O vestuário designa todas as categorias sociais, é um
verdadeiro uniforme. Levar vestuário de uma condição diferente da sua é cometer
o pecado capital da ambição ou da degradação. O pannous (o indigente vestido de farrapos), é desprezado. [...] As
regras monásticas fixam cuidadosamente o hábito dos seus membros – mais por
respeito pela ordem que pela preocupação de evitar o luxo.
[...] As ordens mendicantes iriam
mais longe e vestiriam burel, tecido cru. Seriam os monges pardos. Cada nova
categoria social se apressa a criar o seu vestuário. Assim fazem as corporações
e, em primeiro lugar, a corporação universitária. Dá-se atenção especial aos
acessórios que mais particularmente determinam o grau: os chapéus e as luvas. Os
doutores usam compridas luvas de camurça e boina. Os cavaleiros reservam para
si as esporas. Fato curioso para nós: o armamento medieval é demasiado
funcional para constituir um verdadeiro uniforme. Mas os cavaleiros, ao criar a
nobreza, juntam ao elmo, ao escudo e às espadas as armarias. Nasceu o brasão.
Os ricos exibem o luxo do vestuário,
que se mostra na qualidade e quantidade do tecido: panos pesados, amplos,
finos, sedas bordadas a ouro; mostra-se
também nos enfeites: as cores, que mudam com a moda – o escarlate, dependente
dos corantes vermelhos...
A casa é a última manifestação da diferenciação social. A
casa do camponês é de adobe ou de madeira [...]. Geralmente, reduz-se a um só
compartimento e tem por chaminé uma abertura no telhado. Pobremente mobiliada e
apetrechada, não cativa o camponês. A sua pobreza contribui para a mobilidade
dos camponeses medievais.
As cidades são ainda construídas,
principalmente, de madeira. São fáceis presas para os incêndios. O fogo é um
grande flagelo medieval. [...] A Igreja não tinha grande dificuldade em
persuadir os homens da época de que eram peregrinos neste mundo. Mesmo sedentários,
raramente tinham tempo de apegar-se às suas casas.
Já o mesmo não sucede com os
ricos. O castelo é sinal de segurança, de poderio e de prestígio. No século XI
erguem-se as torres e vence a preocupação da defesa. Em seguida, precisam-se os
encantos da habitação. Continuando bem defendidos, castelos passam a dar mais
lugar aos alojamentos e criam edifícios de habitação dentro das muralhas. Mas a
vida ainda se concentra na sala grande. O mobiliário é diminuto. As mesas, em
geral, são desmontáveis e, uma vez concluídas as refeições, são retiradas. O móvel
normal é a araçá ou baú, onde são arrumadas as roupas ou a baixela. Esta é de
um supremo luxo, resplandece e é também uma reserva econômica. [...] Outro luxo
está em tapeçarias, que são, também, utilitárias: postas ao alto, fazem de
biombo e separam as câmaras. São transportadas de castelo em castelo e recordam
a este povo de guerreiros a sua habitação por excelência, a tenda.
Cena de casa de banhos. Miniatura anônima do século XV
Mas talvez as grandes damas – é o
mecenato das mulheres – levem mais longe o rebuscamento da ornamentação de
interiores. Segundo Baudri de Bourgueil, a câmara de dormir de Adèle de Blois,
filha de Guilherme, o Conquistador, tinha nas paredes tapeçarias que
representavam o Antigo Testamento e as Metamorfoses, de Ovídio, e panejamentos
bordados com a história de Inglaterra. As pinturas do teto representavam o céu
com a Via Láctea, as constelações, o zodíaco, o Sol, a Lua e os planetas. O chão
era um mosaico que representava um mapa-múndi com monstros e animais. Um leito
com baldaquino era sustentado por oito estátuas [...].
O sinal do prestígio e da riqueza
era a pedra, ao torres que rodeavam o castelo. O mesmo faziam na cidade, por
imitação, os burgueses ricos: “casa forte e bela”, como se dizia. Mas o burguês
iria ligar-se à casa e mobiliá-la. Também neste aspecto daria à evolução do
gosto a sua marca característica inventando o conforto.
Cena de banquete. Miniatura do século XV. Artista desconhecido
A alimentação [...] foi uma obsessão da sociedade
medieval. A massa campesina tinha de contentar-se com pouco. A base da sua
alimentação eram as papas. O principal acompanhamento reduzia-se frequentemente
aos produtos de apanha. Mas o [...] acompanhamento de pão espalhou-se em todas
as categorias sociais nos séculos XII e XIII – e foi então que o pão tomou
verdadeiramente no Ocidente a significação quase mítica que a religião lhe dá. A
classe campesina tem, porém, uma festa alimentar: a matança do porco, em
dezembro, cujos produtos alimentam os festins do fim do ano e as refeições do
longo inverno...
A alimentação é a principal
oportunidade que têm as classes dominantes da sociedade para manifestar a sua
superioridade nesse essencial domínio das aparências. O luxo alimentar é o
primeiro de todos. Exibe os produtos reservados: a caça das florestas
senhoriais, os ingredientes preciosos, especiarias compradas por alto preço, e
os pratos raros, preparados pelos cozinheiros. [...] A mesa senhorial é também
uma oportunidade para exibir e fixar as regras de etiqueta. [...]
Cena de caça. Dezembro (detalhe). Livro de Horas do Duque de Berry, Irmãos Limbourg. Século XV
Uma vez satisfeitas as necessidades essenciais da
subsistência e, quanto aos ricos, as exigências – não menos essenciais – do prestígio,
pouco ficava aos homens da Idade Média. Sem as preocupações com o bem-estar,
sacrificavam tudo às aparências quando isso estava nas suas possibilidades. As
suas únicas alegrias profundas e desinteressadas eram a festa e os jogos, mas,
nos grandes, a festa era também ostentação e autopropaganda.
Cena de torneio, Barthélémy d'Eyck. Século XV
O castelo, a igreja, a cidade
eram cenários teatrais. É sintomático que a Idade Média não tenha tido um local
especial para as representações teatrais. Os palcos e as representações eram
improvisados onde houvesse um centro de vida social. Na igreja, as cerimônias
religiosas eram festas, e é do drama litúrgico que sai o teatro. No castelo, os
banquetes, os torneios, os espetáculos dos trovadores, dos jograis, dos
bailarinos e dos domadores de ursos sucedem-se. Na cidade, os teatros de
saltimbancos erguem-se nas praças [...]. Todas as classes da sociedade fazem
das suas festas familiares cerimônias ruinosas: os casamentos deixam os
camponeses na pobreza durante anos, e os senhores durante meses. O jogo exerce
uma singular sedução sobre esta sociedade alienada. Escrava da natureza, entrega-se
ao acaso: os dados rolam em todas as mesas. Prisioneira de rígidas estruturas
sociais, faz da própria estrutura social um jogo: é o caso do xadrez [...]. Projeta
e sublima as suas preocupações profissionais em jogos simbólicos e mágicos: os
torneios e os desportos militares exprimem a essência da vida cavalheiresca e
as festas folclóricas, o ser das comunidades campesinas. [...] E, em especial,
a música, o canto, a dança arrastam todas as classes sociais...
LE GOFF, Jacques. A civilização do Ocidente Medieval. Lisboa:
Estampa, 1984. v. 2. p. 88-9, 91, 121-7.
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