Mercado de escravos no Yêmen (1236-1237). Manuscrito árabe.
Antes do estabelecimento do comércio europeu na bacia do Atlântico Sul e no oceano Índico, entre os séculos XV e XVI, a escravidão ocupava um espaço importante nas sociedades da África Subsaariana. Os escravos eram utilizados no interior das sociedades, nas funções de criados, soldados e concubinas, mas também eram vendidos no comércio realizado com o Saara, o Egito e o Índico.
Entretanto, a maior parte das sociedades africanas praticava a escravidão doméstica, caracterizada como uma forma de dependência pessoal. Em se tratando de pequenas comunidades, a escravidão servia para sustentar o número de componentes da família ou da linhagem., que, em média, tinha de um a quatro escravos. Em sociedades com características urbanas, como a dos iorubás e a dos hauçás, havia mais escravos do que naquelas basicamente rurais.
A principal fonte de escravos era a guerra. Os derrotados tinham, em particular, suas mulheres e crianças tornadas cativas.
Os reinos de Canem e depois o de Bornu acometiam, desde o século IX, os povos ao sul do lago Chade para escravizá-los. Reinos como Gana, Mali, Songai, os hauçás e reinos fulos de Futa Toro e Futa Jalom atacavam os inimigos logo após a época das colheitas, matavam os idosos e os homens que sobreviviam e capturavam mulheres e crianças, unindo-as pelo pescoço com um instrumento chamado libambo ou uma corda.
Além da guerra, os sequestros eram comuns. A escravidão poderia ser também imposta como castigos penais por assassinato, adultério e roubo. Respaldado em seu poder, um rei, um chefe ou mesmo um membro da família de maior respeito, tornava escravo alguém que lhe contrariasse ou ambicionasse um bem. Para se saldar uma dívida ou adquirir um empréstimo, não raro uma pessoa da própria família era entregue a outra comunidade para ser escravizada. Além disso, a fome, em consequência das grandes secas ou da perda da colheita por invasão dos gafanhotos, por muitas chuvas ou por incêndios, obrigava, para garantir a sobrevivência, a própria escravização ou a de um familiar.
Alguns escravos conseguiam fugir e retornar a sua terra de origem. Outros formavam novas comunidades compostas, essencialmente, por fugitivos. André Álvares d'Almeida menciona, no século XVI, a existência de um desses agrupamentos de escravos fugidos na Guiné. O reverendo Samuel Johnson relatou que os ijebus eram considerados descendentes de um escravo que iria ser sacrificado, mas fugiu escondendo-se na floresta.
O destino do escravizado era estabelecido no momento da captura ou da compra. Mesmo que raramente, o escravo poderia até enriquecer e adquirir escravos, mas não possuía mobilidade social.
Na África Subsaariana, a terra não era escassa, mas o trabalho sim, pois, proporcionalmente, existiam poucos indivíduos para ocupá-la e cultivá-la. E como a terra pertencia a todos, mas o seu uso era controlado pelos reis e chefes, que a cediam ao grupo que tivesse braços suficientes para trabalhá-la, era necessário a obtenção de um grande número de escravos.
Os tributos aos reis e chefes eram pagos em serviços (dias de trabalho, construção de casas, poços, muros), produtos (cereais, gado, tecidos) e com escravos. Estes também eram utilizados como moeda.
Em alguns casos de acusações, como as de feitiçaria, os escravos poderiam ser punidos ou mortos no lugar do seu senhor. Não raro eram oferecidos em sacrifícios às divindades e ancestrais, nas cerimônias propiciatórias das chuvas e das colheitas, no sepultamento de reis, chefes e seus proprietários. Há vários relatos e resquícios arqueológicos de sepultamento de escravos junto aos seus senhores.
Valentim Fernandes revelou que entre os povos beafadas, no rio Grande, na Guiné, o chefe era enterrado com "a sua mulher principal e o maior privado e o melhor escravo e escrava que ele tinha e o melhor cavalo e assim algumas vacas, cães, cabras e galinhas".
O número de escravos que acompanhavam o proprietário no momento da morte dependia da riqueza e do tamanho da sua escravaria. No século XVI, os ibos costumavam enterrar com o morto um ou dois escravos, mas no caso de proprietários mais ricos, eram enviados até seis escravos.
As imolações de escravos também eram realizadas em rituais preparatórios às guerras, na época das colheitas, para saudar os mortos, chamar as chuvas e para dar força espiritual ao chefe da comunidade. Em escavações na cidade do Benin foi encontrado um poço com 41 esqueletos de mulheres, que teriam sido, no século XVIII, ali jogadas num ritual.
MATTOS, Regiane Augusto de. História e cultura afro-brasileira. São Paulo: Contexto, 2008. p. 58-60.
Nenhum comentário:
Postar um comentário