No século XV, o palácio de Topkapi, construído no século
precedente, foi ampliado. Seu harém pôde então abrigar até 1.500 mulheres. Uma
cidade proibida, onde o amor e a política conviviam intimamente.
Na história do mundo, poucas instituições intrigaram tanto
os ocidentais quanto os haréns dos sultões, que têm nos domínios do imperador
otomano, em Istambul, o seu exemplo maior. Ele inspiraria as mais pródigas
fantasias do mundo da cristandade, chegando ao carnaval do Brasil do século XXI.
Gigantesco lupanar, sede incomparável de desvario sexual, o harém do grão-turco
suscitava curiosidade, inveja ou repulsa, mas não deixava ninguém indiferente.
Era possível imaginar belas ocidentais arrancadas de suas famílias para se
tornarem as prisioneiras de um monarca libidinoso, submetidas a seus caprichos,
joguetes de todas as suas fantasias, antes de serem lançadas no Bósforo quando
não lhe agradavam mais.
Vinha também ao espírito o clichê dessas mulheres,
condenadas a uma vida reclusa, ocupando seus dias ociosos a se enfeitar à
espera de um simples olhar de seu senhor, ou a tecer intrigas destinadas a se
vingar de uma rival. Os pintores ocidentais, frequentemente, nos mostraram as
mulheres do harém despidas - como o fez Ingres com a sua Grande odalisca -,
quando o clima de Istambul absolutamente não se harmoniza com uma nudez
constante. Os escritores viajantes se dedicaram a descrever a vida cotidiana do
harém, ainda que nenhum deles tivesse chegado algum dia a transpor os seus
portões, enquanto outros pintavam o gineceu otomano como o teatro de sangrentas
tragédias - ou, ao contrário, o jardim do Éden.
O harém era um local secreto. Muitos falaram dele, poucos o
conheceram. Além disso, esse lugar misterioso era propício aos voos da
imaginação. A palavra vem do árabe haram, que designa um lugar protegido por
regras, proibido, sagrado. Em um sentido mais comum, o harém correspondia à
parte secreta de uma casa, uma parte na qual mulheres, crianças e empregados
domésticos viviam em isolamento completo: um espaço vedado aos homens.
Uma residência muçulmana compreendia os aposentos dos homens
(o selamlik) e os das mulheres (o haremlik). Da mesma maneira, no palácio imperial,
o harém era a parte mais secreta do enderûn, espaço interno da residência do
sultão e seu domínio privado, em oposição ao birûn, espaço externo consagrado à
vida na corte e ao Estado.
A vocação do harém imperial não se limitava a satisfazer os
prazeres carnais do sultão, mesmo quando alguns entre eles - como Murad III
(1546-1595), de quem se diz que "rendia homenagens" a duas ou três
mulheres a cada noite - se mostravam insaciáveis em seu apetite sexual. Sua
função essencial era assegurar a perenidade da dinastia, sua sobrevivência
biológica, graças a uma abundante descendência masculina destinada a fazer
contraponto à elevada mortalidade infantil e às frequentes mortes violentas. O
grande número de parceiras femininas do sultão era a melhor garantia disso.
Assim os "filhos de Osman", criador no século XIII da dinastia que
foi chamada de otomana, reinaram ininterruptamente sobre o império até a
supressão do sultanato por Mustafá Kemal, em 1922. Mais ainda, ao contrário das
monarquias europeias, a Sublime Porta jamais conheceu uma guerra de sucessão.
A concentração de mulheres devotadas a gerar descendentes
não deveria suscitar dificuldades políticas com suas famílias. Para eliminar
esse risco, eram escolhidas esposas privadas de laços familiares. Toda ameaça
de conspiração e até mesmo de levante ou de revolta, fomentada por parentes
excessivamente ambiciosos, era desse modo descartada. Se os primeiros sultões
desposaram princesas da Anatólia, bizantinas, búlgaras ou sérvias, seus
sucessores, desde o fim do século XV preferiram as escravas. Mais ainda, para
evitar com certeza os pretendentes externos, as filhas do sultão quase nunca se
uniam a príncipes estrangeiros, e sim a notáveis e altos dignitários do
império.
Onde encontrar, então, concubinas sem família destinadas ao
palácio imperial? Nenhuma turca nem muçulmana de origem podiam ser mantidas
nessa situação, pois o Islã proíbe reduzir uma fiel do Profeta à escravidão.
Eram, portanto, mulheres cristãs que povoavam o harém - tomadas como presas de
guerra, compradas nos mercados de escravos ou oferecidas ao sultão por
dignitários zelosos.
Essas virgens eram geralmente originárias da Geórgia ou da
Circássia, ambas no Cáucaso - região reputada pela beleza das mulheres -, o que
não excluía as jovens de Veneza ou da Grécia, capturadas no Mediterrâneo. O
sultão as preferia de carnes generosas, tez clara, com a pele leitosa, o rosto
redondo, os cabelos louros ou de um negro aveludado e os olhos azuis.
Ser admitida no harém do grão-turco exigia ultrapassar uma
série de obstáculos. A beleza era, sem dúvida, necessária, mas não suficiente.
A futura concubina, que não devia esconder nenhuma imperfeição ou defeito
físico, era minuciosamente examinada por um médico ou uma parteira. Depois
dessa prova, ela era apresentada à mãe do sultão, que a acolhia. Ela recebia
então um nome - de flor, de pássaro ou que lembrasse um traço de seu caráter -,
era iniciada no Islã pela leitura e escrita do Corão, convertia-se e iniciava a
aprendizagem da língua turca. Mas restava o essencial.
Jean-François Solnon. Harém, a vida entre prazeres e
intrigas. In: Revista História Viva. Ano XI / Nº 123 / p. 46-48.
Nenhum comentário:
Postar um comentário