“... moças brasileiras... voltai o rosto ao Exército que passa! Estes não
merecem vossos olhares...”
(Tenente Siqueira Campos)
Revolta dos 18 do Forte de Copacabana: tenentes vão de encontro às forças
legalistas, na Avenida Atlântica, Rio de Janeiro, 6/7/1922 Fotógrafo
desconhecido
A hegemonia da oligarquia
paulista (habilmente repartida com a oligarquia mineira, a “carneirada”, cuja
força advinha de sua participação majoritária no Congresso) atravessara incólume
os trinta primeiros anos da República. A explicação estava no eficiente
funcionamento de um sistema de dominação alicerçado em pelo menos três
elementos: o mandonismo dos coronéis,
a política dos governadores e o
emprego da força do Estado nas inúmeras
vezes em que isso pareceu necessário.
Crises resultantes das disputas
sucessórias, como a de 1910, em que São Paulo e Minas apresentaram candidatos
opostos, eram logo contornadas pelas próprias oligarquias estaduais. Elas
evitavam sempre o enfrentamento armado, no plano nacional, pois isso poderia
enfraquecer o sistema de dominação.
A liderança paulista era
reconhecida pelas oligarquias estaduais dominantes, pelos industriais (em
particular o grupo de São Paulo) e ainda por um significativo setor da
sociedade brasileira, as camadas médias urbanas mais favorecidas, cujos membros
ocupavam altos cargos na administração pública. Estas camadas se originaram, em
parte, de aristocráticas famílias imperiais decadentes, destacando-se muitos
bacharéis dispostos a colaborar na direção do país, em troca do que podiam
manter seu antigo status social. Acreditando
nos mesmos valores liberais-conservadores das classes proprietárias, contribuíam,
com o seu trabalho intelectual, para a consolidação do sistema oligárquico.
As parcelas empobrecidas das
camadas médias – funcionários públicos, empregados de escritório, comerciários,
bancários etc. – assim como as classes trabalhadoras do campo e da cidade
estavam inteiramente excluídas do sistema de poder. Os indivíduos mestiços,
assim como os negros, continuavam sofrendo o peso da discriminação racial e da
desqualificação profissional, mal se integrando no mercado capitalista de
trabalho. Por muitos anos ainda, negros e mestiços continuariam engrossando a
grande massa de subempregados (ambulantes, biscateiros e empregados domésticos)
e de desempregados.
A única oposição tida como legítima
pelos que controlavam o sistema e por isso tolerada, era a das oligarquias dissidentes.
Elas brigavam apenas pelo poder, jamais tendo a intenção de destruir os
fundamentos materiais (a grande propriedade, o poder oligárquico etc.) e ideológicos
(o pensamento liberal-conservador) do regime.
O regime era oligárquico,
antidemocrático, afastado da “obra apenas doutrinariamente bela”, segundo
Oliveira Viana, a Constituição de 1891. O desabafo de um republicano histórico –
“Não é esta a República dos meus sonhos” – exprimia o sentimento de todas as
forças sociais de oposição, muito embora cada uma delas imaginasse alternativas
bem diferentes de república.
No início dos anos 20, a insatisfação dominava
também boa parte dos oficiais jovens do Exército, instituição que, desde o
governo Floriano, mantivera-se subordinada aos interesses oligárquicos.
No início do século, esses
oficiais – originários principalmente das camadas médias – constituíam uma
corrente formada na recém-criada Escola do Realengo, situada na Vila Militar do
Rio de Janeiro, e manifestavam um duplo descontentamento. Formados na concepção
de que a missão do Exército era sobretudo “servir à nação” e desenvolver
trabalhos meramente profissionais (doutrina diferente da positivista, que
predominava na antiga Escola da Praia vermelha e no Sul, estimulando a
politização dos militares), muitos deles, na maioria tenentes e capitães,
insurgiram-se contra a cúpula do Exército que acusavam de “servilismo contumaz”
e contra as próprias oligarquias dominantes. Em contato maior com a tropa, que
mais sofria os efeitos da crônica inflação, sensibilizaram-se pelos protestos
das camadas médias contra o regime oligárquico. Desagradava-lhes, também, a
maior atenção dada às forças públicas estaduais – melhor equipadas que o Exército
e sob o controle dos grupos dominantes -, e, acima de tudo, o fato de terem de
se submeter ao papel de preservar um regime que consideravam corrupto.
Em 1918, Rodrigues Alves foi
eleito presidente pela segunda vez. Morrendo logo depois, as oligarquias
paulista e mineira elegeram o paraibano Epitácio Pessoa. O seu governo
(1919-1922), excessivamente conservador e tendo de enfrentar os efeitos da
crise internacional de 1920-21, acabou sendo combatido por diversos setores das
classes dominantes, contrariada por sua negação de continuar subsidiando o café
e de favorecer a indústria.
A disputa pela sucessão de Epitácio
Pessoa, em meio a forte crise política, marcaria o início de uma série de novas
crises que abalariam o regime. As duas oligarquias dominantes indicariam o
mineiro Artur Bernardes, pois era a “vez” de Minas. Pretendendo chegar ao poder
nacional, o Partido Republicano Rio-Grandense, sob o comando de Borges de
Medeiros, opôs-se à candidatura de Bernardes e, com o apoio de militares
hermistas e a participação das oligarquias dominantes da Bahia, de Pernambuco e
do Rio de Janeiro, formou a Reação
Republicana, lançando para presidente o fluminenses Nilo Peçanha.
A oposição preparou uma “campanha
à americana”, com muitos comícios, faixas e desfiles, além de um programa
liberal e moralizante: contra a falsificação eleitoral, suborno e as máquinas públicas.
Era, porém, um liberalismo de fachada, destinado a conquistar o apoio das
camadas urbanas, cujo peso eleitoral aumentava. Como esperar, afinal, que as
reformas apregoadas fossem realizadas por dissidentes “liberais”, que diziam
condenar procedimentos por eles mesmos praticados e dos quais dependiam para
vencer?
As forças ditas “liberais” e “regeneradoras”
da “Reação Republicana” ainda tentaram impedir a posse de Artur Bernardes, o
candidato vitorioso, publicando no Correio
da Manhã, jornal de oposição do Rio, uma carta falsa a ele atribuída e
contendo insultos ao Exército. A carta provocou a sublevação de várias unidades
militares, porém sem maiores consequências.
ALENCAR, Francisco [et alli]. História da sociedade brasileira. Rio de
Janeiro: Ao Livro Técnico, 1996. p. 291-293.
NOTAS:
1) O
texto "O tenentismo: o contexto histórico" não representa, necessariamente, o
pensamento deste blog. Foi publicado com o objetivo de refletirmos sobre a
construção do conhecimento histórico.
2) Continue lendo no próximo post - "O tenentismo: as rebeliões" - a ser publicado dia 7 de novembro.
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