"Negra tatuada vendendo cajus", Debret
[...] A grande expansão marítima do início da Idade Moderna provocou um enorme intercâmbio cultural entre os europeus e aqueles com os quais mantiveram contato na Ásia, no Brasil, na América, na África.
Os navegadores levavam sementes, raízes e cereais para as terras distantes e, de volta, traziam as novidades lá experimentadas.
E assim os europeus aprenderam e também ensinaram o preparo de um mesmo alimento de maneiras diferentes, o uso de novos temperos, a combinação de diversos sabores e o cultivo dos mais variados produtos.
E o resultado de tudo isso foi um troca-troca muito saudável de alimentos e de receitas.
Do Brasil os portugueses levaram vários produtos para a Ásia: milho, agrião, mandioca, batata-doce, repolho, pimentão, abacaxi, goiaba, caju, maracujá, mamão e tabaco. Os cajus se adaptaram muito bem na Índia e proliferam, dando vinho, passa, doce e castanha.
Os produtos de origem asiática que vieram para o Brasil e outras colônias da América foram, entre outros, cana-de-açúcar, arroz, laranja, manga, tangerina, chá, lírios, rosas, crisântemos, camélias e porcelanas, estas disputadas a unhas e dentes pelos nobres e burgueses.
O açúcar, muito caro na Idade Média porque tinha que ser importado do Oriente, tornou-se mais acessível e barato, graças às plantações de cana-de-açúcar na América. Aos poucos ele foi substituindo o mel, pois se adaptava melhor ao uso culinário, sendo mais fácil de transportar e conservar. E, assim, ele acabou influenciando consideravelmente os hábitos das populações que o cultivavam.
No Brasil, por exemplo, percebemos isso nas bebidas açucaradas e na enorme variedade de doces criados a partir de sobremesas portuguesas que chegaram aqui, Os doces quase sempre ganharam uma adaptação local, com o acréscimo ou a substituição de algum ingrediente da terra, como ocorreu com os doces portugueses feitos de amêndoas e que passaram a ser preparados com amendoim.
A África exportou a banana para o Novo Mundo e, também, o inhame, a pimenta-malagueta, a erva-doce, o quiabo, a galinha-d'angola e a palmeira-de-dendê. No Brasil, o azeite-de-dendê era presença certa na maioria dos quitutes preparados pelos escravos africanos, hábito que se espalhou por diversas regiões do país, incorporando-se definitivamente à nossa culinária.
Outros produtos originários da África e que chegaram ao nosso continente foram a melancia e o coco. O coco, inclusive, teve um aproveitamento muito maior no Brasil do que na sua terra de origem ou no restante da América. É empregado em iguarias como o peixe-de-coco, arroz-de-coco, peixe-de-escabeche, tendo ampla utilização na cozinha afro-baiana, sem contar com o seu relevante papel em nossa doçaria.
A América também participou desse intercâmbio introduzindo novos sabores na África, para onde mandou farinha de mandioca, caju, peru, um certo tipo de milho e amendoim. Esse último, aliás, já era cultivado pelos africanos, mas foi a espécie americana que acabou ganhando a preferência do povo.
E para os europeus a América forneceu a batata, diversos tipos de feijão, abóbora, amendoim, pimentão, cacau, baunilha e abacate, contribuindo para uma dieta mais rica e variada. Desses alimentos, o mais importante foi a batata, que dois séculos depois de sua chegada à Europa já havia se tornado básica em sua alimentação. Também o peru, natural do México, conquistou a Europa, o que não aconteceu com o milho e a mandioca, que não foram muito bem aceitos.
LEAL, Maria Leonor de Macedo Soares. A história da gastronomia. Rio de Janeiro: Senac, 2000. p. 56-59.
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