Mas a insatisfação e a rebeldia
de um grupo significativo de jovens capitães e tenentes do Exército (e também
alguns da Marinha) resultariam numa ação mais radical. O fechamento, por ordem
do Governo, do Clube Militar e a prisão de seu presidente, o marechal Hermes,
acusado de interferir indevidamente na política pernambucana, fizeram explodir
a revolta. Na madrugada de 5 de julho, um grupo de oficiais, sob o comando do
capitão Euclides da Fonseca, filho do marechal, tomou o Forte de Copacabana, de
onde atacou o quartel-general do Exército, enquanto outras unidades na Vila
Militar do Rio, em Niterói e em Mato Grosso também se rebelavam.
No dia seguinte, o Congresso, com
a concordância dos membros da Reação Republicana, aprovou a decretação do
estado de sítio. Depois de inúmeras desistências, um grupo menor (teriam sido
18, segundo o oficial Nilton Prado, e 28, segundo o historiador Hélio Silva)
deixava o forte, iniciando a marcha heróica e romântica pela praia de
Copacabana, contra as tropas do Governo, “dispostos a resistir até a morte”. No
meio do caminho, alguns soldados fugiram ou foram presos. Ficaram até o combate
final e suicida, na rua, apenas quatro oficiais (Siqueira Campos, Eduardo
Gomes, Bilton Prado e Mário Carpenter) e quatro soldados (Manoel Antônio dos
Reis, Hildebrando Silva Nunes e dois desconhecidos, um preto e um branco), além
do civil Otávio Correia, que aderiu ao grupo na rua, e do soldado eletricista
José Pinto de Oliveira; este, ainda no forte, ajudou a cortar a bandeira
brasileira em pedaços, com os quais os revoltosos se enrolaram. No tiroteio, à
altura da rua Siqueira Campos, apenas os dois primeiros escaparam – um deles,
Eduardo Gomes, com um grave ferimento. O episódio ficou conhecido como “Os
Dezoito do Forte”.
Revolta dos 18 do Forte de
Copacabana: da esquerda para direita, tenentes Eduardo Gomes, Siqueira Campos, Nílton Prado
e o civil Otávio Correia. Fotógrafo desconhecido
A segunda rebelião tenentista
ocorreu dois anos depois. A crise internacional de 1929-21 levara o presidente
Bernardes (1923-1926) a decretar a terceira operação valorizadora do café,
responsável em grande parte pelo assustador aumento do custo de vida e pela
elevação da dívida externa. Bernardes, governando a maior parte do tempo sob
estado de sítio, reprimiu manifestações populares contra a carestia e greves
dirigidas pelos anarquistas. Enquanto isso, acentuavam-se os atritos entre o
governo e os tenentes, descontentes com a condenação dos implicados em 1922 e a
remoção de oficiais para regiões distantes.
No dia 5 de julho de 1924, depois
de meses de conspiração preparada, entre outros, pelos tenentes Joaquim Távora,
Juarez Távora e Eduardo Gomes, diversas unidades militares se sublevaram em São
Paulo. Sob o comando de dois generais adeptos da causa tenentista – Miguel Costa
e Isidoro Dias Lopes – eles definiam num manifesto suas posições.
“O Exército não tem ambições e
não quer postos. Age abnegadamente, por altruísmo brasileiro e
fundamentalmente patriótico, e, nesse sentido, os chefes do movimento
revolucionário querem dar o exemplo que empresta autoridade a sua crítica aos
republicanos que, até agora, ocuparam os altos postos da administração do país
e que, com raras exceções, não souberam servi-lo nos seus interesses gerais. [...]
O Brasil está reduzido a
verdadeiras satrapias, desconhecendo-se completamente o merecimento dos
homens e estabelecendo-se como condição primordial, para o acesso às posições
de evidência, o servilismo contumaz que, movendo-se pela mola das ambições,
cada vez mais se generaliza, constituindo fator de degradação social. O povo
ficou reduzido a uma verdadeira situação de impotência, asfixiado em sua
vontade pela ação compressora dos que detêm as posições políticas e
administrativas.”
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Os revoltosos de São Paulo
queriam a formação de um governo provisório, a eleição de uma constituinte e a
realização de reformas políticas de cunho liberal. Eram reformas que não se
chocavam com os princípios da ordenação constitucional da República Velha, como
a adoção do voto secreto e a proibição de reeleição dos presidentes do governo
federal e dos estados.
Já no Amazonas, predominavam tendências
radicais. Os rebeldes, favoráveis a reformas econômicas e sociais de caráter
socialista, constituíram um conselho governativo chefiado pelo tenente Ribeiro
Júnior, propondo-se “a varrer o capitalismo do Brasil”. Criaram o Tributo da
Redenção (imposto dos ricos para socorrer os pobres), prenderam os
especuladores de gêneros e expropriaram matadouros de capitalistas ingleses,
entregando-os à Comuna de Manaus. Depois
de trinta dias de governo, foram derrotados pelas forças legalistas.
Em São Paulo, os combates
estenderam-se por diversos bairros, obrigando o presidente do Estado a
abandonar o Palácio dos Campos Elíseos. Depois de 22 dias de lutas, os
revoltosos seguiram para o Paraná onde, em abril de 1925, juntaram-se a uma
Coluna vinda do Sul, sob o comando do tenente Luiz Carlos Prestes. Ali, os dois
grupos se juntaram e decidiram estender a campanha antigoverno a todo o país. Iniciava-se,
assim, sob o comando do general Miguel Costa e de Luiz Carlos Prestes (o “Cavaleiro
da Esperança”) a Coluna Prestes – na época,
“a mais importante demonstração de guerrilha do continente”, segundo o
historiador Hélio Silva.
Comando da Coluna Prestes: Luís
Carlos Prestes é o terceiro sentado, da esquerda para a direita. Fotógrafo
desconhecido
Entre abril de 1925 e fevereiro
de 1927, os rebeldes, com 800
a 1.500 civis e militares percorrem cerca de 24.000 quilômetros ,
sem perder qualquer dos 53 combates travados contra as forças governamentais e
a jagunçada de muitos coronéis.
“Em suas andanças, a Coluna
palmilha o sertão e foge às áreas mais povoadas, atacando apenas uma vez uma
cidade maior, Teresina, na esperança de apoio de revolucionários locais... É
verdade que a população rural do Piauí e do Maranhão trata bem a coluna,
ajudando e fornecendo víveres e informações. Mas a propaganda, acrescida de
estragos e requisições, leva a hostilizar homens cujos objetivos essas populações
não entendiam e não podiam entender.... no Ceará a população atacou os
revolucionários porque pensavam – como dizia a propaganda bernardista – que eram
ateus e iam prostituir as mulheres.”
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Em 1929, os principais líderes da
Coluna exilaram-se na Bolívia e Prestes, seu maior estrategista, afirmou que a
luta não tinha mais sentido pois Bernardes já não governava. A justificativa,
contrastando com o esforço feito, revelava uma das limitações do movimento: era
em parte dirigida à pessoa do presidente, o que esvaziava o seu caráter político.
O tenentismo nunca teve uma
unidade nem chegou a elaborar um programa político claro, embora evoluísse com
o tempo. Em 1922, predominava já a ideologia liberal, mas a visão romântica era
forte em oficiais dispostos a atos isolados de heroísmo e preocupados com a
reação das “moças brasileiras”. A partir de 1924, duas tendências se
diferenciavam cada vez mais: uma radical e minoritária – com os rebeldes do
Amazonas e os que no final da década seguiriam Luiz Carlos Prestes – queria reformas
sociais e econômicas, reformas de estrutura; outra, predominante, contentava-se
com reformas políticos de cunho liberal, o que facilitaria sua aproximação com
as oligarquias dissidentes, como veio a ocorrer em 1930.
As duas correntes, além do mais,
eram elitistas e militaristas. Em nenhuma das revoltas pensaram em mobilizar o
povo e, por mais de uma vez, renegaram o apoio popular, como foi o caso do
general Isidoro Dias Lopez, que não aceitou a adesão dos operários anarquistas
de São Paulo. Como notou Edgard Carone: “A pequena-burguesia é espectadora; o
operariado não encara o movimento como seu.”
ALENCAR, Francisco [et alli]. História da sociedade brasileira. Rio de
Janeiro: Ao Livro Técnico, 1996. p. 293- 296.
NOTA: O texto "O tenentismo: as rebeliões" não representa,
necessariamente, o pensamento deste blog. Foi publicado com o objetivo de
refletirmos sobre a construção do conhecimento histórico.
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