As pessoas de todas as épocas tendem a afirmar que a era em
que vivem é a mais dramática, instigante e difícil de toda a longa história da
humanidade. A ida do homem à Lua em julho de 1969 parecia marcar um novo
estágio e um novo triunfo do engenho humano. A década de 1960 foi, no todo, um
período de grande otimismo; a de 1970, não. Na década de 1970 e no começo da de
1980, até mesmo nossas maiores conquistas científicas mostraram seu lado
negativo. E alguns dos problemas que desde sempre afligem a humanidade
recusam-se obstinadamente a desaparecer. A prevenção da guerra nuclear e a
proteção do meio ambiente talvez sejam os maiores desafios já enfrentados pelo
homem.
Os espantosos progressos que a ciência deu aos países
tecnologicamente avançados e às pessoas que têm dinheiro suficiente parecem não
ter limites. Os caríssimos programas de exploração espacial dos Estados Unidos
e da União Soviética continuaram. Ambas as potências enviaram naves espaciais
para os confins do universo. Em 1970, uma dramática operação de resgate ocorreu
no espaço depois que a explosão de um tanque de oxigênio a bordo da nave
"Apolo 13" colocou em risco a vida dos astronautas. Alguns anos depois,
uma nave não-tripulada transmitiu fotos tiradas nas proximidades do planeta
Saturno, revelando alguns dos segredos de seus anéis. Essas naves viajam a uma
velocidade de até oitenta mil quilômetros por hora. A "Viking I"
pousou em Marte em 1976 e enviou fotos que foram mostradas nos noticiários de
televisão. Tantos satélites circulam em volta da Terra que as pessoas que aqui
ficaram talvez logo tenham de se preocupar com a queda de "lixo
espacial". Os progressos dos programas espaciais russo e norte-americano
talvez tenham sido empreendidos com um outro objetivo: a guerra, que
transformaria numa aterrorizante realidade a popular série
cinematográfica Guerra nas Estrelas e os videogames computadorizados
das casas de diversões eletrônicas.
De volta à terra firme, a revolução eletrônica, estágio mais
recente da Revolução Industrial, modificou tremendamente a nossa vida, desde o
modo como usamos os serviços bancários até o modo como cozinhamos nossos
alimentos. Um computador que há vinte anos ocuparia praticamente todo o espaço
de uma sala cabe hoje no seu bolso. Chegou a era do "computador
pessoal". O conhecimento dos computadores ("alfabetização em
informática") pode se tornar obrigatório para estudantes [...]. Os videogames computadorizados
entraram na moda no final da década de 1970. Os aviões já são praticamente
capazes de voar sozinhos. A telecomunicação instantânea e os "editores de
texto" modernizaram os negócios e a educação, gerando amargas guerras
econômicas entre a gigantesca IBM e suas concorrentes e entre o Japão e os
Estados Unidos. Quando as pessoas pela primeira vez ouviram falar de
computadores, na década de 1950, temia-se que a "era do botão"
provocasse a deterioração do corpo humano por falta de atividade. Só nossos
dedos se exercitariam, apertando botões. Agora, mais do que nunca, os
computadores substituíram o trabalho manual em alguns campos. Robôs
computadorizados quase dão realidade às antigas histórias de ficção científica,
à medida que são instalados nas linhas de montagem de fábricas de automóveis em
Detroit e no Japão. Poucos discordam de que os computadores contribuíram muito
para tornar mais fáceis certos aspectos de nossa vida, mas os seres humanos
também tiveram de pagar um preço por isso. A revolução da informática criou uma
nova casta de trabalhadores de escritório formados em computação. Porém, o
número de empregos na indústria diminuiu por causa do computador, o que
contribuiu, em certa medida, para aumentar o desemprego em alguns setores. O
computador "desumanizou" os negócios, pois reduziu o contato pessoal.
Ao mesmo tempo em que aumentou muito a produtividade em certos setores,
colaborou para que o poder econômico se concentrasse nas mãos de umas poucas
empresas gigantes, uma vez que só as maiores têm condições de acompanhar os
rápidos e dispendiosos avanços na tecnologia da computação. As que não
conseguem competir acabam ficando para trás. Os progressos na eletrônica também
tendem a aumentar a distância entre os países ricos e os países pobres. E
certas pessoas se preocupam, não sem motivo, com o uso que o governo pode dar
aos computadores - reunindo informações sobre os cidadãos com o apertar de um
botão. Pode ser difícil proteger as informações computadorizadas armazenadas
pelos governos, empresas, universidades e hospitais. O que acontece quando uma
empresa rival ou uma potência estrangeira consegue entrar no computador de
alguém? Será que as leis poderão ser reformuladas de modo que prevejam um
castigo para o roubo de informações digitais, como prevê agora para o roubo de uma
loja ou residência? Até hoje, o computador tem sido amigo do ser humano, mas
pode também se tornar um seu inimigo se os cidadãos forem arbitrariamente
sujeitos ao que um especialista chamou de "violência silenciosa" do
computador.
A ciência genética progrediu de modo espantoso e permitiu
que os cientistas compreendessem como nunca antes a constituição do corpo
humano. Certas possibilidades são ao mesmo tempo reconfortantes e incômodas. À
medida que compreendemos os genes humanos, torna-se mais possível prever quem
pode herdar certas doenças dos pais ou quem vai correr mais risco de
contraí-las no decorrer da vida. Ao mesmo tempo, os médicos podem determinar a
constituição genética de um bebê antes de ele nascer; a descoberta do sexo do
bebê e de certas deficiências mentais são só os primeiros passos. Pode ser que
logo seja possível saber se um bebê será suscetível a doenças como a distrofia
muscular e a hepatite. A detecção pré-natal dos defeitos genéticos fica a cada
dia mais sofisticada.
Não obstante, à medida que os cientistas avançam na
compreensão das origens e das características genéticas das doenças que afligem
a humanidade, certas questões éticas se impõem naturalmente. Por acaso os
médicos devem ter permissão para alterar certos aspectos da natureza humana? As
famílias não se sentiriam tentadas a provocar o aborto de um feto que, segundo
o parecer dos médicos, teria alguma probabilidade de desenvolver uma doença
daqui a quarenta anos, por exemplo? Um indivíduo não poderia ter a sua proposta
de emprego recusada porque um cientista determinou que a sua constituição
genética acusa a possibilidade da ocorrência de uma doença no futuro? A
manipulação genética já produziu um rato maior do que o normal; quais
alterações não poderiam ser provocadas no próprio ser humano no futuro
distante?
Outros grandes avanços da ciência e da tecnologia
determinaram novas ameaças. Em 1979, um vazamento de água radioativa de uma
usina nuclear situada em Three Mile Island, na Pensilvânia, ameaçou a segurança
de toda a vizinhança. Por vários dias os especialistas buscaram esfriar o
gerador nuclear para impedir o derretimento do núcleo do reator, cujo
superaquecimento poderia espalhar materiais radioativos por centenas de
quilômetros quadrados de uma região densamente povoada. Os habitantes das
cidades próximas esperavam ansiosos, prontos para abandonar suas casas se o
desastre ocorresse. Por sorte, os especialistas conseguiram evitar a
catástrofe. Porém, esse quase-acidente suscitou novos questionamentos a
respeito da segurança e da praticidade da energia atômica como alternativa ao
petróleo. Alguns anos depois, os planejadores do governo começaram a tentar
resolver o problema de o que fazer com as usinas nucleares depois de
desativadas por obsolescência, consideração que provavelmente nem sequer foi
levada em conta pelos que as construíram.
A corrida armamentista nuclear representa um perigo ainda
maior para o nosso planeta, tanto mais que já não envolve apenas dois países,
os Estados Unidos e a União Soviética. O Reino Unido, a França e a China
certamente já são capazes de mover uma guerra nuclear, como também,
provavelmente, a Índia e o Paquistão (países ferrenhamente inimigos), Israel, a
África do Sul e talvez a Argentina. Todo ano, os sobreviventes das explosões
atômicas de Hiroshima e Nagasaki, de 1945, se reúnem para lembrar o mundo dos
inacreditáveis horrores que de novo podem acontecer. Só nos resta esperar que a
humanidade tenha aprendido a lição.
Nos Estados Unidos e em outros países, o meio ambiente
também sofreu na década de 1970. Descobriu-se que o lançamento de substâncias
tóxicas e outros dejetos nocivos em aterros sanitários localizados em muitas
cidades representava grave risco para a saúde, de tal modo que muitos bairros,
até cidades inteiras, tiveram de ser evacuados. [...] A “chuva ácida” criou um
atrito diplomático entre o Canadá e os Estados Unidos, pois poluentes
produzidos neste país estão cruzando a fronteira e depositando-se nas terras
canadenses através da chuva contaminada, matando peixes e plantas em lagos
distantes. Até mesmo as viagens aéreas supersônicas suscitaram um dilema entre
o avanço tecnológico e as necessidades humanas. [...]
Os franceses foram responsáveis pelo mais impressionante
avanço no transporte ferroviário. Há muito tempo que o Japão tem um “trem-bala”
que interliga suas maiores cidades, mas em setembro de 1981 os franceses
inauguraram o TGC (“trem de grande velocidade”). O trem francês é ainda mais
rápido do que o japonês e é capaz de deslocar-se com segurança a uma velocidade
de até 350
quilômetros por hora. [...]
A chuva ácida, os efluentes tóxicos e a poluição sonora são
problemas relativamente novos. Durante a década de 1970, a fome, que é o
problema mais antigo do mundo, continuou grave como sempre foi. No final de
1974, as reservas mundiais de cereais chegaram ao nível mais baixo em vinte e
seis anos. [...] Cerca de dez mil pessoas morriam a cada mês na África, na Ásia
e na América Latina. [...] A chamada Revolução Verde havia aumentado a
produtividade das safras agrícolas e a área de cultivo em muitas partes do
mundo. Porém, nem essa boa notícia foi suficiente para atender às necessidades
alimentares do planeta, em face do rápido crescimento populacional e das
mudanças climáticas.
[...] Cidades como Cingapura, Cidade do México, Calcutá e
Rio de Janeiro, cujos recursos já não davam conta de sua enorme população,
foram tomadas de assalto por milhares de migrantes vindos da zona rural, muitos
dos quais passam a viver em favelas construídas às margens da grande metrópole.
[...]
[...]
O crescimento populacional, as mudanças climáticas e as
limitações da Revolução Verde contribuíram para aumentar a distância entre os
países ricos e os países pobres. As pessoas deixaram de se referir somente às
diferenças entre “Ocidente e Oriente” e passaram a mencionar também as
diferenças entre “norte e sul”, contrapondo os países do norte, mais ricos, aos
seus vizinhos menos desenvolvidos do sul.
A fome quase precipitou um conflito global. [...]
[...]
Os direitos das mulheres passaram a ser mais respeitados na
década de 1970, sobretudo nos Estados Unidos. Em 1972, o senado aprovou a
Emenda de Igualdade de Direitos à constituição norte-americana, para pôr fim à
discriminação por sexo. [...] Em 1973, a Suprema Corte legalizou o aborto nos
primeiros meses de gravidez. Um número maior de mulheres passaram a trabalhar
fora, também como advogadas, médicas, empresárias, executivas e professoras
universitárias, muito embora as mulheres continuassem a receber menos do que os
homens em muitos setores profissionais. [...] Margareth Thatcher foi a primeira
mulher a ser primeira-ministra da Inglaterra, com a vitória do partido
conservador nas eleições de 1979. Em 1983, Sally Ride foi a primeira astronauta
norte-americana a ir para o espaço. [...] Tudo isso representou um excelente
começo. Não devemos jamais nos esquecer que a história da humanidade é também a
história das mulheres.
O movimento pelos direitos civis foi um dos acontecimentos
mais significativos da década de 1960. Na década de 1970, os negros começaram a
ser eleitos para cargos públicos, especialmente para as prefeituras de várias
grandes cidades norte-americanas, como Detroit, Los Angeles e Atlanta. [...]
Mas ainda havia muito a ser feito. A segregação continua em muitos sistemas
escolares. [...] O futuro econômico dos jovens de raça negra permanece
indefinido, pois ainda é entre eles que se constata a maior proporção de
desempregados, num momento em que o governo cortou boa parte dos programas de
seguridade social que ajudavam os pobres a subsistir.
Na década de 1970, os homossexuais começaram a exigir o
direito a um tratamento justo. Apesar da reação conservadora, comunidades gays floresceram em muitas cidades,
particularmente em Nova York e São Francisco; os gays também passaram a ser mais aceitos do que eram antes e
encontraram meios de representação política.
Parada do Orgulho Gay. Nova York, 2008.
Foto: Chefe Tweed
A vida na década de 1970 e no princípio da de 1980 refletia
uma combinação de mudança e continuidade. Orquestras sinfônicas, óperas e
grandes exposições artísticas trazidas da Europa e alardeadas a toque de
trombeta encontraram nas maiores cidades dos Estados Unidos um público
interessadíssimo. Mas a televisão, o rádio, as gravações musicais em geral e os
livros campeões de vendas – tudo incrementado pelo progresso tecnológico –
continuaram a ser as principais fontes de entretenimento para o povo. A
televisão a cabo levou muitos canais novos a um número cada vez maior de lares
norte-americanos. [...] O desenvolvimento da eletrônica possibilitou que
programas de televisão fossem gravados para ser vistos depois e criou o
fenômeno do aluguel de filmes populares gravados em fitas cassete [...]. As
emissoras de FM continuaram populares [...].
[...]
O tema da capacidade de sobrevivência do homem não é um tema
novo na história da humanidade. Castigado pela crise econômica e pela
deterioração do meio ambiente, vulnerável às ditaduras e ao terrorismo [...], o
povo do nosso planeta é capaz de consolar-se por saber que a humanidade
sobreviveu a outros perigos no passado. [...] Quanto mais difíceis forem os
desafios que a humanidade terá de enfrentar no futuro, tanto mais teremos de
trabalhar juntos.
VAN LOON, Hendrk Willem. A história da humanidade.
São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 565-599.
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