Bruxaria na Vila de Salem, Artista desconhecido
AS BRUXAS DE SALEM
- Cristo sabe quantos demônios há aqui? - ruge o reverendo Samuel Parris, pastor da vila de Salem, e fala de Judas, o demônio sentado à mesa do Senhor, que se vendeu por trinta dinheiros, 3,15 em libras inglesas, irrisório preço de uma escrava.
Na guerra dos cordeiros contra os dragões, clama o pastor, não há neutralidade possível nem refúgio seguro. Os demônios meteram-se em sua própria casa: uma filha e uma sobrinha do reverendo Parris foram as primeiras atormentadas pelo exército de diabos que tomou de assalto esta puritana vila. As meninas acariciaram uma bola de cristal, querendo ver a sorte, e viram a morte. Desde que isso aconteceu, são muitas as jovenzinhas de Salem que sentem o inferno no corpo: a maligna febre as queima por dentro e se revolvem e se retorcem, rodam pelo chão espumando e uivando blasfêmias e obscenidades que o Diabo lhes dita.
O médico, William Griggs, diagnostica o malefício. Oferecem a um cão um bolo de farinha de centeio misturada com urina das possuídas, mas o cão come, mexe o rabo, agradecido, e vai embora para dormir em paz. O Diabo prefere a moradia humana.
Entre convulsão e convulsão, as vítimas acusam.
Exame de uma bruxa, Thompkins H. Matteson
São mulheres, e mulheres pobres, as primeiras condenadas à forca. Duas brancas e uma negra: Sarah Osborne, uma velha prostrada que há anos chamou aos gritos seu servente irlandês, que dormia no estábulo, e abriu-lhe um lugarzinho na cama; Sarah Good, uma mendiga turbulenta, que fuma cachimbo e responde resmungando às esmolas; e Tituba, escrava negra das Antilhas, apaixonada por um demônio todo peludo e de nariz comprido. A filha de Sarah Good, jovem bruxa de quatro anos de idade, está presa no cárcere de Boston, com grilhões nos pés.
A bruxa nº 1, Joseph E. Baker
Mas não cessam os gemidos de agonia das jovenzinhas de Salem e se multiplicam as acusações e condenações. A caçada de bruxas sobe da suburbana Salem Village ao centro de Salem Town, da vila ao porto, dos malditos aos poderosos: nem a esposa do governador se salva do dedo que aponta culpados. Balançam na força prósperos granjeiros e mercadores, donos de barcos que comerciam com Londres, privilegiados membros da Igreja que desfrutavam direito à comunhão.
Anuncia-se uma chuva de enxofre sobre Salem Town, o segundo porto de Massachusetts, onde o Diabo, trabalhador como nunca, anda prometendo aos puritanos cidades de ouro e sapatos franceses.
GALEANO, Eduardo. Memória do fogo: Os nascimentos. Porto Alegre: L&PM, 2013. p. 262.
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