"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos
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sexta-feira, 31 de agosto de 2012

A "pax romana"

Coreógrafos e atores. Mosaico romano. Casa do poeta trágico, Pompéia. 

A brilhante habilidade política de Augusto deu início à maior era romana. Nos duzentos anos seguintes o mundo mediterrâneo desfrutou as bênçãos da pax romana. O mundo antigo nunca vivera um período tão prolongado de paz, ordem, administração eficiente e prosperidade. Embora a Augusto se tivessem seguido governantes tanto eficientes quanto ineptos, as características essenciais da pax romana persistiram.

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Os romanos chamaram a pax romana de "era da felicidade". Esse foi o período em que Roma cumpriu sua missão - a criação de um Estado mundial que proporcionou paz, segurança, civilização ordenada e o governo da lei. As legiões romanas defenderam as fronteiras dos rios Reno e Danúbio das incursões das tribos germânicas, contiveram os partos do Oriente e sufocaram os raros levantes que ocorreram. O sistema de adoção para a escolha de imperadores propiciou a Roma estabilidade interna e uma série de imperadores de excepcional capacidade. Esses imperadores não usaram a força militar desnecessariamente e lutaram por objetivos políticos sensatos. Os generais não combatiam de maneira imprudente, preferindo conter as baixas, evitar riscos e desencorajar os conflitos mediante a exibição de força.

O domínio construtivo. Foi construtivo o domínio de Roma. Eles construíram estradas, melhoraram portos, desbravaram florestas, drenaram pântanos, irrigaram desertos e cultivaram terras ociosas. Os aquedutos que fizeram levavam água fresca para grandes parcelas da população, e o sistema de esgoto eficaz melhorou a qualidade de vida. As mercadorias eram transportadas por estradas que os soldados romanos tornavam seguras e pelo mar Mediterrâneo, então livre de piratas. Circulava pelo Império uma grande variedade de mercadorias. Contribuía para o bem-estar do mundo mediterrâneo a moeda estável, não sujeita a depreciação.

Fundaram-se muitas cidades novas e as antigas tornaram-se maiores e mais ricas. Embora essas municipalidades houvessem perdido o poder de mover guerras e tivessem de se curvar à vontade dos imperadores, conservaram considerável liberdade de ação nos negócios locais. As tropas imperiais impediam as guerras civis tanto dentro das cidades como entre elas - dois pontos tradicionais dentro da vida urbana no mundo antigo. As municipalidades eram centros da civilização greco-romana, que se estendeu até os mais longínquos recantos do Mediterrâneo, dando continuidade a um processo iniciado na idade helenística. A cidadania, generosamente conferida, foi finalmente estendida a quase todos os homens livres, através de um decreto em 212 d.C.

Melhorias das condições dos escravos e das mulheres. Melhoraram também as condições daqueles que se encontravam na base da sociedade, os escravos. Na época de Augusto, podia-se estimar a quantidade de escravos em um quarto da população italiana. No entanto, esse número declinava à medida que Roma movia menos guerras de conquista. Além disso, durante o Império tornou-se comum a libertação de escravos. Os libertos tornavam-se cidadãos, com quase todos os direitos e privilégios dos demais: seus filhos não sofriam quaisquer discriminações jurídicas. Durante a República, os escravos haviam sido terrivelmente mal-tratados, muitas vezes eram mutilados, atirados às feras, crucificados ou queimados vivos. Vários imperadores promulgaram decretos protegendo-os contra senhores cruéis.

A posição da mulher melhorou pouco a pouco durante a República. A princípio, viviam sob a autoridade absoluta do marido. No tempo do Império, elas podiam ter bens e, se divorciadas, conservar o dote. Os pais já não podiam forçar as filhas a casarem contra a vontade. As mulheres podiam realizar negócios e dispor em testamento sem o consentimento dos maridos. Ao contrário das gregas, as romanas não ficavam reclusas em casa, mas podiam ir e vir à vontade. As mais ricas tinham mais oportunidade de educação que as mulheres da elite grega. A história do Império, na verdade toda a história romana, está cheia de mulheres talentosas e influentes: Cornélia, mãe de Tibério e Caio Graco, influenciou a política romana através de seus filhos. Lívia, a dinâmica mulher de Augusto, muitas vezes era consultada sobre importantes assuntos do governo; e, no século III, houve ocasiões em que mulheres controlaram o trono.

A comunidade mundial. Desde a Britânia até o deserto da Arábia, desde o Danúbio até as areias do Saara, quase 70 milhões de pessoas com diferentes línguas, costumes e histórias estavam ligadas pelo governo de Roma numa comunidade mundial. Ao contrário da República, quando eram notórias a corrupção e a exploração das províncias, os representantes do Império tinham um alto senso de respeitabilidade na preservação da paz, na instituição da justiça e na difusão da civilização romana.

Ao criar uma comunidade política estável e bem-organizada, com uma concepção ampla de cidadania, Roma resolveu os problemas causados pelas limitações da cidade-estado grega: guerras civis, guerras entre cidades e uma atitude provinciana que dividia os homens em gregos e não-gregos. Roma também fez frutificar um ideal da cidade-estado grega: a promoção e a proteção da vida civilizada. Ao construir uma comunidade mundial que rompeu as barreiras entre as nações, ao preservar e difundir a civilização greco-romana e desenvolver um sistema racional de direito que se ampliava a toda a humanidade, Roma concretizou a tendência ao universalismo e cosmopolitismo que surgira na idade helenística.

PERRY, Marvin. Civilização ocidental: uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 104, 107-108.