- Nenhum homem nesta terra trata do bem comum. Cada um cuida do seu bem particular - dizia frei Vicente do Salvador, em 1627.
Quem possuía bens particulares para cuidar na Colônia era a classe dos senhores de terras. Esses bens eram seus latifúndios, suas plantações e seus negócios, que eles queriam aumentar cada vez mais. Dessa forma, eles iam se dando muito bem com os comerciantes reinóis e com as autoridades metropolitanas. Os interesses de uns completavam os de outros.
Havia momentos, porém, em que os reinóis abusavam do monopólio. Pagavam pouco pelo que iam exportar e cobravam muito pelo que traziam do exterior.
As autoridades de Portugal, por seu lado, principalmente a partir do século XVIII, foram cobrando impostos cada vez mais altos: algum príncipe da Família Real ia se casar? Taxas no Brasil. Lisboa precisava ser reconstruída, depois do terremoto? Os brasileiros pagariam as despesas... O Palácio da Ajuda devia ser restaurado? Ora, pois não. Os tributos que o Brasil pagava, com um simples aumentozinho, ajudariam...
Nem sempre os pagadores de impostos daqui aceitaram essas imposições sem reagir. Por isso, em várias épocas da nossa História Colonial, muitos colonos brancos revoltaram-se contra a exploração portuguesa. Foram os chamados movimentos nativistas.
Um dos primeiros foi o dos donos de terras do Maranhão, em 1684. Liderados pelo senhor de engenho Manuel Beckman e com o apoio dos "homens bons" da Câmara Municipal de São Luís, eles exigiram que a Companhia de Comércio portuguesa que comprava os seus produtos parasse de falsificar pesos e medidas. Queriam também escravizar os índios da floresta amazônia, já que o preço dos escravos africanos era muito alto. Para isso, achavam necessária a expulsão dos jesuítas, que impediam a caça aos nativos.
Mesmo sabendo que os colonos maranhenses não queriam a separação de Portugal, a Coroa agiu com rigor: a rebeldia não podia ser tolerada. Beckman e mais dois chefes foram condenados à morte. Para acalmar os fazendeiros, a Companhia de Comércio foi extinta e o cativeiro dos índios permitido. O acontecimento ficou conhecido como a "Revolta de Beckman".
Beckman, Antônio Parreiras
Outra luta que envolveu colonos e comerciantes ocorreu em Minas gerais, na primeira década do século XVIII. Foi a "Guerra dos Emboabas". Mineradores paulistas pegaram em armas contra os que chegaram na região depois deles. Aquela "terra de ninguém" agora tinha dono!
- Com que autoridade esses "pintos calçudos", que mais parecem uns emboabas, querem mandar na região? E como pedem caro pelas mercadorias que nos vendem: vejam só o preço da carne! Querem ficar com o nosso ouro!
Mesmo parecendo aves pernaltas com aquelas longas botas, os emboabas, comandados pelo reinol Manuel Nunes Viana - um poderoso criador de gado na região -, tiveram mais força e expulsaram os paulistas de lá.
Para assegurar seu poder na terra, o governo português criou a Capitania Real de São Paulo e Minas do Ouro. Depois disso, os conflitos diminuíram.
Proprietários de terras x comerciantes reinóis: na mesma época da "Guerra dos Emboabas", ocorreu outro conflito no Nordeste. Foi a "Guerra dos Mascates". A Capitania de Pernambuco já não era a mais rica do Brasil: o preço do açúcar caía, porque ele era produzido também nas Antilhas. Além disso, os preços dos escravos subiam. Muitos lavradores abandonavam suas terras e entravam na "corrida do ouro", seguindo para as Gerais.
- Os senhores olindenses têm as fazendas e os conventos, os escravos e as dívidas! - diziam os comerciantes de Recife, a quem os tais senhores deviam dinheiro pela compra de escravos.
- Vamos decretar novos impostos para acabar com o topete desses mascates! - decidiram os proprietários que viviam em Olinda. Afinal, Recife nos deve obediência!
Recife, que recebia ordens da Câmara de Olinda, não podia mais aceitar essa condição. Sob a liderança dos mascates começou a lutar por sua elevação à condição de vila:
- Queremos autonomia! Chega de ser mandado por Olinda! Viva a vila de Recife!
O rei D. João V, muito ligado aos comerciantes, atendeu ao pedido dos recifenses, em 1709. A reação de Olinda foi imediata: a cidade portuária foi ocupada pelos capangas dos senhores de engenho e o bispo Manuel Costa foi nomeado governador.
- O rei deve anular o ato de elevação de Recife à condição de vila. O governo português não pode permitir que os comerciantes integrem as Câmaras Municipais: elas são lugar de gente bem! O preço dos escravos tem que ser tabelado. Não podemos perder nossas terras para quem nunca mexeu com lavoura. Queremos também que os ingleses e os holandeses possam vir ao nosso porto, livremente!
O rei absolutista e todo-poderoso de Portugal não queria aceitar tantas exigências. Por isso, enviou suas tropas, acabando com o conflito. Nenhuma das reivindicações dos olindenses foi atendida pelo novo governador de Pernambuco, Félix José Machado.
Ainda no início do século XVIII, a Capitania de Minas Gerais foi palco de um grave choque entre os mineradores e as autoridades da Metrópole.
Em 1719, o governo da Metrópole criou as Casas de Fundição, onde todo o ouro encontrado deveria ser fundido, selado e quintado. O governo português arranjava uma encrenca com os mineradores. Eles já não gostavam de entregar a quinta parte do que extraíam para os fiscais portugueses. Com as tais Casas de Fundição, como iriam fiscalizar a retirada do quinto? Isto sem falar na demora até fundir o ouro em barras, retirar a parte da Coroa e devolvê-lo.
Julgamento de Felipe dos Santos, Antônio Parreiras
Liderados por Pascoal Guimarães e Felipe dos Santos, os mineradores disseram não às Casas de Fundição. O governador da Capitania, conde de Assumar, foi muito decidido também: prendeu vários rebeldes em Vila Rica. E mandou julgar rapidamente Felipe dos Santos, que foi enforcado e esquartejado, para servir de exemplo. Quem levantasse a cabeça contra El-Rei corria o risco de tê-la cortada!
ALENCAR, Chico et alli. Brasil Vivo 1: uma nova história da nossa gente. Petrópolis: Vozes, 1991. p. 71-72.
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