Batalhão de Fuzileiros da Guarda Nacional (1840–1845), Brito
& Braga
Como mecanismo de controle político-social, foi adotado inicialmente o modelo da Guarda Nacional saído da Revolução Francesa, que atuaria da menoridade à República, perdendo importância após a Guerra contra o Paraguai, abrasileirando-se ao longo do período. No início, eram cidadãos-soldados, depois "coronéis" atuando nas políticas locais, engrossando a cultura do mandonismo regional. Em estudo já clássico, publicado em 1977, Jeanne Berrance de Castro mostrou como tal modelo tinha equivalentes nos Estados Unidos (a National Guard) e na França (a Garde Nationale).
No Brasil regencial - a análise é da historiadora -, as tropas de primeira linha atuavam de modo indisciplinado e eram controladas com dificuldade pelo poder civil, o que determinou a criação dessa "milícia cidadã", com estrutura mais sintonizada com o poder civil. Até porque, nos anos agitados de 1830-1831, mais da metade dos 44 generais do Exército brasileiro (26) era composta de naturais de Portugal, além de um inglês e um francês, enquanto os brasileiros natos eram apenas 16.
O estudo vai mais além, ao examinar como, no Brasil colonial, ao contrário do que aconteceu nos Estados Unidos, essas forças auxiliares permitiram a participação de índios, negros e mestiços em corpos especiais, com atuação importante na guerra aos invasores estrangeiros (holandeses, em particular). Na Guarda Nacional, a inovação foi maior, dada a integração de todos os cidadãos eleitores, independentemente da cor (essa integração aparentemente "fácil" iria ser problemática após 1850).
Primeira grande força nacional, "a Guarda Nacional do Brasil canalizara um movimento popular em direção ao nacionalismo". O próprio nome indicava essa vocação. Lançava-se o ideal do cidadão nacional, formava-se o "patriota". A historiadora examina ainda o sistema de qualificação para a Guarda Nacional no Brasil, notando que, em sua primeira fase, ainda eram as camadas mais baixas da sociedade que supriam seus quadros. E, implicação político-social importante, observa que a milícia cidadã (nunca tendo sido considerada uma reserva militar, apesar de sua intensa atuação nas campanhas de pacificação, sobretudo no Sul) teve eventualmente compromissos com movimentos sociais. No caso da Revolução Praieira, por exemplo, uma das questões postas em pauta pelos rebeldes - a nacionalização do comércio do retalho - já fora levantada pelos jornais da Guarda Nacional em 1836 e 1849. Alerta também para o fato de a própria Revolução ter sido defendida pelo jornal O Guarda Nacional.
Uniformes do Corpo de Cavalaria da Guarda Nacional, Brito & Braga
Em 1850, a milícia já era apontada na Assembleia como "elemento perturbador da tranquilidade pública" e participante dos movimentos revolucionários, como ocorrera na Bahia de 1837 e em Minas Gerais e São Paulo em 1842. Em algumas regiões, tropas que não quiseram participar da repressão (como no caso da Cabanagem, no Pará, e em Minas Gerais em 1842) foram dissolvidas.
Essa primeira fase de sua história (1831-1850) foi relativamente democrática, e também popular em sua composição. O Brasil era pesadamente rural, escravista, conservador, não havia, como na França, uma burguesia, daí ter que aceitar essa atmosfera de homens livres, simples, trabalhadores, mestiços e adaptar-se a ela. Ainda no começo do período regencial, o jornalista Evaristo da Veiga escrevera nas páginas do Aurora Fluminense:
"Não é desonroso a qualquer um ter-se-lhe confiado a defesa de seus bens e a do Estado, entregando-lhe essas espingardas que eram antes trazidas por gente que tantas vezes ameaçou o nosso repouso e propriedades."
É que, àquela altura dos acontecimentos, Evaristo, homem urbano e de modesta condição pequeno-burguesa, confiava mais na superioridade de empregar cidadãos na defesa da segurança nacional, até porque, naquele momento, como se disse, havia inferioridade numérica no Exército.
Tal mudança num mecanismo de poder efetivo foi decisiva, de vez que, com a Guarda Nacional, foram extintos os corpos auxiliares das Milícias e Ordenações, das Guardas Municipais, cabendo agora exclusivamente à Guarda Nacional cuidar da ordem interna. Com a "Briosa" (como era chamada a milícia no século XIX), a Independência adquiria uma forma concreta e, ao mesmo tempo, simbólica e popular. Em síntese, nas palavras da historiadora:
"A Guarda Nacional quebrou também a tradição colonial dos altos postos militares [...] O 'coronelismo' é a retomada posterior dessa situação, porém bem alicerçada num passado colonial dos coronéis das ordenanças, assim como numa série de outros fatores dos quais a Guarda Nacional foi apenas parte."
MOTA, Carlos Guilherme; LOPEZ, Adriana. História do Brasil: uma interpretação. São Paulo: Editora 34, 2015. p. 399-401.
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