"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sábado, 3 de dezembro de 2016

A destruição das antigas sociedades e o despovoamento na Oceania até a partilha colonial

Dançarino havaiano, Giulio Ferrario

A distribuição dos lotes insulares esperou menos pelo desenvolvimento dos meios de comunicação, o estabelecimento de linhas comerciais regulares e a revelação de certas riquezas, do que pela depressão dos negócios que, entre 1880 e 1895, superexcitou a concorrência e os apetites. Em 1850, Taiti era a única a estar submetida a protetorado. Quando Paris decidiu anexar a Nova Caledônia, a Austrália lançou um protesto. Foi sem entusiasmo que os britânicos incorporaram as Fidji. Bismarck recusa ainda seu apoio à firma Hansemann, que lhe propõe um estabecimento na Nova Guiné. Entretanto, é a entrada em cena da Alemanha que, imediatamente após a falência dos Godeffroy nas Samoa, precipita a partilha dos territórios insulares entre a Grã-Bretanha, a França, a Alemanha e os Estados Unidos. A pena de ganso dos diplomatas é suficiente para levar a termo esta tarefa.

Da mesma forma que a África intertropical. a Oceania sofrera terrivelmente, sendo dizimados seus efetivos humanos. É certo que são suspeitas as avaliações dos primeiros viajantes: não atribuía Cook 200.000 habitantes a Taiti, 300.000 a 400.000 às Havaí? Em 1900 este último arquipélago conta apenas 125.000 habitantes, dos quais somente 20.000 naturais. Sem dúvida alguma, diversas terras perderam três quartos, se não a totalidade, de sua população. Quando o recuo se detém é porque a emigração fecha os claros. Assim como, dado o desaparecimento ou tendência à extinção de tasmanianos, australianos e maoris, a Australásia tornou-se anglo-saxônica; da mesma forma mestiços e asiáticos vieram repovoar a maior parte dos pequenos paraísos em situação desesperadora.

Na verdade a fraca natalidade não é um fato novo, pois as guerras, o canibalismo e as doenças contribuíam para quebrar, em grande parte, o impulso demográfico. Mas os recém-chegados agravaram o mal. Chacinaram, extenuaram pelos trabalhos forçados, deportaram em massa (para o guano, os peruanos e chilenos levam a metade dos indígenas da ilha de Páscoa e os três quartos dos de Nuculailai, nas Elice; a Melanésia despovoa-se em proveito da Austrália tropical). Venderam armas mais mortíferas e álcool. Se não introduzissem a sífilis, a tísica e a tuberculose, que seriam já antigas, difundiram, por outro lado, a varíola e o sarampo. Loti nos escreve a impressão de uma humanidade em agonia, pois o próprio contacto dos brancos, com suas "convenções", seus "hábitos" e seus "vícios", exerce uma influência dissolvente. Gauguin, por sua vez, na sua qualidade de "primitivo", vindo a Taiti para viver "de êxtase, de calma e de arte", deveria sofrer com as mesquinharias infligidas aos indígenas. Que acontecera ao mito taitiano a que Bougainville dera origem? Conviria mesmo ater-se à recomendação de Diderot: "Comerciai com eles, tomai seus produtos, levai-lhes os nossos, mas não os escravizeis?"

SCHNERB, Robert. O século XIX: as civilizações não-europeias; o limiar do século XX. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996. p. 167-8. (História geral das civilizações, v. 14)

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