Entrudo no Rio de Janeiro, Augustus Earle
[Festas na cultura popular] Desde a Antiguidade, as festas são conhecidas por seu caráter de inversão da ordem. Ou seja, enquanto duram, regras e obrigações cotidianas são abandonadas; é como colocar o mundo de ponta-cabeça. Você citaria algum exemplo? Provavelmente, lembrou-se do carnaval aqui no Brasil. Durante os dias de festa, muitas pessoas não trabalham, brincam todo o tempo e cometem até alguns excessos.
No Brasil colonial, as festas também exerciam esse papel. Mas as mais comuns eram as relacionadas ao calendário religioso católico, frequentemente iniciadas por procissões organizadas para homenagear ou relembrar eventos cristãos.
Não só as datas religiosas eram motivo para a realização de festas públicas; também serviam de pretexto as aclamações de um soberano, os casamentos reais ou aristocráticos e outros acontecimentos de caráter político. Era comum nessas festas misturarem-se rituais das culturas negra e indígena. Ocorriam, por exemplo, as congadas, ou festas do rei Congo. Trata-se de um ritual que inclui a coroação de um rei e uma rainha negra; rememoravam-se tradições africanas e utilizavam-se vestimentas e danças tipicamente africanas.
Nos dias de festa, as diferenças entre ricos e pobres, brancos e negros pareciam diminuir. Era a ocasião em que se ofereciam alimentos ao povo da rua. Ao contrário do que ocorria no cotidiano, a comida era farta e consumida por todos. Assim, a festa extrapolava o seu motivo oficial para transformar-se em um momento de negação das regras do dia a dia.
Lundu, Rugendas
No entrudo, festa introduzida no Brasil pelos portugueses fabricavam-se limões de cheiro –bolas de cera cheias de água perfumada -, com os quais se organizavam batalhas entre os passantes nas ruas das cidades. Os negros substituíam o limão de cheiro (mais caro) por polvilho e água. Era comum, nesse dia, eles vestirem-se com roupas típicas européias, fato proibido em circunstâncias normais.
Entrudo, Debret
Nas vilas e cidades, o calendário de festas públicas era bastante extenso, podendo haver mais de uma dezena delas por ano, o que ocorre ainda em muitas cidades brasileiras.
[Religiosidade e feitiçaria] Ao colonizarem a América, os europeus trouxeram consigo toda a cultura herdada do cristianismo católico. Essa cultura foi também um importante instrumento de dominação das populações locais. Os jesuítas promoveram a catequese, organizaram os aldeamentos e lutaram pela conversão dos índios em cristãos. Com isso, desmantelaram seu modo de vida e fizeram com que negassem suas crenças. Houve resistência, mas a religião católica conseguiu penetrar no Novo Mundo.
As práticas religiosas de indígenas e negros não desapareceram, mas conviveram com o pensamento cristão. Nos dois casos, a vida religiosa era marcada pela presença de vários deuses ligados a fenômenos da natureza. Para cada situação específica, recorria-se a um deus correspondente. Assim, quando se quisesse chuva para irrigar a plantação, eram organizados rituais de evocação ao deus relacionado com as chuvas ou com as águas. Eram religiões em que os deuses intervinham diretamente na vida cotidiana dos homens.
Para os portugueses, essas práticas religiosas eram atos de bruxaria, manifestações ligadas ao demônio, que deveriam ser condenadas. Por isso, essas religiões foram proibidas. Se índios e negros fossem pegos praticando-as, seriam considerados bruxos e condenados à morte; se colonos, homens brancos europeus, fossem surpreendidos durante esses cultos, poderiam ser multados, excomungados, degredados para a África ou processados e condenados à morte. Apesar das punições, essas práticas religiosas foram mantidas.
As simpatias e benzeduras também eram condenadas; eram consideradas feitiçaria porque apelavam para o poder mágico. (Você conhece alguma simpatia? Sabe qual sua origem?)
Uma prática que confirma a mistura de diferentes tradições culturais e religiosas no Brasil era a “bolsa de mandinga”, pequeno recipiente no qual se guardavam vários amuletos com o objetivo de oferecer proteção e sorte a quem a carregava. Dentro da bolsa encontravam-se objetos das culturas européia, africana e indígena; podia conter enxofre, pólvora, pedras, ossos de defunto, papéis com dizeres religiosos ou símbolos, folhas, alho e outros elementos, conforme o uso a que ela se destinava.
[Moradas coloniais] Viajantes e cronistas que percorreram o Brasil durante os séculos XVI a XIX deixaram inúmeros registros sobre as moradas coloniais. Nos primeiros tempos da colonização, as casas das cidades e vilas eram geralmente construções simples, e seus moradores, pessoas de poucos recursos. No entanto, no século XVII, no Nordeste, já era possível distinguir a posição social de uma pessoa pelo tipo de morada que possuía.
As casas dos proprietários de engenho e altos funcionários do rei, por exemplo, eram sobrados e solares feitos de adobe (tijolo cru) e possuíam muitos cômodos, além de senzala, que geralmente ficava nos porões. Os pequenos comerciantes, pequenos funcionários públicos e soldados habitavam casas térreas.
Os grandes sobrados coloniais estão associados a um período de diversificação da economia. Os sobrados maiores abrigavam em seu interior uma loja ou escritório no piso térreo, evitando que estranhos se misturassem com o espaço de convívio da família, reservado ao piso superior. Os arquitetos Francisco Salvador Veríssimo e William Seba M. Bittar explicam:
(...) contemporânea dos engenhos, de menor prestígio social, desenvolve-se a residência urbana – inicialmente simples residências térreas, de porta e janela – que, gradativamente, amplia suas fachadas, abre portas para o comércio, crescendo para o modelo assobradado, tão comum em Portugal na época do descobrimento. Aqui não encontramos porões ou preocupações formais. A praticidade é fundamental. Este modelo torna-se tão adequado às condições socioculturais que permanece inalterado por cerca de três séculos. VERÍSSIMO, Francisco Salvador, BITTAR, William Seba M. 500 anos de casa no Brasil. Rio de Janeiro: Ediouro, 1999. p. 22.
A maioria das moradas coloniais simples tinha paredes de taipa de pilão ou de mão. No primeiro caso, conforme o arquiteto Carlos Lemos:
(...) os construtores colocavam os pranchões afastados entre si conforme a espessura da parede desejada e dentro do vão livre era socado o primeiro bloco de terra pilada (...). A terra socada se transformava em uma verdadeira pedra (...). LEMOS, Carlos. Casa paulista. São Paulo: Edusp, 1999. p. 41.
Já a taipa de mão, chamada também de pau a pique, era um entrelaçado de ripas de madeira ou varas e barro. Os telhados eram cobertos de sapé (palha).
As casas de taipa eram típicas da região de São Paulo e parte de Minas Gerais, onde prevaleceram até o século XIX. Existem várias obras jesuíticas e bandeirantes construídas com essas técnicas. Nessa região, a falta de pedras apropriadas para a construção e de matéria-prima para a fabricação de cal favoreceu o uso do barro em construções. Apenas os sobrados mais suntuosos tinham telhas em suas coberturas. O interior das casas mais simples possuía poucos móveis e alguns objetos, como mesa, tamboretes [bancos], baú, arca, um leito e esteiras de palha ou redes. Os ricos sobrados coloniais tinham em seu interior tapetes, cortinas, piano e móveis de madeira nobre. Além de local de moradia, muitas casas coloniais eram o local de trabalho de sapateiros, carpinteiros e marceneiros, entre outros.
CABRINI, Conceição et al. História temática - Diversidade cultural e conflitos. São Paulo: Scipione, 2010.
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