Os chefes Waikato e Hongi Hika com o missionário Thomas
Kendall, James Barry, 1820
As ilhas esparsas no Grande Oceano, durante o século XIX, continuam a surgir aos olhos dos europeus como um mundo à parte, digno de nota pelo seu isolamento e pela singularidade de seus tipos étnicos. Multiplicam-se as conjeturas relativas às origens e às afinidades, tanto dos "negros orientais" - melanésios e micronésios - quanto dos "selvagens brancos", os polinésios. Cook referira-se aos aos "fenícios do mundo oriental": alguns seguiam as migrações polinésias desde o Egito e uma das hipóteses era de que tratava de algumas "tribos perdidas de Israel". Estas civilizações, em todo o caso, por mais adaptadas que fossem ao seu meio, não haviam ultrapassado o estágio da pedra polida.
Nas pegadas dos exploradores que descreveram um verdadeiro Éden, chegam, simultaneamente, homens persuadidos da existência de uma humanidade pronta a acolher a os recursos das ilhas. Os governos europeus observam uma prudente reserva; Guizot acaba renunciando à política de protetorados, praticada pelo Almirante Dupetit-Thouars, e os franceses conservam apenas Taiti. Aliás, os missionários protestantes pretendem agir como se fossem os próprios regentes das circunscrições indígenas.
A expansão cristã iniciara-se em 1797, em Taiti, com a chegada de Dulf, enviado pela Sociedade Missionária de Londres. Em breve, um pouco por toda partem os reverendos esforçam-se por conquistar os chefes em por seu intermédio, agir sobre as populações. Recomendam a destruição dos ídolos, a renúncia dos tabus, ao canibalismo e às guerras, denunciam a nudez, a tatuagem e as danças rituais, preconizam a monogamia e louvam as vantagens da família, abrem escolas; por vezes, nas Polinésias, investem contra os privilégios dos nobres. Nas ilhas Cook, a Sociedade das Missões estabelece um verdadeiro controle teocrático, transformando em crime a "coabitação fora dos laços do casamento", interditando a saída das choupanas durante a noite. Nas Gambier, o Padre Laval é denunciado pelas autoridades militares franceses como um déspota "ridículo". Há chefes que cedem por medo, mas outros o fazem por cálculo. Frequentemente, o indígena adota ritos mal assimilados. O tabu, por vezes, tivera por fim refrear instintos perversos, agora liberados. Debilitando-se a coesão do grupo, desorganiza-se, por vezes, a atividade social. Além disso, as missões não esquecem que devem subvencionar às suas próprias necessidades; entregam-se ao comércio, cobram direitos sobre a venda de roupas e objetos destinados a seus catecúmenos, não hesitam em fazer fortuna com o tráfico dos nácares perolíferos.
Toda uma fauna de aventureiros abate-se sobre as ilhas. Um dos comerciantes americanos que trocam, na China, peles por seda, fazendo escala no Havaí, tem a ideia de embarcar madeira de sândalo e oferecê-la a seus clientes asiáticos. Outro mercador interessado pelo tripango, uma holotúria apreciada pelos gastrônomos de Cantão, graças ao sabor e às qualidades afrodisíacas. Depois a atenção dos brancos volta-se para a casca de tartaruga e o nácar perolífero. Oferecem tecidos de algodão, facas, fuzis ou rum; mas chegam ao ponto de prender reféns para garantir a entrega das quantidades reclamadas. Todas as ilhas de recifes padecem mais ou menos com a presença das ostras perolíferas. Não é raro que, para cobrir os claros causados pelo escorbuto nas fileiras das tripulações, alguns indígenas sejam embarcados à força. Muitos potentados tiram proveito da cupidez dos brancos: tal é o caso do rei do Havaí que, forçando seus súditos a desleixar as culturas de gêneros alimentícios e a cortar madeira de sândalo, provoca a fome nas suas ilhas.
As visitas dos baleeiros que ali fazem escala não são menos desastrosas. Praticam a troca para conseguir víveres frescos, mas não deixam de abusar das populações, violando as mulheres, raptando ou matando os homens. Regiões como as ilhas da Sociedade, as Fidji, as Marshall e as Carolinas jamais se recompensaram destes estragos.
SCHNERB, Robert. O século XIX: as civilizações não-europeias; o limiar do século XX. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996. p. 162-4. (História geral das civilizações, v. 14)
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