"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Os putunes: mercadores da Mesoamérica

Putune

Chamados de mercadores da Mesoamérica pela historiografia, os putunes eram excelentes navegadores e dominaram as vias marítimas e fluviais da região maia. A partir de suas bases localizadas no México, em torno da lagoa de Térmicos, e na Guatemala, os putunes estenderam suas vias de comércio contornando a península do  Yucatán e penetrando, através dos rios, no interior da América Central, além das cidades do Velho Império.

Culturalmente os putunes eram um grupo periférico diante de seus irmãos maias do norte e do leste. Pressionados pelas invasões nahuas do México, deslocaram-se e ocuparam o norte do Yucatán, enquanto um outro grupo, os itzaes, estabelecia-se na ilha de Cozumel, do outro lado do Yucatán, e na desembocadura do rio Belize, possibilitando uma tranquila viagem de cabotagem entre o México e a Guatemala.

Utilizando Cozumel como cabeça-de-ponte, os itzaes se fixaram em terra firme, avançando rumo a Chichén-Itzá (918 d.C.). Essa data posterior, partindo de Potonchán, os putunes alcançaram a região meridional através dos rios. Na confluência do Grijalva com La Pasión e Chixoy, transformado daí no rio Usumacinta, os mercadores construíram um importante entreposto comercial num local denominado Altar dos Sacrifícios. Partindo desse entreposto, podia-se alcançar a fronteira com Honduras e o estuário do rio Belize.
                                                             
Entre 850 e 950, os putunes mantiveram uma linha comercial com a Confederação Asteca, com os maias das terras baixas e com a península do Yucatán. Dominavam o norte de Tabasco, o sul do Campeche, as costas da Guatemala e o estuário do rio Belize. Lembremos que, no ano de 987, os itzaes receberam um grupo de emigrantes de Tula, liderados por Quetzalcoatl-Kukulkán, fato que provovou profundas alterações na vida dos itzaes.

Os maias criaram um mercado para suas produções artísticas. Exportavam tecidos, cerâmica multicolorida, jade esculpido e pedras vulcânicas artisticamente trabalhadas. Colombo, em sua quarta viagem, encontrou uma grande canoa (ignoramos sua procedência) carregada de mantas de algodão, blusas sem mangas com desenhos coloridos, espadas de madeira com incrustações de pedras nas suas partes cortantes, pequenos machados de cobre, sinos e grande quantidade de sementes de cacau. O cacau servia como moeda, sobrevivendo nessa função em regiões interioranas da América Central até o século XIX.

A canoa era comprida como uma galera romana, com 2,50 m de largura e uma cabine no meio, levava mais de 25 homens, bem como algumas mulheres e crianças. Evidentemente o comércio de longa distância devia ser bem organizado para permitir o transporte de passageiros.

Yucatán comercializava mantas, penas e outras mercadorias com Honduras, retornando com cacau. Para o México exportava cera e mel, além do sal, importante elemento entre os itens comercializados. As salinas do norte do Yucatán permitiam que as aldeias de pescadores salgassem o pescado a ser consumido nas cidades-Estados.

Um dos maiores centros comerciais da América foi Xicalango, hoje debaixo do mar, localizado num braço setentrional da lagoa de Térmicos, onde mercadores astecas possuíam um bairro especial. Jade, pedras de origem vulcânica, tinturas naturais e de moluscos, machados, cerâmicas, conchas, penas, sal, cal, peles, conchas de tartaruga, mel, cera, produtos vegetais, tecidos de algodão, tabaco, milho, cacau, borracha... são algumas das mercadorias comercializadas em Xicalango.

Devemos ver nos putunes comerciantes capazes de efetuar comércio a longa distância, e no modo de produção tributário mercantilizado a organização capaz de manter as redes comerciais.

PEREGALLI, Enrique. A América que os europeus encontraram. São Paulo: Atual, 2003. p. 44-47.

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