar. Um dos momentos importantes desse atrito é o movimento ocorrido em São Paulo do campo de Piratininga, em 1641, quando os colonos indispostos com a Companhia de Jesus tentam realizar a "botada dos padres fora", além de aclamar seu rei.
O nativo das missões, acostumado ao trabalho agrícola em regime semi-servil, será o objeto da ação dessas bandeiras comandadas pelos vicentinos. Elas mobilizavam toda a vila, onde só permaneciam mulheres, crianças e velhos. É importante destacar que os índios são o maior contingente: no ataque à região missioneira de Guairá, em 1629, Antônio Raposo Tavares e Manuel Preto comandam 69 brancos, 900 mamelucos e 2.000 índios auxiliares. É a guerra fratricida na terra de Pindorama.
"Os paulistas, conhecidos também pelo nome de mamelucos, tinham levado a cabo pequenas expedições contra guaranis, desde 1618. Em 1628 e nos anos seguintes marcharam com autênticos exércitos. Caíram primeiro de surpresa sobre a redução de Encarnación, que devastaram. Os trabalhadores dispersos pelos campos foram postos a ferro e levados; os recalcitrantes, massacrados. As crianças e os velhos muito fracos para seguirem a coluna em marchas forçadas, foram igualmente mortos pelo caminho." (Relatório dos jesuítas Duran e Crespo, apud LUGON, C. A República Comunista Cristã dos Guaranis. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1968. p. 46)
As reduções dos jesuítas espanhóis foram as escolhidas para o ataque. Elas acompanhavam a ocupação castelhana no oeste do atual Paraná, onde desde o século XVI existiam a Ciudad Real del Guairá e a Villa Rica del Espírito Santo. Em 1631 também elas são destruídas. Após os primeiros ataques, devastadores, favorecidos pela omissão das autoridades espanholas em função da vigência da União Ibérica, os jesuítas migram e formam novos aldeamentos, a sudoeste do atual Mato Grosso do Sul e centro-oeste do atual Rio Grande do Sul. Ali desenvolvem a criação do gado bovino e eqüino.
A partir de 1632, as missões do Itatim, Tape e Uruguai são atacadas pelas bandeiras paulistas, forçando a retirada dos jesuítas para a margem direita do rio Uruguai.
Com o fim da União das Monarquias Ibéricas e o conflito luso-espanhol (1640-1668), Felipe IV dá ordens aos jesuítas de se armarem. Mas as vitórias que eles conseguem a partir daí se explicam mais pelo declínio do interesse na mão-de-obra. As praças africanas, nessa mesma época, estavam sendo reconquistadas pelos portugueses.
Em 1648, ano da retomada de Angola, Raposo Tavares volta a Itatim e realiza seu périplo, através do vale amazônico, retornando por via marítima a São Vicente. Percorrera 10.000 quilômetros durante três anos. Dos 1.200 componentes da sua bandeira, apenas 58 chegaram a Santo Antônio do Gurupá, nas proximidades de Belém. O pior, para o velho sertanista, era não ter conseguido aproximar-se de Potosí nem encontrado a tão sonhada prata...
Desvalorizado o escravo índio, rareado o ouro de lavagem, nunca encontrada a prata, os vicentinos buscam outras atividades. Uma delas está transcrita na Resolução do Conselho Ultramarino, organismo criado após a restauração Bragantina, para melhor explorar as colônias portuguesas: "o contrato que se fez é terem a sua assistência nos mesmos Palmares, para dali fazerem guerra aos negros levantados, sendo esta a causa principal para que foram chamados."
Trata-se do ciclo do sertanismo de contrato. Grandes proprietários pecuaristas, senhores de engenho do Nordeste e autoridades coloniais contratam vicentinos para a ação repressiva contra o principal obstáculo ao progresso colonizador: a resistência das tribos indígenas e dos negros aquilombados.
As primeiras lutavam pela sua permanência na terra, ameaçada pela expansão das plantações de cana-de-açúcar e pela pecuária extensiva. A desigualdade bélica determinou o extermínio de muitas comunidades primitivas rebeladas, como foi o caso dos Cariri, na Guerra dos Bárbaros ou do Açu. A repressão foi comandada por Domingos Jorge Velho e Matias Cardoso. Na dizimação dos autóctones também se destacou um não-vicentino, rendeiro da Casa da Torre, Domingos Afonso Mafrense, alcunhado "o Sertão".
Domingos Jorge Velho, Benedito Calixto
Quanto aos quilombos, caracterizavam claramente a luta dos escravos pela sua liberação e geravam uma reação violenta dos opressores, que viam nos mocambos uma ameaça a toda a estrutura colonial. A contradição entre os escravos e senhores chegou ao clímax na epopéia de Palmares.
[...]
De fato, os negros de nenhum modo retornaram para as fazendas de seus ex-senhores. Após quase um século de lutas, o vicentino Jorge Velho, à frente de grande tropa, destruiu o último do quilombo.
No século XVIII, na região das Minas Gerais, as colunas do bandeirante Bartolomeu Bueno do Prado destruíram o quilombo do rio das Mortes.
Na segunda metade do século XVII, a situação de Portugal é crítica: o Tratado de Haia (1661) legalizou a perda da maior parte das suas colônias no Oriente; a Guerra de Restauração contra a Espanha (1640-1668) levou ao fim o lucrativo direito de asiento; as alianças europeias forçam o Estado português a fazer grandes concessões comerciais à Inglaterra, à França e às Províncias Unidas.
O Brasil, agora a principal área colonial lusa, será objeto de grande atenção por parte de Dom João IV, Dom Afonso VI e Dom Pedro I. O sonho era o mesmo dos tempos de Pero Vaz de Caminha, Martim Afonso, Tomé de Souza, Brás Cubas: a descoberta do Eldorado...
Animadas com o declínio da produção mineral na América Espanhola, as autoridades portuguesas incentivam a retomada das pesquisas minerais aqui. A depreciação do açúcar no mercado europeu determina a busca de outras atividades mais lucrativas.
Assim, em 1674 parte na direção do rio das Velhas a bandeira chefiada pelo mais rico e poderoso patriarca paulista, Fernão Dias Pais.
"Doenças, acidentes, deserções, combates com os índios iam dizimando paulatinamente a tropa. [...] Num dos momentos mais difíceis da aventura, o filho bastardo de Fernão, José Pais, compreendeu que a única maneira de retornar à casa seria matando o obstinado líder da bandeira. Mas Fernão descobriu a conspiração e quem morreu - enforcado à vista do arraial - foi José. E com ele seus companheiros de conjura." (MOREIRA DOS SANTOS, C. Jornal do Brasil, Caderno B, 27/04/1974)
O fracasso de Fernão não desanimou outros vicentinos como Garcia Rodrigues e Borba Gato. Em 1695, o governador do Rio de Janeiro comunica à corte a descoberta das primeiras minas, realizada por Antonio Rodrigues Arzão. Borba Gato vai descobrir mais tarde jazidas em Sabará. Sete anos depois, Bartolomeu Bueno [...] repete o feito em Goiás.
Partida da monção, Almeida Junior
As dificuldades desses desbravadores do interior brasileiro estão contadas no relato de um padre participante das monções (bandeiras fluviais que penetravam pelo Tietê, paraná e Pardo) na direção centro-oeste, citado por Capistrano de Abreu em Os caminhos antigos e o povoamento do Brasil: "depois de comidos os cachorros e alguns cavalos, fiz 35 sermões sem mudar de tema, animando a todos que não esmorecessem, certificando-lhes para diante dos rios de muitos peixes, campos de muitos veados, matos de muita caça, mel e guarirobas".
ALENCAR, Francisco et alli. História da sociedade brasileira. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1996. p. 58-63.
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