Corridas de cavalo, jogos com gladiadores,
autoflagelo de sacerdotes nus, caçadas de animais exóticos, concurso de
instrumentos musicais. Na Roma Antiga, o calendário de festividades públicas (feriae)
era imenso e tinha ciclos bastante variados nas formas de comemoração,
misturando agrados tanto aos deuses quanto aos homens.
Mas as festas estavam longe de significar
apenas diversão. Todos os imperadores romanos sabiam da importância de difundir
uma imagem positiva de si e do governo para garantir sua manutenção no cargo.
As cerimônias tornaram-se um importante instrumento de poder e uma forma
sofisticada de comunicação com objetivos políticos, mesmo para os parâmetros de
hoje: ajudavam a formar a opinião pública, persuadiam através de imagens,
símbolos e mitos, legitimavam o mando e auxiliavam no controle social.
Em 15 de fevereiro começava o festival dos Lupercalia. Os Lupercos eram
uma confraria de sacerdotes que em sua procissão ficavam nus e davam a volta no
monte Palatino, flagelando-se com correias feitas com a pele de uma cabra que
tinham acabado de imolar. Mulheres acompanhavam à margem a passagem dos
sacerdotes, esperando receber parte do sangue aspergido por eles, o que lhes
garantiria fertilidade.
Em abril havia as festas de início do ano
agrário, nos quais se pedia o apoio das divindades para uma boa colheita. Os Parilia, os Cerialia e os Vinalia comemoravam o florescimento das
parreiras e a produção vinícola com procissões alegres que cultuavam a
divindade Ceres, vinculada à agricultura. Em junho, era a vez dos Vestalia e dos Matralia, celebrações em honra
à deusa Vesta. Junto com suas sacerdotisas – as Virgens Vestais – ela era
protetora do fogo comum da cidade, uma pira mantida acesa 24 horas, relembrando
as fogueiras em torno das quais os primeiros cidadãos se reuniam, e das
matronas romanas, como eram chamadas as mães casadas.
Lupercália, Andrea
Camassei
Volcanalia eram festas para louvar o deus Vulcano,
que olhava pelos pescadores e artesãos. Aconteciam em 23 de agosto, quando se
lançavam pequenos peixes e outros animais ao fogo – oferendas que representavam
vidas humanas a serem conservadas a partir da honraria.
De 17
a 24 de
dezembro os romanos dedicavam-se à Saturnalia.
O deus Saturno teria ensinado os homens a cultivar a terra e por isso era
sempre representado carregando uma pequena foice, um auxílio à poda da vinha.
Os dias de festa finalizavam o ano agrário e religioso, e tinham um caráter
mais licencioso: subvertiam-se as hierarquias sociais, com os escravos mandando
em seus senhores e estes servindo a mesa dos banquetes. Era uma forma de
garantir a ordem pela inversão dos valores: uma vez por ano os escravos se
sentiam importantes diante dos seus senhores ao serem por eles servidos.
A essas festividades republicanas (509-27
a .C.), mantidas no Império, os
príncipes juntaram outras cerimônias dignas de nota. Quando visitavam as
províncias conquistadas, eram acompanhados de uma grande festa: chamava-se Adventus e era uma procissão de boas-vindas que
servia para realçar a dignidade e a autoridade da pessoa que entrava no espaço
urbano. As cidades se preparavam para a chegada do soberano enfeitando-se com
flores, tochas e incensos.
Havia também festas comunitárias, ou seja,
realizadas com financiamento da própria comunidade cívica e não com dinheiro
vindo do Aerarium Saturni,
como as cavalgadas (19 de março e 19 de outubro), a corrida de sacos dos Robigalia (25 de abril), as corridas a pé ou com
mula dos Consualia (21 de agosto e 15 de dezembro), o
concurso de pesca com vara dos Ludi
Pescatorii (8 de junho), as
corridas de cavalos do Equus
October (15 de outubro).
Durante o Principado (27
a .C. – 285 d.C.), os romanos
também presenciaram mais de 300 triunfos, procissões festivas nas quais se
reconheciam publicamente a contribuição do exército e de seus generais para a
segurança e a prosperidade do Estado. O evento tornou-se mais comum na
República, com a expansão territorial, e combinava elementos militares, políticos
e religiosos, ligados a Júpiter e Marte. Os triunfos eram pagos pelo tesouro
público e permitidos pelo Senado. A procissão acontecia em sequência. Primeiro ,
os principais lugares-tenentes carregando fasces – o símbolo do imperium. Em seguida, vinha o
general vitorioso – o triumphator – no alto de uma carruagem especial,
enfeitada e conduzida por quatro cavalos. Ele aparecia coroado de louros ou
ouro, e vestia um manto púrpura que remetia à vitória. Ao lado, um escravo lhe
lembrava ao ouvido sua condição de homem, e que toda glória era passageira e
devida ao favor de Júpiter. Atrás dele, seguiam membros da família a cavalo, em
carros ou a pé.
Passava-se então a apresentar ao público
os despojos de guerra: homens, mulheres e crianças aprisionados, estandartes
dos inimigos, peças de ouro e pedras preciosas conquistadas pelos romanos,
animais diferentes trazidos para serem abatidos no anfiteatro ou guardados no
zoológico, entre outras pilhagens. Na sequência, os soldados vencedores
recebiam a permissão de entrar no pomerium,
o território sagrado da cidade. Armados, eles passavam debaixo de um arco do
triunfo para se limpar do sangue da guerra. Por fim, entravam sacerdotes
conduzindo animais que iriam ser sacrificados no templo de Júpiter Capitolino.
O cortejo percorria as principais avenidas de Roma, passando pelo Campus Martius, pelos palácios
do Palatino, pelos fóruns e terminando no Capitólio. A cidade parava para vê-lo
passar.
Os Jogos (Ludi) Gladiatoriais eram
realizados nos anfiteatros, cujo exemplar mais famoso é o Coliseu, construído
após secarem o lago do Palácio do Imperador Nero (54
a 68 d.C.).
Nessas partidas, que aconteciam durante todo o ano, havia corridas de cavalos,
encenações teatrais, concursos de instrumentos musicais, dança, mímicas,
pantomimas e recitação nos teatros e odeons. Os famosos combates entre
gladiadores – ou munera – eram realizados, desde 308
a .C., em funerais particulares dos ricos, em honra a um
parente falecido. Mumus significa dívida, tributo, obrigação.
A partir de 264
a .C., eles passaram a ser públicos, mas só ganharam o
carimbo oficial como eventos anuais em 105
a .C. Durante a República, vários magistrados ofereceram
jogos à população, esperando seu apoio nas contendas políticas e militares que
marcaram as guerras civis.
As venationes se diferenciavam dos munera ao apresentarem, no lugar dos
gladiadores, lutas entre animais ou verdadeiras caçadas que colocavam homens e
bichos frente a frente nos anfiteatros. Com a conquista de novas províncias,
espécies cada vez mais exóticas eram levadas para a arena – servindo para
relembrar ao público a força e a extensão dos domínios romanos. Eram elefantes,
rinocerontes, leões, girafas, hienas ou animais menores, como cães e gatos.
Ana Teresa M. Gonçalves. Se quer festa vá
a Roma. In: Revista de
História da Biblioteca Nacional. Ano 10 / Nº 110 / Novembro 2014. p. 58-61.
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