Faraós núbios
[...] Convém lembrar, aqui, que se aprofundam os estudos no sentido de estabelecerem-se os vínculos existentes entre a terra dos faraós e a África Negra. Procura-se aproximar, mediante técnicas lingüísticas apropriadas, o antigo egípcio e as línguas atuais da África Negra. “Também o historiador deverá estar preparado para uma radical mudança de perspectiva quando for desvendada uma macroestrutura cultural comum entre o Egito faraônico e o resto da África Negra” (OBENGA).
Templo egípcio, Karl Richard Lepsius
Na Europa Medieval pode ser
apontado como legado da África Negra a contribuição do ouro africano para a
economia medieval. Davidson anota: “À medida que o tempo foi passando, os povos
da Europa, erguendo-se da sua pobreza nos inícios da Idade Média, começaram a
considerar a África em virtude do ouro de que precisavam. Depois de 1300 d.C.,
aproximadamente, as primeiras moedas de ouro feitas na Inglaterra desde a época
romana foram cunhadas com metal trazido da África Ocidental através do Saara. Para
obterem esse ouro os ingleses, e outros com eles, exportavam as suas próprias
mercadorias manufaturadas. Tinham poucas coisas para oferecer, mas faziam o
melhor que podiam para competirem com os mercadores norte-africanos, asiáticos
ou sul-europeus. Séculos mais tarde, em 1896, os britânicos invasores travaram
uma batalha contra o Império Achanti, então senhor da maior parte do Ghana
moderno. Descobriram ali uma bela vasilha de prata feita na Inglaterra antes de
1400 d.C. e estampada com o emblema do rei inglês Ricardo II, que reinou de 1377 a 1399. Foi sem dúvida
um dos objetos que os ingleses tinham vendido, através de comerciantes árabes e
outros “intermediários”, com o objetivo de comprarem ouro na África Ocidental”.
No campo religioso um dos
aspectos mais interessantes da influência da África Negra é a [...] africanização
do Islam.
Hampaté Ba observa: “De fato, por
onde se espalhou, o Islam não adaptou a tradição africana a seu modo de pensar,
mas, pelo contrário, adaptou-se à tradição africana quando – como normalmente
ocorria – esta não violava seus princípios fundamentais. A simbiose assim
originada foi tão grande que por vezes torna-se difícil distinguir o que
pertence a uma ou a outra tradição”.
Um aspecto interessante do legado
da África Negra a outro continente e que se situa num plano de estudos muito
especializados é a contribuição do continente africano no campo de cereais
importantes, como, por exemplo, o sorgo e o arroz. Claro está que a África também
recebeu plantas de outras regiões do globo [...].
A África pré-histórica deixou um
notável legado. Não se trata somente dos preciosos fósseis que têm levado os
antropólogos a diferentes teorias sobre o continente africano considerado como
o berço da humanidade. Trata-se das relações entre os tipos “raciais” (o termo é
controvertido) modernos do continente e o modelo antigo dos grandes grupos
antropológicos. Na medida em que os perfis antropológicos apresentam uma constância
notável (até mesma milenária), “não é errôneo extrapolar para a pré-história
algumas das características do quadro étnico atual” (OLDEROGGE).
A África pré-histórica deve ainda
ser recordada pelo importante legado no campo artístico. Com efeito, ao estudar
a arte pré-histórica africana, Ki-Zerbo acentua a íntima relação que existe
entre as características dessa arte (popular, quotidiana, senso de humor que é
a ironia alegre ou amarga da vida, esotérica, vibrante como um fervor místico)
e a condição do homem africano moderno, “tão espontâneo e quase trivial no dia
a dia, tão sério e místico quando tomado pelo ritmo de uma dança religiosa. Em
suma, a arte pré-histórica africana não está morta. Ela vive, ainda que apenas
nos topônimos que perduram. Um vale afluente do Uede Djerat, denominado Tin
Tehed, ou seja, “o lugar da jumenta”, é efetivamente marcado por uma bela
gravura de asno. Issoukai-n-Afella tem a fama de ser assombrado por espíritos
(djenoun) talvez porque, diante de um monte de seixos constituídos por
arremessos de pedras votivas, exista uma figura zoomorfa assustadora, que reúne
os atributos da raposa aos da coruja, sem falar num sexo de tamanho descomunal”.
[...] Focalizar o passado humano
da África, especialmente da África Negra, significa ampliar consideravelmente
os horizontes da história abrindo à fascinante disciplina de Clio uma
perspectiva verdadeiramente universal. Esta ampliação de horizontes,
enfatize-se, não se dá somente com relação à própria matéria, objeto de estudo
da história. Abrande a própria metodologia da história como ciência. Obenga
anota: “A prática da história da África torna-se um permanente diálogo
interdisciplinar. Novos horizontes se esboçam graças a um esforço teórico inédito.
A noção de “fontes cruzadas” exuma, por assim dizer, do subsolo da metodologia
geral, uma nova maneira de escrever a história. A elaboração e a articulação da
história da África podem, consequentemente, desempenhar um papel exemplar e
pioneiro na associação de outras disciplinas à investigação histórica”.
Lembremos aqui a importância
fundamental das fontes orais na pesquisa do passado da África. Pode-se mesmo
afirmar que os historiadores da África realizaram, na utilização dessas fontes,
um verdadeiro trabalho de pioneirismo.
Os estudiosos das estruturas
político-sociais muito aprenderam do passado da África Negra: “Poucos se
prontificavam a reconhecer, por exemplo, que uma das grandes realizações da África
fora provavelmente a sociedade sem Estado, fundada mais sobre a cooperação do
que sobre a opressão, e que o Estado africano se havia organizado de maneira a
realmente apresentar autonomias locais” (CURTIN).
GIORDANI, Mário Curtis. História da África: anterior aos
descobrimentos. Petrópolis: Vozes, 2013. p. 251-254. (Idade Moderna I)
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