Colônia Cecília
Na segunda metade do século XIX
cresceu a imigração européia para o Brasil e outros países americanos. Os
problemas socioeconômicos e políticos, existentes em diversas sociedades européias,
funcionaram como fatores para a saída de milhares de cidadãos buscando melhores
condições de vida em terras americanas.
A maioria desses imigrantes era
constituída de camponeses e operários. Mas também havia profissionais liberais,
artesãos...
Muitos dos imigrantes nasceram na
Itália, um dos países onde o anarquismo levava seus adeptos a sonhar com a
criação de uma nova sociedade. Uma sociedade sem propriedade privada, sem patrões,
sem limitações à liberdade e onde a justiça fosse igual para todos.
Foi assim sonhando que imigrantes
italianos fundaram a Colônia Cecília, nos campos de Guarapuava, no sul do
estado do Paraná. Era o mês de abril do ano de 1890. Em janeiro de 1891 chegou
uma segunda leva de imigrantes. A comunidade reunia, então, cerca de 300
pessoas, que acreditavam tornar realidade o que existia apenas nos livros e nas
cabeças dos homens. Muitas experiências sociais vinham sendo realizadas no Novo
Mundo. Além do mais, no Velho Mundo não existiam mais terras sem proprietários.
Fora D. Pedro II quem doara 300
alqueires de terras para a instalação da colônia de italianos. A monarquia, no
entanto, fora suprimida no Brasil, mas a doação representava uma extensão de
terras que servia como atrativo para os imigrantes.
O idealizador do projeto e
responsável pela obtenção da concessão fora o agrônomo Giovanni Rossi, líder
anarquista. Ele também sugerira a denominação de Colônia Cecília, inspirada em
personagem de um romance que escrevera.
Ao se instalarem em terras
paranaenses, os imigrantes logo ergueram um mastro, onde foi colocada a
bandeira preta e vermelha. Essas cores eram o símbolo dos anarquistas e também
atuariam como fator de propaganda.
A seguir, construíram suas
habitações. Eram de madeira e podiam ser de dois tipos: barracões grandes,
servindo de moradia coletiva, ou, então, casas menores para famílias reunindo
pai, mãe e filhos.
O objetivo de todos era criar uma
comunidade agrícola, fundamentada na autogestão econômica. As decisões deveriam
ser aprovadas nas assembléias gerais, onde homens e mulheres teriam liberdade
de expressão e de voto. Caso algum problema exigisse solução individual, esta
deveria ser discutida posteriormente pela coletividade. Nas assembléias também
procurava-se aprofundar o conhecimento da ideologia anarquista.
O cultivo do milho era prioritário
e até construíram um moinho para produzir fubá. Plantaram árvores frutíferas,
um pomar e um vinhedo. Criavam galinhas, porcos e marrecos. Compraram vacas
leiteiras. E tudo faziam sem ter patrão,
feitor, gerente, superintendente, chefe, guia ou qualquer regulamento
estabelecendo regras fixas. Era a vontade coletiva de tornar realidade o que
era considerado utopia.
Enquanto a terra plantada não
produzia, uma parte dos colonos iniciou a feitura de barricas. Feitas com
madeira dos pinheiros abundantes da região, eram vendidas na cidade de
Palmeira, onde serviam para guardar erva-mate.
Outra parte dos colonos aceitou
trabalhar na construção de uma rodovia ligando Serrinha a Santa Bárbara.
O pagamento recebido por essas
atividades garantia recursos para comprar o que fosse necessário para todos:
alimentos, roupas, remédios, calçados, instrumentos de trabalho...
O trabalho coletivo ergueu silos
para guardar a colheita. Também represou as águas do rio das Pedras, construindo
um tanque para criação de peixes.
A produção era para o consumo
coletivo, e os excedentes eram vendidos para a cidade de Palmeira. A importância
apurada devia ser guardada em caixa comum, de acesso a qualquer um.
Na Colônia Cecília havia uma
escola, e na casa comunal, além das assembléias para orientação das tarefas e
discussões políticas, realizavam-se festas e debates sobre questões gerais. Apesar
das dificuldades, a colônia se desenvolveu.
Sua desintegração ocorreu por várias
razões. Uma delas foi a epidemia de crupe que vitimou vários colonos. Outro
fator da desagregação foi a fuga à vida comunitária, seja porque muitas pessoas
não se adaptaram ao trabalho rural, seja porque preferiram se afirmar
profissionalmente nas cidades.
Igualmente importante foi o fato
de um dos colonos ter se apropriado do dinheiro apurado com a venda dos
excedentes da produção de 1893.
Em meio ao desânimo geral, a Colônia
Cecília sofreu os efeitos da conjuntura de lutas e violências que marcaram o
governo Floriano Peixoto, principalmente com a Revolução Federalista
(1892-1895). A existência do Batalhão Ítalo-Brasileiro, formado em Curitiba
para lutar contra o governo federal, acabou resultando na invasão da Colônia
Cecília pelas tropas legalistas. Quando os soldados se retiraram, o moinho
estava quebrado, os instrumentos de trabalho haviam sido destruídos, muitas
casas e o tanque arrasados, o milho colhido e as sementes jogados no rio das
Pedras... Além do mais, os governistas invasores carregaram os alimentos
armazenados e os animais de criação.
Foi o fim. Os sobreviventes se
dispersaram. Estávamos nos primeiros meses de 1894. Terminara o sonho da Colônia
Cecília, baseado no trabalho livre, na vida livre, no amor livre. Terminava uma
experiência diferente da estrutura agrária dominante na economia brasileira.
AQUINO, Rubim Santos Leão de [et
al]. Sociedade brasileira: uma história
através dos movimentos sociais: da crise do escravismo ao apogeu do
neoliberalismo. Rio de Janeiro: Record, 2011. p. 134-136.
NOTA: O texto "Experiências anarquistas: a colônia Cecília" não representa, necessariamente, o
pensamento deste blog. Foi publicado com o objetivo de refletirmos sobre a
construção do conhecimento histórico.
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