Mercado masai, Martin Bulinya, Quênia
A expansão muçulmana, que envolvia inicialmente a conquista e, mais tarde, a conversão de povos africanos ao islã, teve início no século VII, com a conquista do Egito e da Cirenaica pelo Califado Árabe. Cem anos depois, todo o litoral africano do Mediterrâneo (e a Espanha) fazia parte do mundo islâmico. Gradativamente eles avançaram para o sul, através do Deserto do Saara, convertendo os tuaregues. Do século XI ao XII, a parte ocidental e a central do Sahel e os litorais do Mar Vermelho e da Somália já haviam sido dominados ou convertidos, enquanto as cidades comerciais árabes do Oceano Índico, desde o norte de Moçambique, já constituíam baluartes islâmicos. Posteriormente, ao longo dos séculos seguintes, a religião muçulmana ganhou terreno no hinterland do Golfo da Guiné (numa linha paralela à costa que parte do sul do Senegal até o centro da Nigéria e Tchad), no Vale do Nilo (centro do Sudão), no litoral do Mar Vermelho (Eritréia) e do Oceano Índico, atingindo parte do norte de Moçambique e de Madagascar.
A importância desse processo é tanto de ordem civilizacional como internacional, pois afetou profundamente as formas de organização social e econômica, bem como a inserção política e econômica dessas regiões. A Europa deixou de ser a única referência, como o Oriente se tornando um polo de atração. Além das peregrinações a Meca e da universalização da língua e da cultura árabes, formaram-se novos vínculos identitários e fluxos internacionais que abarcaram boa parte da África Negra.
No tocante à grande migração africana, por volta do ano 400, os primeiros agricultores da Idade do Ferro que falavam línguas bantas ocuparam grande parte da África Oriental e da Meridional de forma esparsa e irregular. Esses povos preferiam zonas abundantes em água, sugerindo que sua economia se baseava essencialmente no cultivo de inhame e sorgo, na pesca, na caça e na criação de pequenos animais domésticos.
A dança, Martin Bulinya, Quênia
Foi a partir do século X que os comerciantes árabes estabeleceram-se na África Oriental, aprenderam as línguas locais e tornaram-se intermediários, comprando mercadorias dos africanos e repassando-as aos comerciantes marítimos. No século XI, as guerras na Pérsia e na Arábia forçaram muitos árabes a ocuparem definitivamente áreas da África Oriental. A miscigenação cultural e o casamento desses árabes com mulheres africanas locais geraram, algum tempo depois, uma nova língua, o suaíli, basicamente uma língua banta, intercalada com muitas palavras árabes, que ainda hoje é falada em partes da África Oriental, sendo língua oficial da Tanzânia e do Quênia.
Três adultos e duas crianças masai, Moisés Wanyuki
Enquanto os árabes ocupavam Kilwa, na costa oriental, outra cidade banta estava em construção na parte sudeste africana. O Grande Zimbábue tornou-se forte ponto de comércio no Oceano Índico devido, em parte, ao ouro e ao marfim do interior africano, mas também do cobre no Congo (Katanga) e da Zâmbia, em um tráfico tipicamente intra-africano. Os povos de língua banta começaram a se estabelecer em torno do planalto do Zimbábue.
Por volta de 1300, já havia uma muralha, com aproximadamente dez metros de altura, erguida como proteção a toda a área. Aproximadamente 10 mil pessoas viviam fora da muralha de pedra da Grande Zimbábue. Alguns eram pastores, outros artesãos e também escultores e tecelões, pois a matéria-prima (algodão, ouro, cobre, madeira e pedra) era abundante. No entanto, os comerciantes eram fundamentais nessa dinâmica, pois levavam ouro, cobre e marfim para a costa oriental. O ouro era obtido dos povos que viviam ao sul, e o cobre, dos povos ao norte da Grande Zimbábue. Foi justamente esse comércio que tornou a região um dos reinos mais poderosos no século XIV. Contudo, sem explicação plausível, em meados do século XV o Grande Zimbábue foi incendiado e abandonado.
Dança tradicional masai, Quênia.
Foto: Dmitri Markine
Na Costa da Guine, os reinos que se beneficiaram com o comércio de escravos, já no contexto da expansão europeia em direção à costa africana, foram os de Oyo e Benin. Mais para o oeste, o Reino Ashanti também se desenvolveu progressivamente durante os séculos XV e XVI. O Rei Opoku Ware organizou um sólido sistema de impostos, com uma burocracia administrativa eficiente. No final do século XIX, porém, o império começou a enfraquecer, envolvendo-se em guerras com povos do litoral e batalhas com os britânicos, entre 1807 e 1901. No final dos conflitos, os britânicos assumiram o controle do Império Ashanti.
Oba de Benin, Giulio Ferrario
O desejo britânico de acabar com o tráfico de escravos se baseava na perspectiva de reorganizar a produção e o comércio africano, com vistas a outras exportações, aumentar a atividade missionária e impor a jurisdição do governo britânico sobre propriedades que tinham pertencido a comerciantes britânicos. Essas ações levaram o Estado britânico a assumir a soberania de certos territórios africanos, considerados estratégicos por eles.
Já os portugueses chegaram à costa oriental africana, e, na década de 1530, enviaram grupos para subir o Rio Zambeze e descobrir de onde vinha o ouro vendido pelos suaílis. Acabaram por estabelecer ligações comerciais com o grande Império Monomotapa, no interior do continente, responsável por boa parte do comércio interno africano.
Mas os portugueses foram impedidos de continuar adentrando no continente africano por um líder chamado Dombo, rico proprietário de gado e soberano do Império Rozvi. Entre 1684 e 1696, Dombo e seu exército lutaram contra os portugueses e os expulsaram do planalto do Zimbábue. O Império Rozvi tinha sua capital em Khami e, após um período de prosperidade, chegou ao fim na década de 1830, devido a uma invasão de povos guerreiros do sul da África, os nguni. Essas guerras se espalharam por toda a África Central e Meridional, durando mais de 15 anos. Esses conflitos internos ficaram conhecidos como o Mfecane ("época da aniquilação").
Mulher masai, William Warby
Mais ao norte, os povos em torno dos lagos da África Oriental escaparam do Mfecane. Os dois reinos mais poderosos eram o Bunioro (às margens do Lago Alberto) e Buganda (Lago Vitória). Bunioro foi o primeiro reino a tornar-se independente na região. Sua principal atividade econômica era a criação de gado e havia também a produção de sal. Durante os séculos XVI e XVII, o exército bunioro fez muitos ataques contra os povos vizinhos, tomando seu gado e sua terra, além de obrigá-los a tornarem-se vassalos e a pagar tributos ao rei. Já no século XIX surgiu o primeiro opositor ao Reino dos Bunioro, com a ascensão do Reino de Buganda, de aproximadamente 500 mil habitantes. Buganda também tinha ligações com comerciantes árabes na costa oriental e deles comprava armas de fogo, munições, tecidos de algodão, contas e produtos de vidro.
Há ainda dois povos importantes. O povo chwezi chegou, no século XIV, próximo aos lagos da África Oriental vindo do norte. Eram pastores de gado e introduziram na região a ideia de centralização da autoridade em um único governante ou rei. Também incentivaram o plantio de café e seu reino durou duzentos anos. O outro grupo era o povo nômade masai, que vive ainda hoje na Tanzânia e no Quênia. No século XVI, era um grupo pequeno, mas no século XIX sua população havia crescido consideravelmente. As sociedades que se desenvolveram no continente africano tornaram-se gradativamente complexas e diversificadas, da mesma forma que as relações das diferentes regiões com o mundo exterior.
Mulher e criança masai, Jack-z
VISENTINI, Paulo Fagundes. História da África e dos africanos. Petrópolis: Vozes, 2013. p. 36-40.
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