"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sábado, 21 de dezembro de 2013

A maldição de Malinche

Quando a frota espanhola, chefiada por Hernán Cortés chegou a Tabaco, nas costas mexicanas, em março de 1519, os caciques locais presentearam-no com vinte mulheres nativas que, depois, foram catequizadas e batizadas. Dentre elas destacou-se uma dama da elite indígena, que recebeu o nome cristão de Marina, precedido do título Doña - marca de nobreza das senhoras espanholas.

"Doña Marina se tornou na armada um personagem tão eminente que os indígenas lhe deram o nome de Malintzin, composto de Marina e do sufixo tzin, que significa a classe social ou a nobreza. E ela teve a distinção extraordinária de ter dado seu nome a seu senhor e dono, pois que os índios tomaram o hábito de chamar Cortés pelo nome de sua notável amante-intérprete, Malintzin, que os espanhóis transformaram em Malinche." (Salvador de Madariaga. Hernán Cortés. p. 134.)


Cortéz e Malinche, (detalhe de mural), Orozco

A união dos dois, que resultou num filho, deu início à miscigenação racial entre os brancos conquistadores e os indígenas mexicanos. A miscigenação, aliada à extrema fidelidade da intérprete a seu senhor, deu origem ao mito da Maldição de Malinche, que passou a expressar a situação de dominação e subordinação dos mexicanos a interesses estrangeiros, a partir da "traição" de Doña marina.

Em 1973, esse mito foi cantado numa bela música. 

A maldição de Malinche
Gabino Palomares

Do mar eles viram chegar
meus irmãos emplumados.
Eram os homens barbados
da profecia esperada.

Ouviu-se a voz do monarca
de que o Deus havia chegado.
E lhes abrimos as portas
por temer o ignorado.

Vinham montados em bestas
como Demônios do mal.
Vinham com fogo nas mãos
e cobertos de metal.

Só o valor de uns poucos
lhes opôs resistência.
E ao ver correr o sangue,
cobriram-se de vergonha.

Porque os Deuses não comem
nem gozam com o que é roubado.
E quando nos demos conta,
já tudo estava acabado.

E nesse erro entregamos
a grandeza do passado.
E nesse erro ficamos
trezentos anos escravos.

Restou-nos o maléfico
de brindar o estrangeiro,
nossa fé, nossa cultura,
nosso pão, nosso dinheiro.

E continuamos trocando
ouro por contas de vidro.
E damos nossa riqueza
por seus espelhos com brilho.

Hoje em pleno século XX
nos procuram, chegando enrubescidos.
E lhes abrimos a casa
e os chamamos amigos.

Mas se chega cansado
um índio de andar pela serra,
o humilhamos e o vemos
como um estranho em sua terra.

Tu, hipócrita que te mostras
humilde diante do estrangeiro,
mas te voltas orgulhoso
contra teus irmãos do povo.

Oh, maldição de Malinche,
enfermidade do presente.
Quando deixarás minha terra?
Quando libertarás minha gente?

Citado in: PAZZINATO, Alceu Luiz; SENISE, Maria Helena Valente. História Moderna e Contemporânea. São Paulo: Ática, 1995. p. 59.

NOTA: O texto "A maldição de Malinche" não representa, necessariamente, o pensamento deste blog. Foi publicado com o objetivo de refletirmos sobre a construção do conhecimento histórico.

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