Escravos preparando tabaco na Virgínia, EUA, Angelo Biasioli
O primeiro navio holandês com
escravos negros chegou à Virgínia em 1619. Em 1624, em Jamestown, o primeiro menino
negro nascia em solo americano. Era William Tucker, filho de africanos e,
oficialmente, o primeiro afro-americano.
Em duas décadas, a escravidão já estava presente em todas as colônias e havia uma legislação específica para ela. A escravidão negra concorria com a servidão branca, mas o contato dos mercadores das colônias com as Antilhas foi servindo como propaganda para o uso da mão-de-obra africana. Aos plantadores, a escravidão negra foi parecendo cada vez mais vantajosa e seu número crescia bastante.
Gustavus Vassa, um nigeriano
trazido para os Estados Unidos como escravo e batizado com nome cristão, em
1794, descreve a terrível travessia do oceano que os negros enfrentavam. Em
navios superlotados, a mortalidade era alta. Alimentação escassa e chicote
abundante eram responsáveis pelo aumento dessa mortalidade. Os que sobreviviam
à travessia eram vendidos aos mercados da América. A impressão dessa venda é
descrita por Vassa, ele próprio tendo sido leiloado na chegada:
Conduziram-nos imediatamente
ao pátio... como ovelhas em um redil, sem olharem para idade ou sexo. Como tudo
me era novo, tudo o que vinha causava-me assombro. Não sabia o que diziam, e
pensei que essa gente estava verdadeiramente cheia de mágicas... A um sinal de
tambor, os compradores corriam ao pátio onde estavam presos os escravos e
escolhiam o lote que mais lhes agradava. O ruído e o clamor com que se fazia
isso e a ansiedade visível nos rostos dos compradores serviam para aumentar
muito o terror dos africanos... Dessa maneira, sem escrúpulos, eram separados
parentes e amigos, a maioria para nunca mais voltarem a se ver.
Muitos autores costumam considerar a escravidão norte-americana como a mais cruel que a América registrou. É extremamente difícil fazer uma comparação de ordem moral (melhor/pior) entre as formas que a escravidão africana conheceu na América. O historiador norte-americano Frank Tannenbaum diz que a escravidão em áreas anglo-saxônicas fez parte de um mundo moderno, com relações sociais individualistas e um sistema jurídico baseado nas leis anglo-saxônicas. Isso faria do escravo mais um objeto do que um ser humano. O escravo negro em zona ibérica faria parte de uma sociedade paternalista e fundamentada no Direito Romano, o que o tornaria um elemento da base da sociedade, mais ainda assim um ser humano. O quanto essas diferenças de fato foram sentidas pelos escravos e qual o melhor chicote ou o trabalho menos árduo são questões que ainda merecem maiores pesquisas.
Houve historiadores,
especialmente o sulista Ulrich Phillips, que fizeram defesa de uma escravidão
benéfica. A visão foi duramente atacada por historiadores mais críticos como
Herbert Aptheker ou Kenneth Stamp. Na verdade, as posições sobre a escravidão
colonial dialogam sempre com a situação do negro na sociedade norte-americana.
O que fazia de alguém escravo?
Leis votadas na Virgínia, em 1662, determinavam que a condição de escravo fosse
dada pela mãe. Dessa forma, o filho de pai inglês e mãe africana seria escravo.
Pouco tempo depois, outra questão importante é tratada pela assembléia da
Virgínia, que decide que os escravos batizados permanecem escravos. O
interessante é colocar a hipótese de amos piedosos batizarem seus escravos. A
conversão dos escravos não era, então, obrigatória como nas áreas ibéricas.
Integrar ou não o escravo negro no universo cristão, impor-lhe ou não o batismo
era um ato de piedade que dependia do proprietário.
Em outubro de 1669, uma nova lei
sobre escravos determina que, se um escravo vier a morrer em consequência dos
castigos corporais impostos pelo capataz ou por seu amo, não será considerado
isso "delito maior, mas se absolverá o amo". A lei continua com
lógica implacável: matar o escravo não é ato intencional, posto que ninguém,
intencionalmente, procura destroçar "seus próprios bens". Essa lei
revela a "reificação" (tornar coisa) do escravo na legislação
colonial.
No século XVIII, a legislação
sobre os escravos se desenvolve bastante, acompanhando o próprio aumento da
escravidão no sul das 13 colônias. Um código escravista da Carolina do Sul faz
nessa época (1712) um amplo conjunto de leis se referindo à vida dos escravos,
verdadeiro retrato da escravidão nas áreas coloniais inglesas.
Nesse código havia uma proibição
de os negros saírem aos domingos para a cidade a fim de evitar ajuntamentos de
negros nas Carolinas. Nenhum escravo poderia portar armas de qualquer espécie.
Recomendava-se rigor aos juízes que tratassem de crimes cometidos por escravos,
especialmente se o crime fosse de rebelião coletiva contra a autoridade
instituída. A escravidão havia, assim, crescido a ponto de a revolta dos
escravos tornar-se um pesadelo para o mundo branco.
Naturalmente, diante da violência
da escravidão, os negros resistiram de várias maneiras. O historiador
norte-americano Aptheker retrata algumas formas de resistência: lentidão no
trabalho, doenças fingidas, maus-tratos aos animais da fazenda, fugas,
incêndios, assassinatos (especialmente pelo veneno), automutilações etc. Em
1740, os escravos tentaram, em
Nova York , envenenar todo o abastecimento de água da cidade.
Apesar de os escravos no conjunto
da população das colônias não ultrapassarem os 20%, em áreas como a Carolina do
Sul eram a maioria da população. E justamente nessas áreas que o medo de uma
rebelião generalizada aparecia.
Entre 1619 e 1850, cerca de 400
mil negros foram levados da África para os Estados Unidos. Ao fim da época
colonial, havia cerca de meio milhão de escravos nas colônias inglesas da
América do Norte. A escravidão não sofreria abalos com o movimento de
independência, levado adiante, em partem por ricos escravocratas. Os ventos da
liberdade de 1776 tinham cor branca...
No século XIX, um romance
abolicionista (A cabana do Pai Tomás - Uncle Tom's Cabin) de
Harriet Stowe coloca-se radicalmente contra a escravidão, concluindo que ela
era um mal em si. Porém ,
para poder elogiar um negro como Pai Tomás, a autora atribui a ele virtudes
"brancas" como ordem, limpeza e trabalho cristão. O mesmo apareceria
no século XX em filmes como ...E o vento levou (Gone With
the Wind - 1939), que, com seu racismo declarado, mostrava as delícias
da vida de um escravo nos algodoais do Sul.
KARNAL, Leandro (org.). História dos Estados Unidos: das origens ao século XXI. São Paulo: Contexto, 2010. p. 63-66.
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