Cabeça de um prisioneiro núbio. Templo mortuário de Ramsés III, ca. 1184-1153 a.C., Egito
Com limites não muito precisos, o antigo Sudão abrangia uma vasta área da África central, compreendida entre o Atlântico e o mar Vermelho e situada ao sul do Saara. Seu nome originou-se da expressão árabe Bilad al-Sudan, que significa "País dos Negros", com a qual se designava toda a parte da África habitada pelos negros, em oposição à África mediterrânea..
Tratava-se de uma região geograficamente bastante homogênea, constituída por uma grande planície e com um clima quente, que varia do úmido ao seco, mantendo-se constante tanto no interior quanto no litoral. Com uma vegetação típica das savanas, o território sudanês abrigava três importantes bacias hidrográficas: a do Níger, a do Tchad e a do Nilo.
As populações locais possuíam uma organização social e política que pouco variava de grupo para grupo. Os Estados sudaneses eram chefiados por soberanos, aos quais se atribuíam honras divinas e cujas vidas privadas se mantinham em absoluto sigilo. Acreditando que de sua boa forma física dependia a fertilidade do solo, seus súditos costumavam sacrificá-los por motivo de doença ou velhice. Nestes casos, promoviam sua execução ritual, que era seguida de solenes cerimônias fúnebres.
Os Estados sudaneses não eram de tipo feudal. Assim, sua vida política e econômica não se baseava nos privilégios das grandes famílias. Na realidade, apoiavam-se em uma estrutura burocrática formada por funcionários escolhidos pelo rei, que tinham por principal função a cobrança dos impostos necessários à manutenção do soberano e de sua corte.
Os primeiros Estados do Sudão surgiram como expressões de estruturas sobrepostas a comunidades eminentemente rurais. Em alguns casos, a origem de tais organismos relaciona-se a movimentos de conquista, já que muitos deles se desenvolveram a partir de uma progressiva anexação de comunidades tribais preexistentes na região. A época em que os Estados sudaneses se formaram ainda não foi definida com precisão. No entanto, pode-se assegurar a existência de alguns - como os de Ghana, Mali e Songhai - ou de seus núcleos originais já nos primeiros séculos depois de Cristo. O processo de desenvolvimento desses Estados ocorreu, a princípio, no interior do continente. As regiões litorâneas só foram alcançadas muito mais tarde, quando os europeus chegaram à África e foram inauguradas novas correntes de comércio na área.
A faixa setentrional da África, que se estende ao norte do Saara, esteve por mais de um milênio diretamente ligada à vida dos povos mediterrâneos, a seus impérios políticos e a seus movimentos culturais. A Fenícia, por exemplo, manteve em Cartago o seu reduto de maior poderio e prestígio. A expansão macedônica e o helenismo transformaram Alexandria, na foz do Nilo, em um dos principais centros culturais da antiguidade. O Império Romano, por sua vez, ao integrar a África setentrional na unidade política e econômica do Mediterrâneo, favoreceu a difusão do cristianismo no norte do continente, suscitando o desenvolvimento de escolas teológicas e vários movimentos espirituais. Modificando as estruturas políticas e administrativas da África romana e isolando-as da Europa, os vândalos facilitaram as migrações de grupos berberes, provocando grandes mudanças em sua vida política, econômica e social.
A influência mediterrânea na África setentrional tornou-se menos acentuada com a queda do Império Romano, não tendo atingido a África sudanesa, ao sul do Saara. Os domínios cartaginês e romano jamais ultrapassaram o deserto: enquanto Cartago se detinha nos interesses comerciais e marítimos, Roma utilizava o Saara para defender suas províncias dos nômades, ocupando efetivamente apenas o oásis de Germa, na região do Fezam meridional.
A partir do século V a.C., entretanto, começou a haver um intercâmbio entre a África mediterrânea e a África negra. O porto de Leptis Magna, na costa do Mediterrâneo, funcionava provavelmente como escoadouro dos produtos que chegavam pelas rotas comerciais provenientes do sul através do Fezam, enquanto o de Lixus, na costa atlântica do Marrocos, desempenhava o mesmo papel em relação às rotas comerciais que cruzavam o deserto da Mauritânia.
O contato entre berberes do deserto e negros do Sudão foi determinado basicamente pela diversidade do meio ambiente, pelos recursos econômicos e pelas formas de vida predominantes nos dois grupos. As mercadorias que os sudaneses podiam oferecer eram representadas principalmente por escravos, marfim, peles e plumas de avestruz, que trocavam pelo sal extraído das jazidas do Saara. A influência das populações do norte sobre o Sudão não foi, entretanto, apenas comercial. Antigas crônicas referem-se aos primeiros reis de Ghana como homens brancos provenientes do norte, enquanto outras fontes relacionam a origem dos haussa, que habitavam a Nigéria setentrional, a migrações de povos do norte. Talvez esse processo se tenha limitado à fixação de pastores berberes do deserto em regiões cuja população negra já possuía uma organização política própria.
Esses elementos comprovam a existência de relações e de um intercâmbio econômico, político e cultural entre o Sudão e as áreas povoadas pelos berberes, assim como a ação estimulante que estes últimos exerceram sobre o desenvolvimento dos Estados sudaneses. Contudo, procura-se ainda determinar em que medida as populações do Sudão, por meio da mediação dos nômades berberes, sofreram influências das civilizações mediterrâneas, ou em que medida, inversamente, possam ter influído sobre estas, em épocas anteriores à colonização europeia.
HISTÓRIA DAS CIVILIZAÇÕES. São Paulo: Abril Cultural, 1975. p. 40, 42 e 44. Volume 3.
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