"São Paulo", Tarsila do Amaral
Os primeiros anos do século XX seriam justamente os semeadores de um novo modo de vida, cujos "frutos" seriam colhidos mais tarde, durante a década de 30. Nas primeiras décadas deste século, o processo de metropolização das grandes cidades e, principalmente, a modernização da vida de seus habitantes, se desenvolveram rapidamente, transformando seu cotidiano. Os modos de viver e conviver nas cidades, de maneira geral, estavam mudando nesses anos com as transformações modernizadoras, apesar da permanência de elementos do universo rural, cada vez mais rarefeitos.
No início deste século, o ritmo frenético das grandes cidades em formação reproduziu-se rapidamente por todos os cantos. Não eram apenas as indústrias que se multiplicavam, as populações e cidades que cresciam e se transformavam vertiginosamente e os serviços urbanos que se espalhavam nos centros urbanos. O dia-a-dia dos habitantes desses centros urbanos também começava a andar mais rápido, quer no trabalho, quer no lazer.
Para chegar aos seus empregos nas indústrias, casas comerciais, empresas e repartições públicas, as pessoas tinham o conforto da locomoção rápida, de bonde ou nos poucos automóveis que corriam nas ruas calçadas e nas grandes e espaçosas avenidas reformadas.
Diariamente, nos bondes, nas ruas e nas lojas, a multidão se defrontava com os reclames (propagandas) anunciando ou vendendo algo, desde a última novidade da moda a remédios milagrosos. Com linguagem telegráfica, atrativa e muitas vezes simbólica, essas propagandas deviam ser lidas rapidamente, no tempo em que duravam as viagens e a passagem por ruas e avenidas. Os telégrafos, telefones e trens suburbanos reforçavam esse universo da rapidez.
Nas ruas e calçadas, multidões de pessoas, automóveis e bondes precisavam ser educados por guardas, para que não se destruíssem uns aos outros nas inúmeras esquinas. O transporte público precisava cada vez mais indicar aos usuários, por meio de números, nomes e cores, seus inúmeros destinos pelos vários bairros e ruas das cidades que cresciam. [...]
Na realidade, as transformações modernizantes que ocorriam no Brasil nas primeiras décadas deste século também atingiram inúmeros setores da vida cultural do país. Em meados da década de 10, despontaram nas artes plásticas, na música, na poesia e na literatura tendências que sofriam influências das manifestações modernistas europeias, mas também buscavam referências para pensar e criar uma "cultura nacional" a partir dos elementos "tipicamente" brasileiros. Essas mudanças, projetos, contradições e angústias se manifestaram de maneira clara na Semana de Arte Moderna, em 1922, ocorrida em São Paulo, revelando a efervescência e as tensões sociais e culturais do período.
No entanto, a maior parte dessas transformações e manifestações (nas artes, na educação, nas ruas, nos automóveis e instrumentos eletroeletrônicos, enfim, o ingresso ao mundo moderno) permaneciam ainda bem restritas no seio da sociedade. Quem, na realidade, podia usufruir de fato essas transformações eram pequenas parcelas da população, principalmente a elite e os setores médios, que desfrutavam da ampliação das estruturas material, educacional e cultural e que lutavam para erguer a face moderna das cidades. [...]
Nas primeiras décadas deste século, inúmeras e novas formas culturais das classes subalternas se organizavam nos grandes centros urbanos. Essas renovadas situações ocorriam em teatros, cafés-cantantes, casas de dança, circos, serenatas, festas populares, futebol, restaurantes, bares, cinemas etc., que se multiplicavam e se misturavam pelos centros urbanos, movimentando dia e noite as grandes cidades. Nesses espaços de entretenimento, as manifestações produzidas localmente também se defrontavam com as estrangeiras. Na música, por exemplo, o cake-walk, o ragtime, o one-step, tangos e habaneras, veiculados pelo cinema, pelos teatros, pelos poucos fonógrafos e gramofones e, posteriormente, na década de 30, pelo rádio, ocuparam espaços consideráveis e confundiam-se com os já conhecidos fados, modinhas, polcas e valsas.
A canção o Pelo telefone, gravada em 1917 por Donga (Ernesto dos Santos - 1889-1974, RJ) e que alcançou sucesso no carnaval daquele ano, é considerado um dos primeiros sambas de características urbanas gravados em disco. [...] naquele momento os instrumentos de gravação e difusão do som (fonógrafo, disco) ainda engatinhavam e eram vistos como grande novidade. Por isso, um samba gravado e difundido por esses meios de comunicação de massa ganhava uma certa aura de modernidade. [...]
MORAES, José Geraldo V. de. Cidade e cultura urbana na Primeira República. São Paulo: Atual, 1994. p. 66-74.
Nenhum comentário:
Postar um comentário