Afresco: "A dama de Micenas", ca. 1300-1200 a.C., Acrópole de Micenas. Artistas desconhecidos
Com base no testemunho das únicas provas arqueológicas, a religião parece diferir pouco da religião cretense. Porém, uma vez mais, a leitura das preciosas tabuinhas veio ressaltar as ideias recebidas. Elas permitem identificar os nomes dos principais deuses da Grécia do primeiro milênio: Zeus e Hera, Poseidon, Hermes, Atenas, Artemis, Dioniso talvez, e um Paiawon (Paian, epíteto que será encontrado associado ao Apolo clássico) recebem suas oferendas com regularidade. Também é verdade, uma Potnia, a mestra, em que muitos são tentados a ver a continuação da Grande Mãe cretense, que divide seu poder com as divindades celestes, e a Demeter clássica.
Fragmento de um mural de Orcomeno, retratando a deusa guerreira com capacete de dentes de javali, no centro do culto em Micenas, século XIII a.C. Artistas desconhecidos
Outra diferença atestada, ao contrário, pela arqueologia: uma atenção mais viva ao culto dos mortos, pelo menos com relação aos das famílias principescas. Essa mudança desencadeou o desenvolvimento de uma arquitetura funerária, em grande parte nova.
Houve, a princípio, as "tumbas de poço", cujo agrupamento em círculos de pedras eretas [...] constitui a originalidade de Micenas.
Por volta de 1500 a.C., surgem as "tumbas com câmara" e, por fim, "com cúpula". Perpendicularmente ao flanco de uma colina, entalhavam um corredor de acesso e, depois, uma escavação de forma circular, leitos de pedra, notavelmente dispostos, reforçavam as paredes e, estreitando-se, formavam o teto da escavação; em seguida, era tudo fechado, não se deixando ao ar livre senão o corredor que terminava numa porta. Bastaria, para dar uma ideia da amplitude dos trabalhos realizados mencionar que o corredor alcança 25 metros de comprimento, e a cúpula, 15 metros de diâmetro, bem como de altura.
Era nessas "colméias" ou em sepulturas laterais que depositavam os cadáveres, por vezes em grande número. Tratar-se-ia de sacrifícios humanos celebrados durante as exéquias? Em alguns casos, nada nos autoriza a excluir essa hipótese. De qualquer forma, o morto continuava a viver. Fossas sacrificais, no solo dos corredores, fornecem-nos ossadas de animais e oferendas feitas ao defunto. Numa das tumbas de poço, descobriram-se máscaras de ouro que reproduzem, incluindo, os traços do falecido. Esses túmulos proporcionaram-nos armas, jóias, peças de ourivesaria, facas, navalhas, objetos dos mais variados. Em fins do século XIX, as descobertas de Schliemann provocaram a estupefação universal. Mais tarde verificaram-se novas descobertas, algumas célebres, como a das taças de ouro de Váfio, no sul do Peloponeso, outras que mereciam esta celebridade, como as de Dendra, na Argólida [...].
Em toda essa ourivesaria, nem as matérias-primas, nem a técnica, nem o sentido ornamental, nada revela mudanças reais em relação à arte cretense. O mesmo acontece com a maioria das outras artes, principalmente a pintura, cujos afrescos ornavam as paredes dos palácios. Acentuavam-se certos temas. como o da guerra - no começo, pelo menos - e da caça. Mas as tendências estéticas permaneciam as mesmas. Constatamos, sem surpresa. que elas continuaram a inspirar os artistas cretenses, cuja produção se escoava para a Grécia, e que, por bem ou por mal, lá foram trabalhar; formaram aí discípulos que lhes permaneceram fiéis.
Ao contrário, os micênicos introduziram inovações na arquitetura civil, muito importantes por si mesmos e de eficácia mais duradoura do que as que vemos na arquitetura funerária.
Concernem elas sobretudo à casa, adaptada a um clima menos meridional. Enquanto em Creta o teto era construído sob a forma de terraço, aqui edificavam-no em duplo declive, a fim de permitir o escoamento mais rápido das águas pluviais, menos raras. Além disso, o lar podia ser móvel em Creta, onde o frio era menos intenso. Mas devia ser fixo para os homens vindos de outras latitudes e dotados de outros costumes. Sua fixação deu origem ao elemento essencial da casa, o mégaro. Esse não esperou os Aqueus para surgir no mundo mediterrânico. Encontramo-lo nas ruínas de "Troia II", que data do III milênio, e na Tessália e Beócia, no início do II milênio; talvez se originasse no norte da Ásia Menor, tendo chegado à Europa pelo norte do Egeu. Mas foram os micênios que estabeleceram o seu tipo definitivo e generalizaram a sua adoção: apareceu nas Cíclades por volta de 1500 a.C. e, em seguida, em Creta.
Constitui um corpo de edifício retangular. Para o exterior, depois das colunas que suportam a parte avançada do telhado, há um vestíbulo que recebe ar e luz. Uma parede atravessada por uma porta separa-o de uma grande sala, o mégaro propriamente dito, compartimento aquecido por lareira fixa, redonda, instalada no centro. Não existe chaminé (para a fumaça), mas há uma abertura no telhado, em sentido vertical, sustentada por quatro colunas que enquadram a lareira. Assim aquecido, esse cômodo se torna, naturalmente, o compartimento nobre, o mais decorado, aberto aos hóspedes. É nele que os poemas homéricos situam os banquetes, e será no mégaro do palácio de Ítaca que Ulisses brandirá seu arco contra os pretendentes. Será também do mégaro que derivará o templo grego.
Assim, tendo a casa doravante um centro, os outros elementos organizavam-se como seus anexos. O mesmo de verificou nos palácios que, devido à sua importância, comportavam dois ou até três cômodos com lareira. Apresentaram, pois, um aspecto de desordem menos inextricável. O pátio central regularizou-se, com pórticos e vestíbulos enquadrando as portas. Mesmo sem as fortificações, as ruínas de Tirinto são as de uma nobre vivenda.
De resto, o espírito geral era certamente outro. Menos fantasia: essa apenas tinha livre curso na decoração. Fazendo um esforço no sentido da majestade exterior, que fora negligenciada pelos cretenses, os reis micênicos revelavam novamente que não eram avessos à exibição da força.
Pintura mural no Palácio de Tirinto, representando um homem dançando em cima de um touro, ca. 1890. Ilustração do arqueólogo Heinrich Schliemann
No mesmo espírito, compraziam-se em executar obras grandiosas, que pareciam ultrapassar a escala humana. A fim de construírem suas fortalezas e "colméias", os engenheiros conseguiam manejar enormes blocos de pedra. Por mais canhestra que seja a tentativa de escultura na pedra e da escultura monumental - antes desconhecidas dos cretenses, mas que, também nesse caso, abordavam temas cretenses - por mais disformes, frouxos e pesados que sejam os corpos das duas feras da "Porta das Leoas", em Micenas, tratava-se, não obstante, de uma inovação que se ligava ao gosto dos Aqueus por um estilo grandioso, deliberadamente ostentatório. Pela primeira vez fora do continente asiático e do Egito, concebiam-se obras tão grandiosas, com intuito ao mesmo tempo ornamental e religioso. Do ponto de vista estético, esse esforço abortou. Do ponto de vista técnico, teve êxito, e, com certeza, não foi fácil a tarefa de elevar esse bloco, e a formidável padieira que o sustém sobre os pés-direitos.
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Afresco: "Mulher de Micenas", ca. 1300 a.C., Micenas. Artistas desconhecidos
AYMARD, André; AUBOYER, Jeannine. O Oriente e a Grécia Antiga: o homem no Oriente Próximo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. p. 49-52. (História geral das civilizações, v. 2)
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