Como pano de fundo: a tela de Courbet, L'Origine du monde,
hoje no Museu d'Orsay. Essa tela foi pintada para um colecionador de telas
eróticas, Kalil Bey, ex-embaixador turco, que a guardava secretamente sob uma
cortina, como um tesouro escandaloso; e escandalosa era ela, com efeito; nunca
ninguém ousara representar a vulva entreaberta de uma mulher. O quadro, mais
tarde, pertenceu ao psicanalista Jacques Lacan.
O sexo é "a pequena diferença" anatômica que
inscreve os recém-nascidos num ou noutro sexo, que faz com que sejam
classificados como homem ou mulher. A indiferenciação é um drama. Michel
Foucault publicou em 1978 as recordações de Herculine Barbin dite Alexia B.,
único título de uma coleção que ele havia lançado, intitulada "Les vies
parallèles". Conta o drama de um hermafrodita, considerado mulher, que se
sentia um homem, obteve o reconhecimento de que o era, mas acabou por se
suicidar por causa da dificuldade em viver tal situação. A transexualidade é
hoje reconhecida, sem que, no entanto, seja mais fácil conviver com ela.
Na maior parte das vezes, as pessoas se inscrevem na
dualidade, no arranjo entre os sexos, para retomar a expressão de Erving
Goffman, através do qual a sociedade organiza a diferença. Os trabalhos
pioneiros vêm dos antropólogos: como Margaret Mead (1935), que inspirou Simone
de Beauvoir, no Le Deuxième sexe (1949). "Não nascemos mulher. Tornamo-nos
mulher": a fórmula famosa rompe com o naturalismo e convida à
desconstrução das definições tradicionais. As relações do sexo (biológico) e do
gênero (social, cultural) são o cerne da reflexão feminista contemporânea, que
hesita a respeito desse recorte: o sexo é a determinação primeira? Ele não pertenceria
ao gênero, num corpo cuja historicidade seria prioritária?
[...]
[...] De Aristóteles a Freud, o sexo feminino é visto como
uma carência, um defeito, uma fraqueza da natureza. Para Aristóteles, a mulher
é um homem mal-acabado, um ser incompleto, uma forma malcozida. Freud faz da
"inveja do pênis" o núcleo obsedante da sexualidade feminina. A
mulher é um ser em concavidade, esburacado, marcado para a possessão, para a
passividade. Por sua anatomia. Mas também por sua biologia. Seus humores - a
água, o sangue (o sangue impuro), o leite - não têm o mesmo poder criador que o
esperma, elas são apenas nutrizes. Na geração, a mulher não é mais que um
receptáculo, um vaso do qual se pode apenas esperar que seja calmo e quente. Só
se descobrirá o mecanismo da ovulação no século XVIII e é somente em meados do
século XIX que se reconhecerá sua importância. Inferior, a mulher o é, de
início, por causa de seu seco, de sua genitália.
A importância atribuída ao sexo não é a mesma ao longo das
épocas. Algumas a minimizam. Assim ocorre na Idade Média, quando se considera
que os sexos são variedades de um mesmo gênero. O Renascimento [...] distingue
o "alto" e o "baixo" do corpo, exalta o alto, nobre sede da
beleza, e deprecia o "baixo", animal.
O século XVIII, das ciências naturais e médicas, descobre a
parte de "baixo", como a do prazer e da vida. Ele "inventa"
a sexualidade, com uma insaciável "vontade de saber" o sexo,
fundamento da identidade e da história dos seres. Sexualiza os indivíduos, em
especial as mulheres, como mostrou, seguindo a linha de Foucault, Thomas
Laqueur. A mulher é identificada com o seu sexo, que a absorve e a impregna
completamente. "Não há nenhuma paridade entre os dois sexos quanto à
consequência do sexo, escreve Rousseau (Émile). O macho é macho apenas em
certos momentos, a fêmea é mulher ao longo de sua vida ou, pelo menos, ao longo
de toda a sua juventude; tudo a liga constantemente a seu sexo, e, para o bom
cumprimento de suas funções, é-lhe necessário ter uma constituição que o propicie":
cuidados, repouso, "vida suave e sedentária". Ela precisa da proteção
da família, da sombra da casa, da paz do lar. A mulher se confunde com seu sexo
e se reduz a ele, que marca sua função na família e seu lugar na sociedade.
PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. São Paulo:
Contexto, 2013. p. 62-4.
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