"O eterno ídolo", Rodin
[...] Assim que o homem das cavernas escapou dos perigos ameaçadores da prolongada era glacial e pôs sua casa em ordem, começou a fazer certas coisas que lhe pareciam bonitas, muito embora essas coisas de nada lhe servissem em sua batalha contra os ferozes animais da selva. Cobria as paredes de suas cavernas com imagens dos elefantes e veados que caçava; e cinzelava em pedra as toscas figuras das mulheres que julgava mais sedutoras.
Tão logo os egípcios, os babilônios, os persas e todos os outros povos do Oriente fundaram seus pequenos países às margens do Nilo e do Eufrates, começaram a construir palácios magníficos para seus reis, a inventar jóias cintilantes para suas mulheres e a cultivar jardins cujas flores luminosas cantavam canções de alegria e cor.
Nossos próprios antepassados, nômades vindos das distantes estepes asiáticas, que viviam livres como caçadores e guerreiros, compuseram canções para celebrar os grandes feitos de seus chefes e inventaram uma forma de poesia que existe até hoje. Mil anos depois, quando se estabeleceram na Grécia e construíram suas cidades-Estado, expressaram suas alegrias (e sofrimentos) em templos magníficos, em estátuas, em comédias e tragédias e em todas as formas concebíveis de arte.
Os romanos, à semelhança de seus rivais cartagineses, ocupavam-se demais de administrar outros povos e ganhar dinheiro; assim, não eram muito amigos das aventuras do espírito , "inúteis e não-lucrativas". Conquistaram o mundo inteiro e construíram estradas e pontes, mas toda a sua arte foi tomada dos gregos. Inventaram certas formas práticas de arquitetura que atendiam às necessidades da época, mas suas estátuas, suas histórias, seus mosaicos e seus poemas eram imitações latinas de originais helenos. [...] O império precisava de soldados e comerciantes, e a tarefa de escrever poesias e pintar quadros foi deixada a cargo de estrangeiros.
[...]
A essa altura, a própria arte dos bárbaros, que eles trouxeram consigo do Oriente, já se transformara numa coisa muito bela. Os povos do norte compensaram o descaso e a indiferença do passado com a chamada "arte da Idade Média", que, pelo menos na Europa setentrional, foi um produto do espírito germânico; praticamente não fez uso de elementos gregos e latinos e não fez uso algum das antigas formas de arte do Egito e da Assíria, sem falar nas da Índia e da China, que, para o povo daquela época, simplesmente não existiam. [...]
Você já ouviu a palavra "gótico". Provavelmente a associa com a imagem de uma belíssima catedral antiga, cujas finas torres alçam-se elegantemente em direção ao céu. Mas o que significa realmente essa palavra?
Significa "inculto" e "bárbaro" - algo que se podia esperar de um "godo incivilizado" [...] que não tinha respeito algum pelas regras estabelecidas da arte clássica e construía seus "horrores modernos" para atender ao seu próprio mau gosto, sem levar em consideração os exemplos do Fórum e da Acrópole.
Não obstante, essa arquitetura gótica foi por vários séculos a mais excelsa expressão de um sentimento artístico sincero que inspirou todo o continente setentrional. [...] Quando não eram camponeses nem habitavam nos povoados rurais, eram cidadãos de uma "cidade" ou civitas, o antigo nome que os latinos davam às tribos. E com efeito, por trás das muralhas e dos fossos profundos, esses bons burgueses constituíam verdadeiras tribos, partilhavam dos mesmos perigos e gozavam da segurança e da prosperidade comuns que provinham do seu sistema de mútua proteção.
Nas antigas cidades gregas e romanas, o centro da vida cívica era a praça do mercado, em frente à qual localizava-se o templo. Durante a Idade Média, a igreja, a Casa de Deus, assumiu o papel de centro. [...]
Uma vez que a igreja era não somente a Casa de Deus como também o verdadeiro centro de toda a vida comunitária, o edifício tinha de ser diferente de tudo o que já fora construído pelas mãos do homem. Os templos dos egípcios, dos gregos e dos romanos não passavam de santuários de divindades locais. Como não se pregavam sermões perante as imagens de Osíris, de Zeus e de Júpiter, o interior não tinha de oferecer espaço suficiente para grandes multidões. Todas as procissões religiosas dos povos mais antigos do Mediterrâneo eram realizadas ao ar livre. No norte, porém, onde o tempo não era tão bom, a maioria dos ofícios religiosos era celebrada sob o teto da igreja.
[...]
[...] No século XII, o vidro era uma curiosidade pela qual se pagava caro, e poucos edifícios particulares tinham janelas de vidro. Nem os castelos dos nobres contavam com essa proteção, o que explica as infindáveis correntes de vento que os assolavam e o fato de o povo daquela época usar casacos de peles dentro e fora de casa.
Felizmente, a arte da fabricação de vidros coloridos, que os povos antigos do Mediterrâneo conheciam, não tinha sido inteiramente perdida. Passou-se novamente a fabricar vitrais e em pouco tempo as janelas das igrejas góticas já contavam as histórias da Bíblia Sagrada em pequenas peças de vidro multicolorido, unidas e sustentadas por uma grande estrutura de chumbo.
Eis, então, a nova e gloriosa casa de Deus, lotada de uma ávida multidão que "vivia" sua religiosidade como nenhum povo viveu [...]. Os escultores, que desde o final do Império Romano não tinham o que fazer, retomaram então a prática de sua nobre arte. Os portais, os pilares, os contrafortes e as cornijas são todos recobertos de imagens esculpidas de Nosso Senhor e dos santos. Também as bordadeiras foram postas para trabalhar, a fim de confeccionar tapeçarias para as paredes. Os joalheiros ofereciam as obras-primas de sua arte para que o santuário do altar fosse digno da adoração que lhe era devida. Até mesmo os pintores se esforçavam para dar sua contribuição [...].
[...]
O pintor medieval podia misturar seus pigmentos com a água do gesso úmido que era aplicado sobre as paredes das igrejas. Esse método de pintura sobre o "gesso fresco" (de onde o nome "afresco" que se dá a esse tipo de arte) foi muito popular durante vários séculos. [...] Os artistas medievais atingiram um grau excelente na pintura das folhas de manuscritos, feitas de pergaminho. [...]
[...]
Porém, a essa altura, o fervor religioso da Idade Média já era coisa do passado. Os ricos burgueses das cidades substituíram os bispos no papel de patronos das artes. [...]
Na Espanha, por exemplo, Velásquez pintava os anões da corte, as tecelãs das tecelagens reais e toda sorte de pessoas e temas ligados ao rei e à corte real. Na Holanda, por outro lado, Rembrandt, Frans Hals e Vermeer pintavam o celeiro da casa do comerciante, sua deselegante esposa, seus filhos saudáveis e briguentos e os navios que faziam circular sua riqueza. Na Itália, onde o papa ainda era o principal patrono das artes, Michelangelo e Correggio continuaram a pintar Madonas e santos, ao passo que na Inglaterra, onde a aristocracia ainda era rica e poderosa, e na França, onde os reis alcançaram a preponderância absoluta no Estado, os artistas pintavam os distintos cavalheiros que participavam do governo e as belas senhoras que frequentavam os salões de Sua Majestade.
[...] A invenção da imprensa possibilitou que os escritores adquirissem fama e reputação escrevendo livros para as multidões. Foi assim que nasceram as profissões do romancista e do ilustrador. Porém, as pessoas que tinham dinheiro suficiente para comprar os novos livros não eram do tipo que gosta de ficar em casa à noite, simplesmente sentadas ou olhando para o teto. Queriam se divertir. Os poucos menestréis da Idade Média não eram suficientes para dar conta da demanda de entretenimento. Pela primeira vez desde as cidades-Estado gregas de dois mil anos antes, os dramaturgos profissionais tiveram oportunidade de exercer sua ocupação. A Idade Média só conhecera o teatro como parte de certas cerimônias religiosas. As tragédias dos séculos XIII e XIV contavam a história das dores de Nosso Senhor. Porém, no século XVI, o teatro mundano apareceu novamente. É verdade que, a princípio, a posição social dos dramaturgos e atores não era muito elevada. William Shakespeare era visto como uma espécie de atração de circo que divertia seus conhecidos com suas tragédias e comédias. Mas quando morreu, em 1616, já começara a gozar do respeito de seus companheiros, e os atores já não eram constantemente supervisionados pela polícia.
[...]
De lá para cá, o teatro tornou-se cada vez mais querido das pessoas. Hoje em dia, toda cidade digna desse nome tem pelo menos um "teatro", e o "drama silencioso" do cinema chegou até os menores povoados do sertão.
Estava reservada a uma outra arte, porém, a posição de a mais popular de todas as artes. Estou falando da música. [...] Na Idade Média havia música, mas só a música eclesiástica. Os cânticos sagrados eram determinados por normas severíssimas de ritmo e harmonia, que logo se tornaram monótonas. Além disso, não podiam ser entoados nas ruas ou na praça do mercado.
O Renascimento mudou tudo isso. A música tornou-se mais uma vez a melhor amiga do homem, sua companheira na alegria e na tristeza.
Os egípcios, os babilônios e os antigos judeus tinham sido grandes apreciadores da música. Chegaram até a combinar diversos instrumentos para formar orquestras. Os gregos, porém, desprezavam a ruidosa música bárbara. Gostavam de escutar as recitações dos nobres poemas de Homero e Píndaro e permitiam que os recitadores acompanhassem a poesia ao som da lira [...]. Ninguém podia ir além disso sem correr o risco de ser censurado pelo povo. Os romanos, por outro lado, adoravam ouvir música orquestral enquanto jantavam e faziam suas orgias, e inventaram a maioria dos instrumentos que (sob uma forma muito modificada) usamos até hoje. A Igreja primitiva rejeitou essa música, que lembrava em demasia o maligno mundo pagão recém-destruído. Os bispos dos séculos III e IV limitavam-se a tolerar umas poucas canções entoadas pelos membros das congregações. Como os fiéis tendiam a desafinar quando não eram acompanhados por um instrumento qualquer, a Igreja permitiu depois o uso do órgão, uma invenção do século II da nossa era, que consistia na junção de um fole com a antiga flauta de Pã.
Vieram depois as grandes migrações. Os últimos músicos romanos foram mortos ou tornaram-se artistas itinerantes que vagavam de cidade em cidade e tocavam na rua, mendigando tostões como o harpista que toca em frente à moderna estação rodoviária.
Porém, a ressurreição da civilização mundana nas cidades da Baixa Idade Média gerou uma nova e urgente necessidade de músicos. Instrumentos como a trompa, que só era usada nas caçadas e nas guerras, foram remodelados até poder emitir sons que não ofendessem os ambientes dos banquetes e dos salões de dança. Um arco de crina de cavalo passou a ser usado para tocar a antiga guitarra e, já antes do final da Idade Média, esse instrumento de seis cordas [...] se transformou na moderna rabeca de quatro cordas que, sob a forma de violino, foi levada aos cimos da perfeição por Stradivarius e outros artesãos italianos do século XVIII.
E por fim foi inventado o piano moderno, o mais comum e disseminado de todos os instrumentos musicais, que seguiu o homem europeu até as solidões da selva e os campos gelados da Groenlândia. [...] No grande século XI, um monge beneditino chamado Guido [...] inventou o moderno sistema de notação musical. [...] Na cidade de Viena - a cidade em que os músicos itinerantes da Idade Média (que formavam par com os malabaristas e cartomantes) constituíram a primeira guilda de músicos, em 1288 -, o pequeno monocórdio transformou-se em algo que podemos reconhecer como o ancestral direto do moderno Steinway. Da Áustria, o que se chamava na época de "clavicórdio" [...] foi para a Itália. Lá foi aperfeiçoado e transformou-se na "espineta" [...]. Por fim, no século XVIII [...] Bartolomeu Cristofori construiu um "cravo" que permitia ao intérprete tocar alto e baixo [...]. Esse instrumento, acrescido de mais algumas modificações, tornou-se o nosso "pianoforte" ou piano.
Então, pela primeira vez, o mundo se viu dotado de um instrumento conveniente e fácil de tocar, que podia ser dominado em poucos anos, não precisava ser constantemente afinado como as harpas e violinos e era muito mais agradável aos ouvidos do que as tubas, clarinetes, trombones e oboés da Idade Média. Assim como o fonógrafo deu a milhões de filhos do mundo moderno o seu primeiro contato com a música, assim também o "pianoforte" levou o conhecimento da música a círculos muito mais amplos. A música tornou-se parte da educação de todos os homens e mulheres de boa família. Príncipes e ricos mercadores financiavam orquestras particulares. O músico deixou de ser um saltimbanco itinerante e se tornou um membro importante da comunidade. A música foi combinada à arte dramática, e dessa combinação nasceu a ópera moderna. [...]
Em meados do século XVIII, a vida musical da Europa ia de vento em popa. Surgiu então um homem maior do que todos os outros, o humilde organista da igreja de São Tomás de Leipzig, chamado pelo nome de Johann Sebastian Bach. Nas obras que compôs para todos os instrumentos, que iam de canções cômicas e danças populares até os mais solenes oratórios e hinos sagrados, ele lançou os fundamentos da música moderna. Quando morreu, em 1750, foi sucedido por Mozart, que criava texturas musicais da mais pura beleza, que nos evocam a imagem de um fino bordado de harmonia e ritmo. Veio então Ludwig van Beethoven, homem de vida trágica, que inventou a orquestra moderna mas não pôde ouvir as melhores dentre as suas obras, pois ficou surdo em decorrência de um resfriado de que sofreu em seus anos de pobreza.
Beethoven viveu no período da grande Revolução Francesa. Imbuído da esperança de dias melhores e mais gloriosos, dedicou uma de suas sinfonias a Napoleão, ato do qual depois veio a se arrepender. Quando morreu, em 1827, Napoleão já estava morto e a Revolução Francesa também, mas o motor a vapor já fora inventado e estava enchendo o mundo de ruídos grotescos que nada tinham em comum com os sonhos da Terceira Sinfonia.
Com efeito, a nova ordem criada pelo vapor, pelo ferro, pelo carvão e pelas grandes fábricas não via grande utilidade na arte, na pintura, na escultura, na poesia e na música. Já não existiam os antigos protetores das artes, a Igreja, os príncipes e os comerciantes da Idade Média e dos séculos XVII e XVIII. Os senhores do novo mundo industrial eram ocupados demais e culto de menos; assim, não se importavam com águas-fortes, sonatas e pedaços de marfim entalhados, e muito menos ainda com os homens que criavam essas coisas e que não atendiam a nenhuma necessidade prática da comunidade em que viviam. E os operários das fábricas foram obrigados a ouvir o ruído dos motores até perder também, por sua vez, todo o gosto pelas melodias das flautas e rabecas que tinham tornado mais agradável a existência de seus antepassados camponeses. A nova era industrial foi uma madrasta para as artes. Arte e vida separaram-se totalmente. As pinturas restantes agonizavam lentamente nos museus. E a música foi monopolizada por uns poucos "virtuoses" que a tiraram das casas e a levavam para as salas de concerto.
Devagar e sempre, porém, as artes estão voltando à antiga forma. As pessoas começam a compreender que Rembrandt, Beethoven e Rodin são os verdadeiros profetas e líderes de suas raças e que um mundo sem arte e sem felicidade é semelhante a um quarto de crianças onde não se ouvem risos.
VAN LOON, Hendrik Willem. A História da Humanidade: a história clássica de todas as eras para todas as eras em nova versão para o século XXI. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 436-448.
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De lá para cá, o teatro tornou-se cada vez mais querido das pessoas. Hoje em dia, toda cidade digna desse nome tem pelo menos um "teatro", e o "drama silencioso" do cinema chegou até os menores povoados do sertão.
Estava reservada a uma outra arte, porém, a posição de a mais popular de todas as artes. Estou falando da música. [...] Na Idade Média havia música, mas só a música eclesiástica. Os cânticos sagrados eram determinados por normas severíssimas de ritmo e harmonia, que logo se tornaram monótonas. Além disso, não podiam ser entoados nas ruas ou na praça do mercado.
O Renascimento mudou tudo isso. A música tornou-se mais uma vez a melhor amiga do homem, sua companheira na alegria e na tristeza.
Os egípcios, os babilônios e os antigos judeus tinham sido grandes apreciadores da música. Chegaram até a combinar diversos instrumentos para formar orquestras. Os gregos, porém, desprezavam a ruidosa música bárbara. Gostavam de escutar as recitações dos nobres poemas de Homero e Píndaro e permitiam que os recitadores acompanhassem a poesia ao som da lira [...]. Ninguém podia ir além disso sem correr o risco de ser censurado pelo povo. Os romanos, por outro lado, adoravam ouvir música orquestral enquanto jantavam e faziam suas orgias, e inventaram a maioria dos instrumentos que (sob uma forma muito modificada) usamos até hoje. A Igreja primitiva rejeitou essa música, que lembrava em demasia o maligno mundo pagão recém-destruído. Os bispos dos séculos III e IV limitavam-se a tolerar umas poucas canções entoadas pelos membros das congregações. Como os fiéis tendiam a desafinar quando não eram acompanhados por um instrumento qualquer, a Igreja permitiu depois o uso do órgão, uma invenção do século II da nossa era, que consistia na junção de um fole com a antiga flauta de Pã.
Vieram depois as grandes migrações. Os últimos músicos romanos foram mortos ou tornaram-se artistas itinerantes que vagavam de cidade em cidade e tocavam na rua, mendigando tostões como o harpista que toca em frente à moderna estação rodoviária.
Porém, a ressurreição da civilização mundana nas cidades da Baixa Idade Média gerou uma nova e urgente necessidade de músicos. Instrumentos como a trompa, que só era usada nas caçadas e nas guerras, foram remodelados até poder emitir sons que não ofendessem os ambientes dos banquetes e dos salões de dança. Um arco de crina de cavalo passou a ser usado para tocar a antiga guitarra e, já antes do final da Idade Média, esse instrumento de seis cordas [...] se transformou na moderna rabeca de quatro cordas que, sob a forma de violino, foi levada aos cimos da perfeição por Stradivarius e outros artesãos italianos do século XVIII.
E por fim foi inventado o piano moderno, o mais comum e disseminado de todos os instrumentos musicais, que seguiu o homem europeu até as solidões da selva e os campos gelados da Groenlândia. [...] No grande século XI, um monge beneditino chamado Guido [...] inventou o moderno sistema de notação musical. [...] Na cidade de Viena - a cidade em que os músicos itinerantes da Idade Média (que formavam par com os malabaristas e cartomantes) constituíram a primeira guilda de músicos, em 1288 -, o pequeno monocórdio transformou-se em algo que podemos reconhecer como o ancestral direto do moderno Steinway. Da Áustria, o que se chamava na época de "clavicórdio" [...] foi para a Itália. Lá foi aperfeiçoado e transformou-se na "espineta" [...]. Por fim, no século XVIII [...] Bartolomeu Cristofori construiu um "cravo" que permitia ao intérprete tocar alto e baixo [...]. Esse instrumento, acrescido de mais algumas modificações, tornou-se o nosso "pianoforte" ou piano.
Então, pela primeira vez, o mundo se viu dotado de um instrumento conveniente e fácil de tocar, que podia ser dominado em poucos anos, não precisava ser constantemente afinado como as harpas e violinos e era muito mais agradável aos ouvidos do que as tubas, clarinetes, trombones e oboés da Idade Média. Assim como o fonógrafo deu a milhões de filhos do mundo moderno o seu primeiro contato com a música, assim também o "pianoforte" levou o conhecimento da música a círculos muito mais amplos. A música tornou-se parte da educação de todos os homens e mulheres de boa família. Príncipes e ricos mercadores financiavam orquestras particulares. O músico deixou de ser um saltimbanco itinerante e se tornou um membro importante da comunidade. A música foi combinada à arte dramática, e dessa combinação nasceu a ópera moderna. [...]
Em meados do século XVIII, a vida musical da Europa ia de vento em popa. Surgiu então um homem maior do que todos os outros, o humilde organista da igreja de São Tomás de Leipzig, chamado pelo nome de Johann Sebastian Bach. Nas obras que compôs para todos os instrumentos, que iam de canções cômicas e danças populares até os mais solenes oratórios e hinos sagrados, ele lançou os fundamentos da música moderna. Quando morreu, em 1750, foi sucedido por Mozart, que criava texturas musicais da mais pura beleza, que nos evocam a imagem de um fino bordado de harmonia e ritmo. Veio então Ludwig van Beethoven, homem de vida trágica, que inventou a orquestra moderna mas não pôde ouvir as melhores dentre as suas obras, pois ficou surdo em decorrência de um resfriado de que sofreu em seus anos de pobreza.
Beethoven viveu no período da grande Revolução Francesa. Imbuído da esperança de dias melhores e mais gloriosos, dedicou uma de suas sinfonias a Napoleão, ato do qual depois veio a se arrepender. Quando morreu, em 1827, Napoleão já estava morto e a Revolução Francesa também, mas o motor a vapor já fora inventado e estava enchendo o mundo de ruídos grotescos que nada tinham em comum com os sonhos da Terceira Sinfonia.
Com efeito, a nova ordem criada pelo vapor, pelo ferro, pelo carvão e pelas grandes fábricas não via grande utilidade na arte, na pintura, na escultura, na poesia e na música. Já não existiam os antigos protetores das artes, a Igreja, os príncipes e os comerciantes da Idade Média e dos séculos XVII e XVIII. Os senhores do novo mundo industrial eram ocupados demais e culto de menos; assim, não se importavam com águas-fortes, sonatas e pedaços de marfim entalhados, e muito menos ainda com os homens que criavam essas coisas e que não atendiam a nenhuma necessidade prática da comunidade em que viviam. E os operários das fábricas foram obrigados a ouvir o ruído dos motores até perder também, por sua vez, todo o gosto pelas melodias das flautas e rabecas que tinham tornado mais agradável a existência de seus antepassados camponeses. A nova era industrial foi uma madrasta para as artes. Arte e vida separaram-se totalmente. As pinturas restantes agonizavam lentamente nos museus. E a música foi monopolizada por uns poucos "virtuoses" que a tiraram das casas e a levavam para as salas de concerto.
Devagar e sempre, porém, as artes estão voltando à antiga forma. As pessoas começam a compreender que Rembrandt, Beethoven e Rodin são os verdadeiros profetas e líderes de suas raças e que um mundo sem arte e sem felicidade é semelhante a um quarto de crianças onde não se ouvem risos.
VAN LOON, Hendrik Willem. A História da Humanidade: a história clássica de todas as eras para todas as eras em nova versão para o século XXI. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 436-448.
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