Etnias. Sala de Etnografia. Museu Nacional de Antropoligia (México), Fernando Franciles
[...] Tanto na perspectiva espacial como na temporal, a influência do Novo Mundo, isolado das correntes históricas da Eurásia, durante longo período, é marcante. [...]
Do contato, ainda que
superficial, com o Continente descoberto surgiu uma verdadeira revolução nos
conhecimentos geográficos dos europeus que ouviam admirados a descrição do Novo
Mundo. Todo o edifício de conhecimentos geográficos tinha que ser reconstruído
a partir de seus fundamentos.
[...] o milho transplantado para
a Espanha já na primeira viagem de Colombo e que “encontrou um meio favorável
nas regiões ensolaradas de Castela; seu cultivo desenvolveu-se rapidamente e se
difundiu em pouco tempo para o Leste, nas outras penínsulas mediterrâneas”. Ao
lado das plantas alimentícias deve-se lembrar as plantas medicinais. Várias
expedições foram organizadas com o fim de recolher essas plantas, que foram
aclimatadas em jardins botânicos como, por exemplo, o criado em Veneza em 1533.
Vaillant sublinha um interessante
legado da América pré-colombiana aos povos conquistadores e colonizadores do
Novo Mundo: “pode-se indagar se a ocupação europeia teria tido o sucesso que
conhecemos sem o trabalho preliminar executado por esses primeiros ocupantes
que valorizaram os recursos do Continente”. Inegavelmente civilizações como a
dos Astecas e dos Incas forneceram aos conquistadores e colonizadores espanhóis
um importante substrato material. “Os refugiados políticos que colonizaram o
litoral atlântico dos Estados Unidos foram aprovisionados de víveres graças aos
modestos talentos agrícolas das tribos indígenas vizinhas: isto permitiu-lhes
sobreviver até o dia em que puderam atender por si mesmos as próprias
necessidades e organizar-se em coletividades autônomas”. Chaunu chama a atenção
para o legado da América recém-descoberta à economia mundial: “O aproveitamento
pela Europa, dos lazeres de 10 milhões de índios, camponeses do milho, foi para
a economia mundial, então em construção, um ganho incalculável de poderio, um
ganho de poderio igual a muitas dezenas de milhões de homens cultivadores do
trigo e do centeio”.
[...]
Vale aqui reproduzir as
expressivas considerações de Meggers: “Mas se penetrarmos além das aparências,
torna-se claro que a civilização moderna seria diferente sem as descobertas dos
índios americanos. A borracha, um ingrediente crucial em milhares de inventos,
desde os aviões supersônicos até os pneus, é uma planta do Novo Mundo. O fumo,
que traz satisfação para pessoas de quase todas as partes, foi domesticado nas
Américas. O chocolate, um dos doces mais populares no mundo, era uma bebida
asteca. O milho (cereal) em centenas de variedades, é a base econômica de
milhões de pessoas e a fonte alimentar de outros milhões, desde os fabricantes
de cereais e produtores de ração animal, até os vendedores de pipoca no circo.
A batata tornou-se tão importante na Inglaterra que se chama “batata-inglesa”,
embora fosse domesticada nos Andes. Castanhas e amendoins, abacates e abacaxis,
feijões e abóboras, batatas-doce, mandiocas, tomates e pimentões estão entre
algumas das plantas americanas incorporadas à dieta alimentar em todas as
partes do mundo. Milhares devem sua saúde e mesmo suas vidas à quinina e à
cocaína, que foram descobertas pelo indígena sul-americano”.
Vaillant, na mesma linha de
raciocínio, enumera algumas plantas cultivadas pelos Astecas e materiais
utilizados acrescentando: “Entretanto a lista reduzida que acabamos de citar
permite já medir a dívida de reconhecimento que contraímos para com esta
civilização desaparecida. A lembrança dos primeiros inventores, dos primeiros
inovadores, perdeu-se na noite da pré-história americana, mas nossa economia
moderna beneficia-se ainda hoje dos frutos de sua engenhosidade”.
A América pré-colombiana está bem
presente no mundo contemporâneo pela existência de milhões de descendentes dos
povos pré-colombianos que constituem porção apreciável de numerosas nações
americanas. “Hoje, o índio é tanto um fato cultural, social e lingüístico
quanto antropológico”.
Índios do Nordeste do Brasil. Foto: Agência Brasil, Tetraktys
Além da permanência física dos
descendentes dos pré-colombianos (muitos dos quais ainda conservam sua própria
língua), constitui um testemunho eloqüente da influência indígena a inserção e
aceitação de grande número de vocábulos no léxico das línguas dos
conquistadores. Lathrap dá-nos um exemplo da difusão e influência de línguas
indígenas: “Depois do araucano, o tupi-guarani é o grupo lingüístico de mais
vasta difusão da América do Sul. Na época dos primeiros contactos com os
europeus, os povos de línguas tupis-guaranis eram muito numerosos e
encontravam-se em rápida expansão para zonas ocupadas por grupos vizinhos.
Embora o número de indivíduos que falam estas línguas tenha diminuído
extraordinariamente no decurso dos tempos históricos, elas influenciaram
muitíssimo o vocabulário da língua portuguesa falada no Brasil, e o guarani é
ainda uma das duas línguas oficiais do Paraguai”. Ainda no campo lingüístico, a
toponímia evoca, através de toda a vasta extensão do Continente Americano, às
vezes num passado já distante, não raro com uma extensão cheia de poesia, a
presença do indígena americano.
Outro aspecto interessante e bem
vivo da presença indígena são as manifestações folclóricas, que prolongam ecos
de um passado distante.
[...]
Sobre o legado dos Astecas não
podemos furtar-nos de repetir esta bela página de Vaillant, profundo conhecedor
e admirador desse povo: “A civilização asteca se extinguiu, mas os Astecas
vivem sempre. Tirai do México tudo que é índio puro-sangue e diminuireis sua
população em dois quintos; retirai tudo que tem sangue indígena nas veias e mal
restará um vigésimo dessa população. A verdadeira face do México é uma face
índia. Percorrei o país, lede sua história, podereis discernir aí, como em estratificações
sucessivas: o período colonial, a república, o império de Maximiliano, a
ditadura do Presidente Diaz e as concepções sociais modernas da Revolução. Mas
não vereis a civilização indígena, a não ser em seus filhos que estão em toda a
parte e formam verdadeiramente o povo mexicano. Por seu aspecto exterior, como
por sua cultura material e social, são europeus, mas em seu espírito subsiste a
marca do caráter asteca, assim como nas paredes de suas igrejas subsistem as
pedras dos antigos templos pagãos”.
[...]
O tipo físico dos índios e as
dezenas de línguas e dialetos ainda falados em algumas regiões do México chamam
a atenção dos estudiosos do passado pré-colombiano.
Encerremos estas considerações com as seguintes observações, já antigas, de Vaillant sobre a presença marcante dos Astecas na capital mexicana: Próximo à catedral “uma larga fossa escancarada deixa perceber o ângulo da escadaria do grande templo. A rua que, de leste a oeste, corre por trás da catedral, foi objeto de escavações que proporcionaram miríades de objetos arrancados ao templo pelo furor dos conquistadores.
Encerremos estas considerações com as seguintes observações, já antigas, de Vaillant sobre a presença marcante dos Astecas na capital mexicana: Próximo à catedral “uma larga fossa escancarada deixa perceber o ângulo da escadaria do grande templo. A rua que, de leste a oeste, corre por trás da catedral, foi objeto de escavações que proporcionaram miríades de objetos arrancados ao templo pelo furor dos conquistadores.
Zocalo, a grande ‘Plaza de la
Constitución’, recobre a antiga praça principal de Tenochtitlán. Os seis metros
de espessura de suas fundações são constituídos pelos restos de templos,
demolidos pela maior glória de Deus. Quem saberá jamais quantas peças
incomparáveis da arte asteca estão enterradas lá? A oeste, o palácio
presidencial repousa sobre os antigos pátios do palácio de Montezuma. A pouca
distância, ao norte, sobre as paredes do Ministério da Educação Nacional, todo
o drama do índio e de sua liberação aparece, nos afrescos tumultuosos devidos
ao gênio de Rivera”.
Os antigos Maias estão bem
presentes no mundo contemporâneo através de seus descendentes. Morley em sua obra
clássica, La civilización maya,
lembra os descendentes modernos dos
antigos maias, especialmente os da metade norte da Península de Yucatán que “se
assemelham de tal maneira às figuras que aparecem nos monumentos e nas
pinturas, que bem poderiam ter servido de modelo para a execução das mesmas”.
Os antigos maias se fazem
presentes também através dos diversos dialetos maias ainda falados em regiões
do México, da Guatemala, de Honduras e de Belize. Morley, ao focalizar a
natureza da língua maia, cita Alfredo Barrera Vasquez sobre a influência da
língua maia no castellano: “declara
que durante os quatro séculos que o Maia esteve em contacto com o castellano em Yucatán, influiu
poderosamente não só no vocabulário deste idioma que se fala no local, mas também
em sua lexicografia, morfologia, fonética e sintaxe, enquanto que o espanhol
que se fala em Yucatán somente afetou o vocabulário maia pela adição de
palavras que não se conheciam anteriormente entre os Maias”.
Os produtos da arte maia que
emergiram da floresta tropical, para assombro dos cultores da América
pré-colombiana, constituem um riquíssimo legado aos estudiosos da história das
artes, que não se cansam de pesquisar e admirar a obra imortal dos gregos da
América!
Vários costumes dos antigos Maias
sobreviveram ao passar dos séculos e ao contacto com a civilização implantada
pelos espanhóis. Vejamos apenas alguns exemplos. Lehmann lembra que um dos
ritos dos antigos Maias subsiste entre os Maias lacandones: queimar copal
durante as cerimônias. O culto da chuva, anota Hammond, sobrevive ainda na
maior parte da área maia. O mesmo autor lembra que foi constatado o uso do
calendário maia ainda em nossos dias.
Os Incas deixaram marcas
indeléveis nas regiões que outrora dominaram. Lembremos, em primeiro lugar, a
presença dos descendentes da população que integrou o império inca. Bushnell
sublinha: “Os nobres incas desapareceram há muito, e atualmente, sob a
República, a distinção entre os índios e os de sangue misto, os mestiços, é um
pouco confusa; mas existem ainda muitas comunidades tipicamente índias, que
refletem a tradição dos antigos ayllus, a base da pirâmide da sociedade inca”.
A língua quéchua, a mais
importante língua de cultura na América do Sul pré-colombiana, oficializada
pelos Incas nos territórios sob seu domínio, ainda é falada em várias regiões:
“Na atualidade é falada em toda a região andina do Equador, a Serra do Peru,
parte do norte de La Paz e toda a região central e sul da Bolívia, Santiago del
Estero, na Argentina e alguns outros lugares das províncias do norte,
particularmente em Jujuy” (Ibarra Grasso, Lenguas
indígenas americanas, p. 61).
Compreende-se que velhos costumes
tenham persistido através das gerações. Assim, por exemplo, “pastores andinos
ainda usam uma forma de quipu para
fazer a contagem de seus rebanhos...”
E por que não lembrar que o jarro de base cônica e gargalo alto e
bojudo conhecido, como aryballus,
ainda é usado largamente nos Andes, “porque se torna fácil transportá-lo às
costas, com a ajuda de uma corda que passa através das duas pegas de presilha
verticais e da pequena espiga abaixo do gargalo; esta pequena espiga está
geralmente modelada em forma de cabeça de animal”.
Nas festas de cunho folclórico
celebradas em diferentes locais da região andina, outrora ocupada pelos Incas,
não é difícil perceber os reflexos distantes da cultura inca, quer na magia do
colorido das roupas quer na pintura das máscaras quer nas danças ritmadas pelo
som de estranhos instrumentos musicais.
Concluamos mencionando as
impressionantes ruínas que restaram emolduradas pelo cenário grandioso da
cordilheira e que constituem um perene atestado da magnitude da obra realizada
pelos descendentes daqueles imigrantes que inicialmente integraram em situação
de inferioridade a Confederação de Cuzco e que com vigor e persistência
admiráveis construíram a estrutura político-social de um império que ainda hoje
é motivo de espanto e admiração e constitui objeto de profundas pesquisas por
parte dos renomados cientistas que se empolgaram pelas realização dos filhos do
Sol.
GIORDANI, Mário Curtis. História da América pré-colombiana: Idade
Moderna II. Petrópolis: Vozes, 1997. p. 255-259.
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