Índios sioux caçando bisões, George Catlin
O homem penetrou na América
vivendo à base de plantas e animais selvagens. A princípio, os primeiros
habitantes possuíam toscos instrumentos de pedra lascada. Há cerca de dez mil
anos, o nível do mar elevou-se e fez desaparecer, definitivamente, a faixa de
terra que ligava a Ásia à América. A partir disso, nota-se a presença no continente
americano dos chamados paleoíndios, nômades, caçadores de grandes animais, que
possuíam artefatos de pedra lascada mais aperfeiçoados, como o propulsor de
dardos e pontas de lança habilmente lascadas. Essa tecnologia mais eficiente
possibilitou o aumento das fontes de subsistência, o que permitiu a caça aos
grandes mamíferos (mamutes, bisões), e o aumento populacional.
Entre 8000 e 5000 a .C., as geleiras
recuaram para o norte. Nessa área, que se estende do Alasca à Groenlândia, os
únicos representantes são os esquimós, exímios caçadores e pescadores (caça da
foca, pesca da baleia etc.). A modificação ambiental resultante provocou a
extinção, em muitas áreas, dos grandes mamíferos, exceto nos campos
norte-americanos, onde a caça pesada continuou como o principal meio de
subsistência.
Nos séculos XVI e XVII, com a
introdução, pelos colonizadores europeus, do cavalo e das armas de fogo,
alteraram-se as condições de subsistência dos índios da Grande Planície da
América do Norte (região localizada entre o Mississipi e as Montanhas
Rochosas). Essas tribos transformaram-se em caçadores eqüestres, para os quais
a caça ao búfalo constituía a atividade mais importante, embora também se
dedicassem ao cultivo do milho, do feijão e da abóbora.
Durante muito tempo, os índios da
Planície resistiram aos colonizadores, procurando defender-se da invasão de
suas terras. Em meados do século XIX, um índio da tribo Duwamish escrevia ao
presidente dos Estados Unidos:
"Somos parte da terra e ela
é parte de nós (...)
Sabemos que o homem branco não
compreende o nosso modo de viver. Para ele um lote de terra é igual a outro,
porque ele é um forasteiro que chega na calada da noite e tira da terra tudo do
que necessita. A terra não é sua irmã e sim sua inimiga, e depois de a
conquistar ele vai embora (...)
Sua voracidade arruinará a terra
deixando para trás apenas um deserto (...)
De uma coisa sabemos: a terra não
pertence ao homem; é o homem que pertence à terra. Disso temos certeza. Todas
as coisas estão interligadas como o sangue que une uma família."
(Trechos da carta do Cacique
Seatlle, 1855. Pasquim, nº 397, 1977.)
Em muitas regiões, os campos
foram substituídos pelas florestas, e em partes antes bem irrigadas formaram-se
áreas semidesérticas. À caça e à coleta primitivas somaram-se a exploração de
moluscos no litoral e a coleta de sementes nas regiões semi-áridas, o que
possibilitou maior sedentarização e complexidade cultural. Começaram a ser
produzidos novos tipos de instrumentos de pedra, empregando-se o polimento.
Nas áreas de florestas, a caça e
a coleta dominavam: consumia-se carne de veado e de coelho, e obtinha-se em
abundância milho selvagem, abóbora e várias espécies de sementes. Entre os
grupos das Florestas Orientais da América do Norte viviam os iroqueses, originalmente
localizados a oeste do Mississipi inferior; mais tarde, estabeleceram-se nos
Apalaches e alguns grupos chegaram ao litoral. Viviam da pesca, da caça e de
uma horticultura rudimentar.
A base alternativa de
subsistência para as populações do litoral foi constituída pela coleta de
moluscos, que devido a sua regularidade permitiu que as comunidades litorâneas
se tornassem mais estáveis e sedentarizadas. São testemunhos dessa atividade os
sambaquis (restos arqueológicos formados de conchas, esqueletos e alimentos de
populações) encontrados em grande quantidade ao longo do litoral do Pacífico
(sudeste dos Estados Unidos, Peru, Chile) e do Atlântico (Brasil).
Em numerosas regiões, as formas de
subsistência baseadas na caça e na coleta continuaram a desempenhar importante
papel, mesmo após a adoção dos processos agrícolas (domesticação de plantas).
A transição da coleta para a
agricultura incipiente processou-se na América entre 7000 e 4000 a .C., primeiramente na
Mesoamérica (México), depois na Área Andina (Peru). É praticamente certo que
foram processos locais autônomos, entretanto, alguns estudiosos acreditam que a
área peruana sofrera influência dos mesoamericanos. Também se acredita que a descoberta
da agricultura entre os povos coletores deveu-se às mulheres, encarregadas da
atividade de coleta de sementes e raízes. O certo é que o processo de
domesticação de plantas foi demorado, e somente a longo prazo se fizeram sentir
seus efeitos sobre a organização social e o crescimento da população.
A lagenária (primeira planta
cultivada), o algodão, o abacate, a pimenta, a abóbora, o amendoim, o feijão e
o milho (este o alimento básico da maioria da população indígena) foram as
plantas mais antigas a serem cultivadas. Na Área Andina, ao lado da
agricultura, teve lugar a domesticação de animais (lhamas, abelhas).
A passagem para a atividade
agrícola implicou a maior sedentarização dos grupos humanos, tendo por base a
aldeia. A agricultura proporcionava maior regularidade no abastecimento, e
assim, por volta de 2000 a .C.,
já havia comunidades estáveis, fixadas de modo permanente ou semipermanente, em
vários pontos da América do Norte (pueblos, no Novo México), da Mesoamérica e
da Área Andina.
Nas áreas semi-áridas, a
irrigação foi fundamental para a expansão da agricultura. A adoção de técnicas
de irrigação indica maior complexidade de organização social dos grupos humanos
- os pueblos, que ocupavam a área do Deserto da América do Norte, embora influenciados
pelas Altas Culturas da Mesoamérica, desenvolveram uma sociedade e cultura
próprias, na área dos rios Colorado e Grande. Habitavam em abrigos sob a rocha
e construções semi-subterrâneas, sustentadas por muros de abode, ou pedra, em
forma semicircular, em cujo centro havia uma praça, onde se realizavam as
cerimônias religiosas. Empregavam técnicas de irrigação (represas de água da
chuva, canais) e possuíam práticas de cultivo intensivas (milho), confecção de
tecidos de algodão, cerâmica etc.
"Como os altiplanos mexicano
e andino possuem climas que variam de temperados a subtropicais, muitas plantas
ali domesticadas prestaram-se à adoção em regiões temperadas tanto no norte
quanto no sul do continente. Em consequência, o milho, o feijão e a abóbora tornaram-se
alimentação básica desde o nordeste da América do Norte até o Chile Central,
antes do contato europeu. Nas terras baixas tropicais úmidas da América Central
e do Sul, onde essas plantas eram menos produtivas, a ênfase foi colocada no
cultivo de raízes, mais tolerantes a solos pobres e chuvas fortes. A mandioca é
particularmente interessante." (MEGGERS, B. J. América pré-histórica. Paz e Terra: Rio de Janeiro, 1979. p. 53.)
A difusão da cerâmica, a partir
de 3000 a .C.,
atesta o maior desenvolvimento das forças produtivas da maior parte das
comunidades americanas. A cerâmica foi amplamente adotada, sinal de que as
populações sedentarizadas já podiam e tinham necessidade de fazer reservas de
alimentos, pois possuíam maior controle de suas provisões e de seu ambiente do
que os antigos apanhadores de frutos e raízes. A auto-suficiência das aldeias
era, entretanto, relativa: o isolamento das comunidades e suas poucas reservas
faziam com que sua sobrevivência fosse seriamente afetada pelos fenômenos naturais
(secas, inundações etc.).
Os grupos humanos também não eram
estritamente sedentários. A procura de novos campos de cultivo levou ao contato
entre eles. As tradições cerâmicas se difundiram e enriqueceram através desse
intercâmbio. Tendo como ponto de partida o litoral (a cerâmica dos sambaquis),
só mais tarde a técnica ceramista atingiu o interior.
A importância da cerâmica faz
supor que os ceramistas seriam especialistas e provavelmente do sexo masculino.
A esse nível de desenvolvimento técnico e econômico, que tornava possível e
necessária a divisão do trabalho entre agricultores e artesãos especializados,
a sociedade teve de intensificar a sua produção de excedentes para sustentar
esses especialistas.
Os chibchas representam bem a
cultura intermediária entre os caçadores e coletores nômades, e as sociedades
agrárias desenvolvidas do México e do Peru. Destacaram-se os grupos localizados
na Colômbia (chamados muíscas), que estabeleceram uma sociedade conhecedora do
cultivo intensivo da terra, das técnicas da cerâmica e da metalurgia
(ourivesaria). Dessa última deriva a bela lenda do El Dorado, encontrada em
antigos relatos espanhóis: "Seres humanos, em geral crianças, eram
sacrificadas para apaziguar o Sol, celebrar vitórias, assegurar o sucesso nas
batalhas e em numerosas outras ocasiões. A cerimônia que inflamou a imaginação
dos soldados espanhóis, entretanto, era praticada quando um novo chefe assumia
o poder. Em tal ocasião, o iniciado era coberto com resina e envolto em ouro em pó. Fulgurante da
cabeça aos pés, era levado em uma canoa ao centro do lago sagrado. Enquanto
seus súditos lançavam oferendas à água, ele mergulhava para retirar o ouro, que
permanecia no fundo do lago. A lenda do El Dorado parece ter-se originado desse
espetacular rito chibcha. A tradição oral transformou El Dorado, de um homem
dourado, em uma cidade dourada, escondida na extensa floresta tropical. A
expectativa de riquezas fantásticas atraiu um número incontável de aventureiros
à Amazônia (...)" (MEGGERS, B. J. op. cit., p. 134.)
Ao que parece, a lenda do El
Dorado ainda sobrevive, atraindo numerosos aventureiros estrangeiros à
Amazônia, embora muito mais bem organizados e à procura de riquezas mais
compensadoras do que o ouro que enchia os olhos dos antigos espanhóis...
Na época do Descobrimento,
existiam no Brasil cerca de cinco milhões de indígenas, divididos em seis
grandes grupos linguísticos: tupi, guarani, gê, aruaque, tapuia e caraíba.
A unidade básica da vida social e
política desses povos era a comunidade de aldeia, composta de famílias
aparentadas formadoras dos clãs. Não havia propriedade privada, e o produto da
caça e da pesca era repartido por toda a comunidade. Praticavam também uma
rudimentar agricultura de subsistência (milho, mandioca). A chefia da comunidade
de aldeia cabia ao dirigente máximo do clã mais poderoso, e tinha caráter
hereditário. As práticas e crenças mágico-religiosas eram complexas, numerosas
divindades representando as forças da Natureza: Sol, Lua, Trovão etc. Além do
mais, nas diversas culturas indígenas havia mitos explicando a criação do Céu,
da Terra, dos homens...
Atualmente, contudo, existe pouco
mais de duzentos mil indígenas, divididos em aproximadamente duzentos grupos,
falando 170 línguas.
Cada um desses grupos possui sua
própria história, organização social, religião, economia e instituições
políticas.
Branco é pessoa muito triste.
Talvez por isso ele faça tanto mal.
Mário Juruna, cacique xavante
Após a Conquista, os grupos
indígenas americanos foram dizimados ou então expulsos das suas terras, ou
ainda enfraquecidos e desorganizados, devido à sujeição ao trabalho forçado nas
minas e plantações e às doenças europeias. A violência dos conquistadores
espanhóis, portugueses, ingleses, franceses e holandeses foi responsável pela
destruição de numerosas obras artísticas, pela exploração de milhares de
indígenas, transformando-os em camponeses obrigados à servidão coletiva, e pela
marginalização crescente desses povos.
O foco da violência e da
exploração, entretanto, ainda está presente nas áreas onde os remanescentes
indígenas lutam para preservar o pouco de terra que lhes resta, e nos lugares
onde o problema da posse da terra pelos camponeses atinge o nível próximo da
explosão social.
AQUINO, Rubim Santos Leão de et
al. História das sociedades americanas.
Rio de Janeiro: Record, 2010. p. 38-44.
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