Naquele outono, porém, Catarina viu e sentiu o lado negro da
personalidade de Elizabeth. A vaidade da imperatriz exigia que ela fosse não
somente a mais poderosa mulher do império, mas também a mais bela. Não tolerava
ouvir elogios à beleza de outra mulher. Os triunfos de Catarina não lhe
passaram despercebidos, e sua irritação encontrou um escape. Numa noite, na
Ópera, a imperatriz estava com Lestocq no camarote real, oposto ao camarote de
Catarina, Joana e Pedro. No intervalo, a imperatriz notou Catarina conversando
alegremente com Pedro. Como poderia essa jovem, a radiante saúde e confiança em
pessoa, agora tão popular na corte, ser a mesma menina tímida que chegara à
Rússia um ano antes? De repente, o ciúme da imperatriz flamejou. Olhando para a
mulher mais jovem, ela pegou o primeiro agravo que lhe veio à mente. Como se o
assunto não pudesse esperar, despachou Lestocq para o camarote de Catarina para
lhe dizer que a imperatriz estava furiosa com ela porque tinha contraído
débitos inaceitáveis. Elizabeth lhe dera 30 mil rublos para onde tinham ido? Ao
dar o recado, Lestocq fez questão de que Pedro e todos à volta pudessem ouvir.
As lágrimas jorraram dos olhos de Catarina e, mesmo chorando, recebeu nova
humilhação. Pedro, em vez de consolá-la, disse que concordava com a tia e
achava apropriado que a noiva fosse repreendida, Joana então declarou que, como
Catarina não mais a consultava sobre como sua filha deveria se comportar,
"lavava as mãos" daquela história.
A queda foi súbita, abrupta. O que tinha acontecido? Que
crime tinha cometido a menina de 15 anos, que só pensava em agradar a todo
mundo, especialmente à imperatriz? Catarina foi verificar e viu que tinha um
débito de 2 mil rublos. A quantia era irrisória em vista da extravagância e
generosidade da própria Elizabeth, e a reprimenda era obviamente uma desculpa
para encobrir outra queixa. É verdade que Catarina gastava sem restrições.
Tinha mandado dinheiro para o pai pagar as despesas de seu irmão. Tinha gastado
consigo mesma. Ao chegar à Rússia com apenas quatro vestidos e uma dúzia de
roupas de baixo em seu baú, e assumindo seu lugar numa corte em que as mulheres
trocavam de roupa três vezes por dia, ela usou parte de sua mesada para montar
um guarda-roupa. Mas a maior parte havia sido gasta em numerosos presentes para
sua mãe, suas damas de companhia e para o próprio Pedro. Ela descobrira que o
meio mais eficaz de pacificar o temperamento da mãe e parar com as constantes
implicâncias entre Joana e Pedro era dar presentes para ambos. Percebeu que,
naquela corte, presentes conquistavam amizades. Percebeu também que a maioria
das pessoas a sua volta não fazia objeção a receber presentes. Portanto, ansiosa
por conquistar boa vontade, não viu motivo para desprezar esse método simples e
poderoso. Em poucos meses, tinha aprendido não só a língua, mas também os
costumes da Rússia.
Era difícil entender e aceitar esse repentino ataque da
imperatriz. Revelava as duas faces de Elizabeth, uma mulher que, alternadamente
e sem aviso, encantava e intimidava. Depois, quando Catarina se lembrava da
lição aprendida ao lidar com um ego inflado como o de Elizabeth, todas as
mulheres da corte deviam evitar ter muito sucesso. Ela se esforçou para se
reintegrar com sua protetora. E Elizabeth, quando o ataque de ciúmes cedeu, se
abrandou e acabou por esquecer o incidente.
MASSIE, Robert K. Catarina, a grande: retrato de uma mulher.
Rio de Janeiro: Rocco, 2012. p. 87-88.
Nenhum comentário:
Postar um comentário