El Castillo.
Foto: Bernard Gagnon
A
primeira impressão e a última lembrança de quem conhece Chichén Itzá costumam
coincidir e se resumem numa palavra: monumentalidade. De fato, mesmo imponentes
cidades do período maia clássico (300
a 900 d.C.), como Tikal, Copan, Palenque e Uxmal, perdem
o viço em uma eventual comparação.
O mais
notável não é o tamanho dos edifícios, mas o dos espaços que os separam.
Turistas chegam a ficar perdidos na grande praça, no imenso campo de jogo de
bola ou na ampla via que leva ao cenote sagrado, o poço natural no qual era
atirado o corpo das vítimas de sacrifícios humanos e que atraía peregrinos
maias de toda parte.
Espaços
livres e edificados são testemunhos da preocupação dos homens que construíram
Chichén Itzá, 1.100 anos atrás, de propiciar a reunião e a circulação de
multidões, incluindo os visitantes.
Também
a escultura se diferencia. Em vez da exaltação de reis e dinastias, as obras de
Chichén Itzá focalizam cenas de grupos, de desfiles e de procissões.
Distinguem-se nelas personagens que ocupam posições diferentes na hierarquia
social. Há reis, sacerdotes, guerreiros de elite e de linhagem inferior, assim
como vítimas de sacrifícios.
A
construção do templo dos Guerreiros tem duas partes: uma vasta sala, precedida
de três fileiras de colunas, e uma pirâmide. À direita da escadaria de acesso,
encontram-se uma banqueta e uma pedra de sacrifício de 40 cm de altura. Todos os
pilares de sustentação do teto mostram, nas quatro faces, esculturas de um
personagem em pé. Na sua imensa maioria, são guerreiros, mas há também cativos
de mãos amarradas, membros da alta hierarquia, sacerdotes e personagens
mascarados, imitando animais.
Templo dos Guerreiros (detalhe), mostrando Chac Mool.
Foto: Bjørn Christian Torrissen
Esse
conjunto arquitetônico reúne os dois momentos do sacrifício: a execução, na
sala principal, e a oferenda, no templo. A prevalência de guerreiros denota a
importância deles no ritual. Os homens armados são os que capturam e oferecem o
sacrifício. Eles são assistentes qualificados dos sacerdotes. O ritual é
ostensivo. As cenas de sacrifício humano encontram-se representadas em toda a
parte na cidade.
Chichén
Itzá se destaca das demais cidades maias da época pelo abandono de práticas
vigentes durante séculos, como a de erguer monólitos periodicamente, e também
pela adoção de traços culturais exógenos, manifestados, sobretudo, na
arquitetura.
As
ruínas de Chichén Itzá revelam mais. Uma organização política e social
totalmente inovadora aparece, com o enfraquecimento do poder real, em proveito
de uma elite de guerreiros e sacerdotes. Essa mudança profunda ainda não está
bem explicada. Depende de mais estudos da história dos maias entre os séculos IX
e X.
Ao fim
do século IX, Chichén Itzá foi uma cidade de perfil cosmopolita. Por mais de
dois séculos, a única importante do Yucatán. Essa hegemonia não dependeu de
autoridade e força do governo. Ao contrário, abertura e partilha com habitantes
de cidades vizinhas foram marcas da cidade.
Nas
províncias, os chefes locais eram convidados por Chichén a participar de
festas, cerimônias diversas e atividades religiosas da cidade. Essa comunhão no
ritual parece ter assegurado a estabilidade política local, ainda que houvesse
guerras, até mesmo para capturar futuras vítimas de sacrifícios. O papel
federativo da cidade foi ainda favorecido pelo cenote sagrado, visitado por
milhares de peregrinos que lançavam aí suas oferendas.
A famosa descida da serpente - Kukulkan - do templo em todo seu esplendor durante o equinócio
de março.
O povo
maia tem um histórico de abandono de suas cidades-Estado. Ao longo do século
IX, as das Baixas Terras centrais foram esvaziadas, depois de viverem o apogeu
do período clássico, iniciado em 300 d.C. nelas, o rei maia governava de
maneira absoluta. Ele era assunto quase exclusivo dos textos dos hieróglifos e
da arte monumental.
No
século seguinte, foi a vez das cidades do Yucatán, com exceção de Chichén Itzá,
que, na virada do milênio, permaneceu influente na região. Acabou também
abandonada em meados do século XIII.
Até a
conquista espanhola, contudo, Chichén Itzá, mesmo sem a agitação e o poder de
outrora, continuou a ser visitada por peregrinos, graças a seu cenote sagrado.
BAUDEZ,
Claude-François. Chichén Itzá, a Meca do povo maia. In: Revista História Viva, nº 63, jan. 2009.
NOTA: O texto "A cidade de Chichén Itzá" não representa, necessariamente, o pensamento deste
blog. Foi publicado com o objetivo de refletirmos sobre a construção do
conhecimento histórico.
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