Fanático, termo cunhado no século
XVIII, denomina pessoas consideradas partidárias extremistas, exaltadas e acríticas
de uma causa. O que identifica o fanático é a certeza absoluta e incontestável
que ele tem a respeito de suas verdades e isto pode representar um grande perigo
para os outros. Ao se pretender detentor de uma verdade supostamente revelada
especialmente para ele pelo seu deus, o fanático não tem como aceitar discussões
ou questionamentos racionais com relação àquilo que apresenta como seu
conhecimento; a origem divina de suas certezas não permite que argumentos
apresentados por simples mortais se contraponham aos seus. Pode-se argumentar
que as palavras de Hitler ou as de Mao mobilizaram fanáticos tão convictos como
os religiosos e não tinham origem divina. Ora, de certa forma, esses líderes
eram cultuados como deuses e suas palavras não podiam ser objeto de contestação,
do mesmo modo que ocorre com qualquer conhecimento de origem especificamente
religiosa. A irracionalidade é, portanto, condição essencial do fanatismo. Ao
se sentar para debater ideias, de forma receptiva, o indivíduo mostrará que não
faz parte de um grupo de fanáticos.
É possível estudar as manifestações
de fanatismo na história, inclusive em períodos anteriores à Era Moderna, sem
incorrer em anacronismos, se procurarmos compreender o fenômeno lançando mão de
uma cuidadosa investigação histórica. Como se sabe, o olhar que lançamos sobre
o acontecido é, necessariamente, o de alguém que vive numa determinada época,
em um determinado lugar, e é fruto das contingências decorrentes dessas
determinações. Assim, ao estudar a história de séculos passados (a partir de
nossa perspectiva do século XXI) podemos identificar, em vários contextos,
sinais de fanatismo (mesmo que o termo ainda não existisse na época). Afinal, a
irracionalidade e a existência das tais supostas verdades reveladas não são
coisa recente...
Sistematizamos um conjunto de
manifestações de fanatismo baseadas em quatro grandes categorias de
justificativas ideológicas adotadas pelos fanáticos: as religiosas, as
racistas, as políticas e as “esportivas”.
A religião serviu e serve como
explicação/pretexto para perseguições, torturas e assassinatos em diversos
momentos da história, dos cruzados medievais aos fundamentalistas do século
XXI. Afinal, sob o pretexto de ordens emanadas pelo próprio e verdadeiro (na
concepção deles) deus, qualquer crime se justifica...
O massacre de São Bartolomeu, François Dubois
O racismo (contra negros,
semitas, orientais, etnias minoritárias) provocou e provoca muitas humilhações
e derramamento de sangue. Violência e escravidão têm sido instrumentos de fanáticos
em diferentes sociedades contra raças supostamente inferiores. Em pleno século
XX, o fanatismo atingiu importantes setores do povo alemão que se deixou
seduzir pelo nazismo: pessoas eram confinadas em campos de extermínio, onde
foram escravizadas, torturadas e mortas, por uma suposta inferioridade racial
congênita. As manifestações mais conhecidas de fanatismo racista são as
atividades da Ku Klux Klan, do nazismo e do famigerado e atuante neonazismo.
A política foi e é desculpa para
inúmeras violências contra opositores, manifestações agressivas de chauvinismo,
opressão e terrorismos – a partir de “verdades definitivas” tão diversas como a
comunista, a imperial, a libertária, a do “mundo livre”, a nacionalista. O
fanatismo político é facilmente identificável nos expurgos stalinistas, na ação
camicase, no macarthismo, na Revolução Cultural da China e no terror com
finalidades políticas. Fanáticos políticos têm horror a debates de ideias,
preferem fazer os adversários se calar.
E torcer pelo futebol surge como
o mais novo fundamento para atitudes antissociais e violências, não só contra
simpatizantes dos times “inimigos”, mas também contra determinados grupos étnicos,
mulheres, homossexuais e migrantes. Os hooligans
e os membros das torcidas organizadas no Brasil são, evidentemente, sujeitos
fanáticos. Com certa constância verificamos agressões seguidas de morte nos
embates entre torcedores. [...]
O machismo (misoginia, homofobia)
– motivação para violências específicas contra mulheres e homossexuais –
aparece no interior de várias formas que assumem as justificativas acima
mencionadas.
Num tempo de perplexidade, em que
olhamos para as conquistas da humanidade, por um lado, mas vemos, por outro, os
homens exibindo sua face mais cruel, é muito importante analisar várias das
diferentes faces que o fanatismo adquiriu ao longo do tempo e em contextos
distintos. Numa época de homens-bomba, atentados terroristas, manifestações
racistas, ações extremistas, pensar o fanatismo é atual, relevante e urgente.
PINSKY, Jaime. Por que gostamos de História. São Paulo:
Contexto, 2013. p. 31-33.
NOTA: O texto "O fanatismo na História" não representa, necessariamente, o pensamento deste
blog. Foi publicado com o objetivo de refletirmos sobre a construção do
conhecimento histórico.
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