Metrópolis, Otto Dix.
[Costumes, sociabilidades, representação: objetos de estudo da História Cultural]
"Esta é uma cidade e eu sou um dos cidadãos.
Tudo que interessa aos outros me interessa: política, guerras, mercados, jornais, escolas.
O prefeito e a câmara municipal, bancos, tributos, barcos, fábricas, reservas, armazéns, bens móveis e imóveis."
Walt Whitman, "Song of myself"
A História tradicional - História político-social [...] costumava salientar o relato das guerras, conquistas e revoluções, destacando as aventuras dos monarcas e guerreiros mais afamados pela sua vitalidade impetuosa e pelo êxito das suas empresas materiais. Relegava a um plano secundário fatos essenciais da história humana, os quais constituem o objetivo da moderna História da Civilização [...]: a vida do povo, os sistemas culturais, a economia, as artes e as ciências, os costumes, o direito [...], a concepção do mundo e sua filosofia [...].
[...]
A História da Civilização estuda os quadros culturais: tradições, instituições e valores sociais. Perquire as lutas em prol da liberdade, contra o despotismo e a escravidão; em prol da justiça, contra o privilégio. [...]
[...]
Típica ciência da mudança, a historiografia pesquisa as transformações da vida social, os acréscimos culturais e as renovadas aquisições da experiência humana [...].
[...]
Autores contemporâneos assinalam, no pensamento histórico [...] três correntes fundamentais de interpretação: a romântica (epopéia do individuo, o herói), a positivista (com pretensões de ciência exata: causa e efeito) e a dialética [...] (conflito dos opostos e fusão: tese, antítese e síntese). Todas elas marcam a sua presença na tarefa do historiador moderno.
Marc Bloch [...] é o nobre arauto da historiografia como artesanato: a História é um ofício - "o oficio do historiador". Ele possuía uma nova visão: a teoria histórica devia ser construída, e reconstruída, dentro da prática cotidiana. Lucien Febvre observou que "Bloch sabia melhor do que ninguém que o tempo não se detém e que os livros de História, para serem úteis, devem ser discutidos, saqueados, contraditos e continuamente corrigidos e revistos. [...]"
[...]
Na visão global - ou atual - da história humana, há profetas pessimistas, que verificam a desumanização do homem e das suas circunstâncias, que afirmam a existência de perigos catastróficos na ciência atual, uma ciência poderosa a serviço do egoísmo, da estupidez e da maldade humanas. [...] Mas, muitos, como Sarton e Russell, veem - nessa mesma ciência - a grande criadora da civilização, a veemente promessa da felicidade humana. A História da Ciência seria o principal fio condutor na história da Civilização, "pista para a síntese do conhecimento, mediadora entre a ciência e a filosofia, e verdadeira pedra angular da educação". [...]
[...]
O estudo do passado [...] leva a História à análise e mediação do presente. Erguem-se, então, desafiantes, os enigmas do amanhã. [...]
[...] uma das tendências modernas da historiografia assenta, justamente, na explicação dos acontecimentos - o homem e seu destino - em termos de forças sociais. Não, já, o individuo isolado; nem mesmo o herói, o santo ou o gênio. Mas a massa. [...] Há poucos anos, um Império do Mal pretendeu fazer triunfar - mediante a força bruta e o terror - velhos preconceitos contra "raças" e povos [...]. Arrogância, violência, cupidez, assassínios, campos de concentração, câmaras de gás e de torturas, toda uma fúria cega a serviço da "raça superior". A ciência moderna, o mundo atual, amparados em velhos e novos postulados éticos, repelem tais aberrações e atrocidades.
História do homem: quantas lutas, quantos anseios, sonhos, sofrimentos, esperanças!
Mas poderá o estudo da História trazer algum proveito? Há lições - positivas ou negativas - na História? [...] Aí estão as lições da Grécia e de Roma, do seu esplendor e sua decadência. Aí está a lembrança das muitas noites de São Bartolomeu. Aí estão os exemplos elucidativos de [...] Galileu, [...] Napoleão, Tiradentes. [...] A História ensina - mas quererão os homens aprender? Apesar da tremenda lição que encerram a execução e a luminosa glória posterior do mártir da Inconfidência, não estaremos a enforcar, todos os dias, com sanha feroz, os novos Tiradentes de amanhã?
Seja como for, a historiografia [...] lança um apelo supremo à razão e ao sentimento, em prol da ideia de uma humanidade unida, justa e fraternal.
BECKER, Idel. Pequena História da Civilização Ocidental. São Paulo: Nacional, 1974. p. 13-17.
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